sexta-feira, 18 de março de 2022

Desmandos da coloquialidade

 

Não mais me surpreende o linguajar utilizado em nossa sociedade. Parece-me, salvo melhor juízo, que nossa linguagem foi infectada por uma espécie de indiferença; algo instituído e protocolarmente estimulado. Estou ciente de que alguns chamar-me-ão preconceituoso e tentarão tornar plausível o desregramento dizendo-o um sotaque regionalista; outros, além de batizar-me com o predicativo “purista” (seria isso uma ofensa?), justificarão os excessos a discorrer sobre uma linguagem coloquial. Todavia, posso vos afiançar que não estou a falar de sotaques e/ou discursos informais.  

Mas, enfim, de que se trata? De início - e aqui arrisco-me sobremaneira - receio que o mesmo espírito imbuído em fazer do “jeitinho brasileiro” algo cultural, é responsável pela indisciplina verificada em nosso linguajar. A coisa atingiu tal patamar que os tropeços na ortoépia e prosódia são vistos como regionalismos. As silabadas conquistaram seus lugares ao Sol e têm até seguidores. Alunos e alunas de nível superior, até mesmo os já detentores de títulos acadêmicos, fazem uso de verbos no infinitivo sem pronunciarem a letra R no final. E para rematar, transformam os verbos no infinitivo em palavras oxítonas, o que vem alterar o sentido da oração.  

 Outrossim, gostaria de que ficasse evidente não se tratar de um apelo à utilização constante da norma culta. Apenas a fazer uso do bom senso, ficamos cientes de que ocasiões há em que regras e padrões linguísticos são imprescindíveis. Então, tendo como supedâneo recursos pragmáticos (minha didática particular) passo a vos relatar exemplos em que a linguagem oral está de tal modo viciada que parece até mesmo ter contaminado a linguagem escrita; tais causos poderiam ser classificadas como risíveis. Vamos a eles!

Certa feita, ao volante de meu automóvel, parado por conta da cor vermelha do semáforo, pude observar um adesivo colado ao vidro traseiro do carro imediatamente à minha frente. O motorista deveria ser uma daquelas vítimas midiáticas, pois fazia questão de corroborar a “cautela” de um certo terrorismo pandêmico. E o adesivo informava em letras vermelhas: “Me vacinei!” Lamentei deveras. Lamentei pelo fato da frase ter começado com um pronome oblíquo, o que revela total desconhecimento do idioma; lamentei também porque se a pessoa tivesse conhecimento da língua, certamente não teria tomado a vacina.

Em outro momento, recebi certa mensagem pelo WhatsApp. Uma coisa consegui aprender: quando a notícia vem de encontro às nossas aspirações ela tem grandes chances de ser falsa. Então ponho-me a observar detalhes. O título: “Se prepare pra guerra!” E lá está o pronome Se a iniciar a oração. Errado! A frase correta seria: “Prepare-se para a guerra!” Sim, eis o pronome reflexivo utilizado de maneira correta. O despreparo na língua pode, inclusive, conduzir despreparados à guerra. Bem, por uma questão de elegância, eu condenaria igualmente o uso da preposição para (pra - contraída).

Para finalizar, o que deve ser com chave de ouro, eu cito a propaganda de certa instituição de ensino superior veiculada na TV. Duas jovens entram em cena e declamam - melhor dizer: Lá vem bomba! “A gente se juntou pra criar algo inédito pra você entrar na faculdade”. Recordo-me dos personagens de Friends: - “Oh my God”. Não, não é pela aversão que nutro pelas jovens, mas pela linguajar esdrúxulo utilizado para se atrair possíveis alunos para a dita instituição. Em face de semelhante português, pergunto-vos: Como levar a sério tal faculdade? A locução a gente (o grifo é meu), que corresponde ao pronome pessoal nós e gramaticalmente a terceira pessoa do singular, foi sabiamente utilizada pela Banda Ultraje a Rigor. “Inútil, a gente somos inútil!” O refrão parece confirmar minhas suspeitas: A locução é, de fato, inútil. Isso sem falar na contração da preposição “Pra” e na omissão da letra R nos verbos no infinitivo.

Bem, ficam aqui minhas condolências a vós que perdestes ou perdereis tempo em desacreditar-me. E como não guardo rancor, estai atentos à dica: “Arrasta pra cima e brilha!”

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