sábado, 26 de março de 2022

Doce veneno

 

Comecemos por discorrer sobre a contracultura e seus movimentos. É bom lembrar que a contracultura, em si, é um movimento que nega a cultura (o status quo), pois tem por escopo quebrar tabus e superar normas e padrões que determinam qualquer sociedade. Por sucedâneo, surgiram movimentos ad hoc, que ficaram conhecidos como: Beatniks, Hippie, Punk e Anarquista. Todavia, assim o dizem, o fator que teria dado lugar ao surgimento da Contracultura - ainda nos anos 50 - seria a Guerra Fria. Sim, o mundo do pós-guerra mostrou-se dividido. O que os seres humanos, enfim, poderiam esperar deste novo “ambiente”? A incerteza, a insegurança e a efemeridade passaram a fazer parte do cotidiano.

Em face desta nova realidade, como tratar a questão cultural? Bem, a cultura desempenha papel marcante em toda a sociedade. Ora, em havendo declínio cultural, observar-se-á, ipso facto, declínio educacional, o que dará ensejo à alienação. Então vos pergunto: A quem mais interessa a alienação de toda uma sociedade? Lógico! A toda uma classe de manipuladores. Observai com acurácia e percebereis claramente a alienação imposta. A alienação não só manipula, mas também monopoliza. Os veículos, a serviço de manipuladores, selecionam e editam o que deve ou não ser difundido. Máximas e chavões são repetidos à exaustão; as músicas e os ritmos são sempre os mesmos; temáticas e comportamentos insólitos são abordados com constância e recebem o “respaldo de especialistas”. Reclamo vossa atenção para detalhe no mínimo curioso: A mídia sempre encontra especialistas no inusual. 

Bem, tendo em vista a abrangência da temática, não distingo melhor opção senão limitá-la. Logo, dentro do panorama cultural, voltemo-nos às artes e mais especificamente à música. Vejamos! Acima, discorri acerca da contracultura, bem como de sua possível origem no pós-guerra, contudo, longe de fazer um mea culpa e retirar do imputável a responsabilidade pela manipulação, devo ressaltar que o grande Platão já nos alertara no observar o tipo de música a receber incentivo por parte dos governantes; existem boas e más harmonias, bons e maus ritmos. E o que o filósofo, exatamente, queria nos dizer? Não, nada de movimento próximo a uma contracultura rudimentar. Simples: com a cultura a desempenhar papel fundamental na sociedade, a alienação pode vir a atender expectativas diversas.

Convido a vos ater na patente agressividade do mundo hodierno. Por que essa característica parece estar a recrudescer em toda a sociedade humana?  Que ritmos estão a ser veiculados na contemporaneidade? Assim como o “efeito Mozart” pode atuar de modo benéfico no cérebro, tornar seres humanos mais inteligentes e até mesmo auxiliar no desenvolvimento cognitivo em bebês, outros ritmos e melodias podem provocar resultados contrários. A música estimula o humor, influencia comportamentos e promove sentimentos, tais com: raiva, hostilidade, tristeza, medo, aversão, alegria, confiança, amor, compaixão, empatia, etc. Os adolescentes precisam da boa música, pois esta proporciona disciplina, um melhor foco e concentração, o que os afastaria do envolvimento em crimes e do uso das drogas.

Está evidente que defendo uma semântica musical, e o faço a partir de seus componentes. A melodia, com sua sequência de sons, deve primar por um todo harmônico. A harmonia, por sua vez, deve buscar promover o prazer, o agradável aos ouvidos (não estou a me referir ao modismo dos apelos emotivos chamado sofrência). O ritmo, presença marcante em nosso ser desde tenra idade, vem corroborar a declaração de Arquimedes: “Tudo na natureza manifesta uma relação matemática”. Nossa vida é marcada pelo ritmo, haja vista os batimentos cardíacos. O ritmo, portanto, deve regular a sucessão de tempos fortes e fracos, bem como intensidade e cadência.  

Voltemo-nos às canções: música e poesia em consonância. Em se vinculando à poesia, a agora canção deve exigir métrica e rima em versos estruturados e harmoniosos, de modo a comover e despertar sentimentos positivos.  Faz-se mister frisar que nosso cérebro coordena os sons e a partir deles cria um sistema de signos capazes de provocar prazer, sofrimento, alegria, dor, medo, amor, raiva, etc. A música, assim como a canção, tem capacidade de atingir o mais recôndito do ser humano, podendo afeiçoá-lo para o bem ou para o mal. A educação musical pode abrandar irascíveis, afastar vícios e despertar virtudes.

Bem, a vós outros, motivados por doutrinas ideológicas, alienados talvez por diletantismo, ou ainda imersos em programada ignorância, que porventura defendeis não mais um movimento de contracultura, mas uma guerra cultural, cuja finalidade específica é destruir e/ou ridicularizar a arte e os valores conservadores, trago um esclarecimento: a beleza não é relativa, e por mais que incomode aos “donos” do poder, ela está presente na harmonia das proporções. Não permitais que a arte, a música em particular, seja transformada em toxina social, onde o romancear poderia chamá-la doce veneno.  Parece-me, salvo melhor engano, que os que exteriorizam uma percepção distorcida da realidade e, consequentemente, padrões estéticos deturpados, os ideólogos deste movimento - a guerra cultural -, apenas mascaram uma não conformação, na verdade, a revolta contra as próprias limitações. Lamento, mas só consigo vislumbrar a simples manifestação do fracasso travestido de inconformismo.

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