Numa total oposição à infância, quando
a música clássica era apreciada em volume moderado, vivenciei, na adolescência,
um tal de Rock and Roll. Sim, era o estridular de guitarras, os compassos vincados
por vibrantes baterias e a harmonia partilhada com imoderados contrabaixos
eletrônicos. Mais tarde, num preito à incerteza, a internar-me nas praças de
máquinas de navios, desfrutei amplamente dos ruídos naturalmente amplificados
pelos motores de combustão interna. Creio que por conta de atípica
autopreservação, passei, notadamente, a evitar fragores ou até mesmo os menores
bulícios. Recordo-me que, em certas ocasiões, deleitava-me a auscultar o
silêncio. O zumbido, assim o dizem, seria a percepção do som na ausência do
mesmo.
Bem, o silêncio absoluto não existe
(pelo menos é o que dizem). Eis-me, então, algo próximo de um aventureiro,
alguém empenhado em descobrir e cultuar o silêncio total. Mas... Ledo engano! A
vida traça seus próprios caminhos. O mundo atual encheu-se de novos ruídos; as
pessoas parecem gostar do alvoroço, da gritaria. Pelo menos a música moderna
assim o comprova; há um culto ao estrépito, ao tumulto, ao estardalhaço. Nas
grandes cidades, aves canoras, fonte ímpar de enriquecimento espiritual, em
sinal de protesto, optaram por calar-se. Os aparelhos utilizados para
reproduzir a música do momento esbanjam decibéis. Nos bares e restaurantes a
música ambiente sobeja e agride tímpanos, martelos, bigornas e estribos. Nas
conversas informais parece haver um encômio à bulha. Neste exato momento passa
uma motocicleta sob minha janela: o espalhafato dos motores à explosão.
Não obstante, passado algum tempo e a
me ver derrotado na busca pelo total silêncio, na verdade uma luta inglória,
começo a não perceber algumas cores. Sim, as paisagens começam por se mostrarem
modorrentas, cansadas, descoloridas. Instala-se uma apatia nas cores. Já não
consigo distinguir as cores prismáticas formadoras do branco. A cor branca
faz-se absoluta, ingênita, indivisível... Em seguida vem a palidez das
paisagens. Como sucedâneo, meu desespero: o branco e o negro é tudo que vejo. A
diversidade de colorações e tons tão agradáveis e deleitosos deixou de existir.
De início baniu-se o silêncio; agora não há mais cores. O que há então? Nada! O que posso discernir? Longe de pretender-me
um Shakespeare, faço minhas as palavras de Hamlet: “Tudo que vejo é nada”.
Lógico, é isso. O mundo assimilou estas duas características
tão ... antagônicas. Como harmonizar o ruído excessivo com a acromatismo? Não
pode haver prazer em paisagens acromáticas, ainda mais quando acompanhadas pela
bizarrice dos ruídos. Sim, está explicado: as pessoas, hodiernamente, carecem
de cores porque cultuaram o ruidoso. A verdade é manifesta: vivemos num novo
mundo, numa nova era, a era dos acromáticos. Talvez, quem o sabe, em pouco
tempo, possa eu estar a reescrever a presente crônica e a divulgar uma outra
realidade: o embaciar das mentes, quiçá, o embranquecer das almas. Our mind
will be blank!
Primo, terminada a leitura de teu texto, fiquei parada pensando em tudo que li. Também me sinto assim em relação à cultura atual. Nossos ouvidos e olhos acostumados ao que ouvimos e vimos em nossa infância e adolescência se recusam a aceitar o que ouvimos e vemos hoje. Sem julgar o que está certo ou errado, apenas me recuso a ver e ouvir. Obrigada pelo texto. Abraço!
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