quinta-feira, 30 de junho de 2022

Antropoceno

 

Vivenciamos o amargor de uma inglória hegemonia; desfrutamos os efeitos de um agir irresponsável. Afinal, em que justifica-se o fato do ser humano ter domínio sobre a natureza? Racionalidade? Bom senso? A natureza mesma dá mostras dessa extrapolação; a humanidade já começa a padecer com os resultados de sua “ampla” esfera de ação. Há sinais evidentes da falta de limites no tocante a ter ervas, árvores frutíferas e até mesmo animais como alimentos; inegáveis as alterações climáticas impostas pela industrialização; incontestes as consequências das agressões ao meio ambiente em função do acúmulo de bens e capital. Aos humanos, portanto, em face dos recentes desafios, é negado desprezar ou desconhecer o seu tempo. Está mais do que na hora do sapiens reavaliar sua relação com a natureza. Há que se respeitar o meio ambiente; faz-se mister um usufruir com responsabilidade. Todavia... como esperar atitudes responsáveis de seres humanos? Se a humanidade ainda carrega a pretensão de atender às demandas naturais, legitimemos nossas ações. Criemos leis, boas leis. E a boa lei tem por princípio coibir, orientar, educar. “Bona este lex si quis ea legitime utatur”.

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Curiosidades e descobertas


Socialismo: Sistema que pretende transformar a sociedade incorporando os meios de produção na comunidade; a coletivização dos bens e propriedades particulares; a partilha do trabalho e objetos de consumo entre todos. O comunismo seria tão somente a implantação das ideias socialistas. Como exemplos de sistemas socialistas temos, dentre outros, a China, a Coreia do Norte, Cuba, Venezuela e mais recentemente a Argentina. Curiosidade: brasileiros que se dizem socialistas - os já famosos socialistas de iphone - adoram viajar (morar, se possível) na França ou Estados Unidos, isto é, países eminentemente capitalistas. Não é à toa a má fama do sufixo ismo.

Ecologista: Ou ambientalistas. É todo aquele que defende um maior equilíbrio entre seres humanos e combatem as interferências no meio ambiente. Curiosidade: esfalfo-me em observar ecologistas na fila de embarque em aeroportos espalhados pelo mundo; inúmeras as vezes presenciei ambientalistas reunidos em portas de churrascarias rodízio. A militância no contestar valores e costumes, independente do quantum de hipocrisia, assim me parece, gera boa reputação. Aqui percebo um quê de socialismo. E lá está presente, outra vez, o mal-afamado sufixo ismo.   

A terceira xícara de chá: um velho costume paquistanês diz-nos que a primeira xícara de chá é apenas formalidade; a segunda xícara de chá seria para pessoas de inconteste relevância; a terceira xícara de chá para aqueles considerados membros da família. Descoberta: o chá não é apenas uma beberagem qualquer, mas um meio de identificar e demonstrar respeito e admiração.

Ruivos (as): Pessoas com cabelo ruivo, ou seja, cabelos com coloração entre o vermelho e amarelo. Povos que ingerem muito carboidrato e pouca proteína, em geral, têm os cabelos ruivos. Conclusão precipitada: A depender dos VEROS ambientalistas, mesmo que não socialistas, a humanidade seria eminentemente ruiva. Curiosidade: O que faz com que seres humanos tenham cabelos castanhos? Seriam as drogas para combater a falta de proteínas e o excesso de carboidratos?

Ilogicidade sócio-cultural: Se sujamos as mãos, lavamo-las; se enodoamos os rostos, procedemos ao asseio com água: se os pés se emporcalham, lavamo-los também. Ora, por que após defecarmos usamos simplesmente papel? Esta deveria ser uma preocupação a mais para os ecologistas. Afinal, quantas árvores serão abatidas para o fabrico do papel higiênico? Todavia, urge outra questão: Teria o planeta água suficiente para banhar a quantidade expressiva de nádegas sujas?  

Conclusão: Eis o objeto a ser partilhado pelos ecossocialistas: nádegas sujas! Ah, sim, antes que me esqueça: eles jamais serão convidados, sequer, para a segunda xícara de chá, que dirá para a terceira!


quarta-feira, 22 de junho de 2022

Sentimento não vozeado


Inúmeras as vezes em que observei lágrimas a acompanhar momentos chamados felizes; incontáveis as oportunidades de mudo pranto no concorrer com a tristeza. O choro, não raramente, brinda não só o amor, mas também o ódio. Há o carpir sequaz ao lamento, à querela, ao arrependimento; por vezes a revolta e o ressentimento revelam-se no plangitivo. Outrossim, o pranto faz-se presente entre o calmo e o ruidoso. E não esqueçamos o recurso das dissimuladas lágrimas, mesmo que distante dos ambientes cenográficos. Enfim, percebo multíplice feições no prantear.

Logo, atônito com tal descoberta, começo por investigar o desdobrar-se do exercício prantivo. Há que se notar, de início, a importância que Wolfgang Amadeus Mozart deu ao fenômeno, haja vista o movimento intitulado “Lacrimosa” em seu inigualável Requiem. Então ouço alguém, em meio a um comentário banal, proferir com desembaraço: “Lágrimas são palavras!” Sim, de fato o são. Se bem que tais unidades linguísticas não pertencem a uma classe gramatical; não têm correspondentes no conjunto de sons articulados ou sinais gráficos. Há como que uma multiplicidade de signos originados em variegados sentimentos. A riqueza comunicativa do pranto transcende ao lexical. Trata-se de invulgar revelação ágrafa, por vezes afônica, por vezes com emissão específica. Arrisco-me dizê-la um singular sentimento não vozeado.   


terça-feira, 21 de junho de 2022

Tecno-abjuração


Se tivessem renunciado simplesmente a uma crença religiosa, a coisa seria mais simples; tratar-se-ia de ceticismo, incredulidade.  Mas não, não houve apenas renúncia; abandonou-se o mistério em prol de uma tecnologia subjugadora. E essa atípica apostasia, por certo, mostrar-se-á sobremodo nociva. As pessoas abdicaram de si mesmas em prol de um personagem; o si mesmo já não tem importância. O ser restringe-se ao lado obscuro do computador ou da tela do telefone celular e isso o satisfaz; parte expressiva da população vive o não-ser. O não-ser quer ser; isso tem nome: influencer. As pessoas não querem ser elas mesmas; querem ser outras, alguém ou algo que as transcenda, que as torne celebridades. Nesse caso, o abandono de si não significa humildade, mas vaidade. Criados os personagens, seus criadores a eles se submetem. Sim, vivem apenas para manter vivas suas criações. Eis a importância dos seguidores, dos likes, das curtidas.

Todavia, as vias crucis continuam. O momento de encarar o si mesmo, o retorno ao ser real faz-se premente, necessário. Então a “farsa eletrônica” não mais surte qualquer efeito. Vem a solidão, a tristeza, a depressão, o vazio da artificiosa existência. Longe do personagem, de seu deus particular, o ser vê-se perdido. O que fazer? Orar ao Instagram? Ao caridoso Twitter? Prostrar-se de joelhos diante do WhatsApp? Clamar ao Facebook? Não, o desespero acicata, ferreteia. Despojado do não-eu, o eu aflige-se. As drogas, então, vêm como recurso, como sucedâneo, uma espécie de saída medicamentosa para o vácuo, para o tédio. Mais uma vida esvai-se. O novo deus, a lutuosa tecnologia, infelizmente, tem grande alcance. “A todos, os pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os livres e os escravos, faz que lhes seja dada certa marca sobre a mão direita, ou sobre a fronte, para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tem a marca, o nome da besta, ou o número do seu nome”. (Apocalipse 13:16,17) O suicídio, por certo, será o desfecho.


sexta-feira, 10 de junho de 2022

Minha antiquada normalidade

 

O normal advém do usual, do habitual, torna-se regular e assume a condição de norma. A normalidade vincula-se ao cultural e cultura é algo dinâmico. Logo, pode-se inferir sucessivas normalidades. Toda normalidade é circunstancial; a normalidade é filha de seu tempo. Entretanto, entendo que a cada ser humano seja reservado o direito em optar por determinada normalidade. Existe uma normalidade que é minha, e de mais ninguém. Pode parecer exagero, mas não consigo conviver com a atual normalidade. Este “novo” normal soa-me agressivo, constrange-me, avilta-me. A cada nova normalidade, nova carga valorativa, e tais valores, ou desvalores, ou ainda não valores degradam-me, desonram-me, ... O mais incômodo, entretanto, reside no fato de que estes valores fazem-se acompanhar por discursos que dizem promover respeito ao próximo, justiça, liberdade, igualdade... (Por favor, não me tenham por mais um sequaz e/ou defensor da enorme farsa que atende pelo nome de Revolução Francesa).

Sim, os valores que servem de base ao novo normal, muito embora a retórica afetada, buscam extinguir os laços familiares. Contudo, duvido muito que seus defensores abram mão de quaisquer benefícios - herança - deixados pelos pais. A pós-modernidade, com seu viés contracultural (outro grande embuste, pois, em verdade, o movimento manifesta tão somente o fracasso e o auto descontentamento do jovem em absorver, assimilar padrões culturais - “tudo é vaidade e correr atrás do vento”) repete à exaustão slogans e palavras de ordem que clamam por uma sociedade libertária; exigem liberdade sem nenhuma responsabilidade. Muito embora a falácia do respeito ao próximo, denigrem, zombam, escarnecem de religiões e de religiosos. Clamam por respeito à vida, mas promovem encontros e caminhadas pela legalização do aborto. Bradam, reclamam a atenção das autoridades no tocante à liberação das drogas, mas dizem-se vítimas da sociedade como justificativa para o fato de serem usuários. Manipulados por politiqueiros e suas respectivas ideologias, defendem, sem o menor critério, as ditas minorias, que são apenas massa de manobra para benefício de alguns canalhas.

Dito isso, pergunto-me: Será que tais valores - o novo normal - os realizam? Por que o histórico de depressão? Por que o aumento expressivo nos casos de suicídio dentre a juventude? Por favor, corrigi-me se for o caso, mas o usual, o habitual, isto é, o normal deveria desempenhar função mitigadora no trato com as dificuldades cotidianas. Infelizmente, assim me parece, os defensores (estereótipos de insurgentes) deste novo normal não conseguem perceber (estarei equivocado?) o quão ficou difícil a convivência num mundo tradicionalmente complicado.

quinta-feira, 9 de junho de 2022

A farsa nossa de cada dia

 

Ao se observar as diversas sociedades, identificamos, com facilidade, quatro tipos de seres ditos sapiens: os ingênuos, que se esfalfam na busca pela felicidade; os idiotas, que acreditam tê-la encontrado; os cínicos, que pretendem ensinar aos ingênuos como desfrutar da felicidade; os céticos, que refutam a existência da mesma. Contudo, com alguma acurácia, esta biotipologia restringe-se genuinamente a apenas dois exemplares: ingênuos e incrédulos. A ingenuidade pode tornar-se idiotia; a incredulidade, muitas vezes, traveste-se de cinismo. Ora, o mundo - este que habitamos - se nos revela estranho, indiferente, amoral; causa-nos constrangimentos, desilusões, dor...  Nele experienciamos revolta, amargura, desespero, descaso. Existências indolentes e/ou apáticas não devem ser confundidas com felicidade, pois que esta não adorna o existir humano. E para os que confundem parcas realizações com felicidade ou bem-estar - eudaimonia - relembro as palavras de um sábio: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo!” (João, 16:33)  

Mesmo que despidos de quaisquer pretensões em vencer o mundo, tentemos equacionar seus desmandos. Ora, a tropelia não se origina na ingenuidade/estupidez, mas na incredulidade aliada ao mau-caratismo; isto é, no cinismo. Sim, o cínico, muito embora convicto da inexistente felicidade, busca criar situações/circunstâncias que proporcionem prazeres mundanais, parcas realizações, baldas e superficiais conquistas. Os ingênuos, já que manipulados, doravante taxados de imbecis, sentem-se gratos e devedores do descaramento. Com isso, os cínicos entendem-se “criadores de uma certa felicidade”. Tem lugar a vaidade, o lugar de destaque, a fama, a arrogância, a pretensão, a celebridade, a referência, o modelo, um novo mito a ser cultuado.

Vós me perguntais: como seria esse processo manipulador? Simples. O sapiens nada tem de racional; este foi apenas um título engendrado para satisfazer a egoicidade. Razão é artifício da paixão. E os cínicos sabem disso; eles identificam apenas o prazeroso. O cínico reveste-se de demiurgo, pois cria dentro da “caverna” cenários os mais insólitos. Ao ingênuo cabe investigar uma ciência previamente censurada, torcida, manipulada; de posse de todo esse desconhecimento, conferem-lhe um título de nível superior. Ao palerma fica disponibilizada falsas e falhas informações, notícias previamente selecionadas pelas agências internacionais, o mundo da moda, programas de auditório onde apela-se para o emocional e para o piegas, os reality shows e suas baixarias, a vida das celebridades e fofocas a revelar seus deslizes, as músicas que devem ser ouvidas e consagradas, os heróis a serem cultuados. A história, que deveria ser o curriculum vitae da humanidade, torna-se refém de ideologias e sofre releituras. A classe política disso se aproveita e potencializa o processo de manipulação; em altas vozes reverberam palavras como democracia, liberdade, igualdade, fraternidade...

A pior farsa é a que nos conforta, com a qual nos conformamos e cremos entender que basta.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Anomalia: eu e a poesia

 

Verão, suor, cansaço... e eu insone. Busco alternativas; não quero mais aquela noite... outras talvez. Abandono o leito... seria melhor o conforto de um catre. Perambulo, esbarro, procuro. Nada! Está escuro. Por onde andam riscos, perigos, venturas? Logo me chega o acaso, o destino. Eis a verve fugaz, e então ensaio um poetar qualquer. Quisera ser um bardo, um trovador... alguém arrojado, destemido. Mas minha poesia não vinga; em breve arrefece. Preciso fazer-me herói. Salvar a mim não, mas a poesia. Preciso preservá-la. Aonde conduzi-la? Olho em torno: a sala escura, sobre a mesa um resto de repasto. Poesias, não poetas, necessitam ficar em destaque. Lamento, mas de um modo geral, a arte encontra-se instável; poetas, tanto quanto certo violinista, jazem sobre telhados. Sim, é isso: o telhado!

Subo, galgo alguns obstáculos. Sob meus pés as telhas rangem, trincam, partem. Mas espera; há alguém ali... uma senhora idosa. Aproximo-me. Tem lugar lacônico cumprimento. Sento-me a seu lado e um saudável bem-estar experimento. A matrona enlaça-me o braço. Diz-se perdida, deslocada. E ressalta: a técnica só me fez obnubilar; as muitas informações alijaram-me. A senhora está a sucumbir... (percebo). Explica-me com voz sumida: a mente humana não foi estruturada para assimilar ilimitadas informações. Consequência? Um exacerbado pragmatismo, a inexplicável desconfiança, um nefasto esquecimento. Notícias e/ou conhecimentos em excesso ensombraram-me, limitaram-me, extinguiram-me, a mim, a poesia. E sem poesia o ser humano entristece, adoenta-se, esmorece. Em pouco tempo esboça-se a espontânea agressividade, manifesta-se a intolerância; a humanidade está a desenvolver um processo de não suportar a si mesma. E vem a depressão, a auto piedade, o abatimento... O suicídio como ápice. Infelizmente, não mais temos poesia e poetas prenhes de excentricidades; apenas deformidades, anomalias, monstruosidades.    

sexta-feira, 3 de junho de 2022

Abandono conceitual

 

Tenho a impressão, e isso já faz algum tempo, de que, por vezes, torna-se manifesto o nítido interesse em “adaptar” alguns conceitos. A adaptação, é claro, atende a expectativas pessoais ou de grupo específico. Adaptar conceitos é mera conveniência. Em alguns casos, no entanto, o termo adaptar pode vir a ser considerado um eufemismo, haja vista as situações em que os mesmos são empregados. Mas a quem importa sujeitar o conceito? Geralmente a inescrupulosos, que se valem de nefasta verborragia não só para alcançar triunfos pessoais, mas, também, para estigmatizar seus desafetos.

Exemplifiquemos, pois: Em dias atuais é tão comum (corriqueiro) falar-se em cidadania. Mas o que é cidadania? Ora, cidadania é qualidade de ser cidadão; cidadão que é sujeito de direitos e deveres. Enquanto sujeito de direito, o conceito elenca o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, ou seja, ter direitos civis. Ótimo, estamos cientes; tais direitos são amplamente difundidos pela sociedade midiática. Mas... direitos implicam deveres. E quais são os deveres do cidadão? Escolher os governantes do país, cumprir todas as leis e a Constituição, proteger o patrimônio público e cultural, respeitar os direitos de outras pessoas, fazer contribuições tributárias e previdenciárias devidas, educar e proteger seus semelhantes, contribuir com as autoridades. Pergunta-se: a marginalidade, o crime organizado, o narcotráfico, as milícias, etc. cumprem seus deveres de cidadãos? Pasmai, mesmo sem cumprir qualquer dos enumerados deveres, eles ainda são considerados cidadãos. Parece haver, e de caso pensado, um abandono conceitual, ou melhor, uma adaptação do conceito. E a patente adaptação do conceito de cidadão pode ter tido suas origens nos tratados e pactos (arapucas) que reiteram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Neste ponto recordo-me de Michel Villey, que em sua obra “O Direito e os Direitos Humanos” declara: “Direitos humanos são a excrecência do Direito”. Todavia, folgo em saber que existem defensores - e eu sou um deles - de um Direito Penal do Inimigo.    

Voltemo-nos agora para o emprego de um termo que teve seu conceito adulterado, objetivando criar estigmas a um desafeto político: Fascismo. Mas o que é o fascismo? Historicamente foi um movimento político de origem italiana que tinha por símbolo o fasces. O fasces é um conjunto formado por varas em torno de um machado, transportado por lictores (guarda-costas de magistrados) e representavam o direito destes a aplicar punições. O fascismo em nosso país foi chamado de Ação Integralista Brasileira. Politicamente, fascista é tendência para o autoritarismo ou para o controle ditatorial. O fascismo busca reprimir a oposição por via da força e regular a sociedade e a economia. Pergunta-se: Nosso executivo lança mão destes recursos para governar? Ou será que conservadorismo tornou-se sinônimo de fascismo? De que modo ele - o poder executivo - reprime a oposição? Se não me engano, nosso poder executivo quer leiloar todas as empresas estatais... Dentre o executivo e o legislativo (Supremo Tribunal Federal), quem mais manifesta tendência para autoritarismo ou controle?

Por inferência, posso concluir que a ignorância, somada ao mau-caratismo, dilapida até mesmo nossa riqueza lexical.

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Uma vida: muitas vidas

 

Os amigos, bem poucos na verdade, diriam que eu vivi intensamente. E viver de modo intenso é fazer-se ativo, é mostrar-se enérgico. Talvez a vontade (ou seria necessidade?) em tornar-me adulto, desembaraçado, independente, tenha colaborado com este precoce desbravar. Foi ainda menino,15 anos incompletos, o início da minha vida profissional. O exórdio, costume de então, era seguir os passos do pai. E lá estava eu, na condição de aprendiz, a absorver os conhecimentos da extinta profissão de restituidor fotogramétrico. Aliás, diga-se de passagem, coisa de que muito me orgulhava; meu pai sentia-se ditoso. Com a adolescência, porém, vieram os amores, outros sabores, desamores, contratempos...

Foi-se a puberdade, uma mudança impôs-se. Eu queria mais, queria a aventura, queria o mundo, fazer-me cosmopolita... Anos depois, passada mais de uma década, ingressei na Marinha. E aqui permito-me declarar num arremedo a Máximo Gorki, pois ali tivera lugar a primeira das “Minhas Universidades”. A Marinha Mercante realizou-me as aspirações. Sim, conheci o mundo: oriente, ocidente, o setentrião, o meridional; eu o conquistei. Mas o desvendar do mundo tem seu preço: afastei-me dos que mais amava e dos que amo, fiz-me antissocial, frio, impessoal. A beleza mostrou-se-me em sua singularidade, em sua efemeridade. A flor é bela, mas a formosura revela-se breve. Convenci-me de que nova mudança exibia-se; era imprescindível.

Os livros serviram-me de alento, auxílio e companhia na vida reclusa a que me sujeitara por quase 20 anos. Mas a literatura não foi a primeira das artes com quem mantive contato; eu já desfrutara da pintura e da música antes mesmo da adolescência. No entanto, desenvolvi apreço pela literatura; passei a cultuá-la num misto de adoração e respeito. E quando a vida marinheira já não mais me retinha, lancei-me ao estudo da filosofia. Vestibular, universidade... Não foram poucas as descobertas; não foram poucos os desafios. A busca pelo conhecimento, de fato, seduz, inebria, provoca, repta. Ora, com a colação de grau veio a vontade de transmitir conhecimentos. Então, tornei-me professor: o desafio maior. Nada obstante, junto ao desafio, o prazer de informar. Mais de dez anos em realizações. No entanto, teve lugar o cansaço, o enfado, meu período outonal; aproximava-se célere os setenta. Aposentei-me.

E quando pensava-me já esquecido, já superado, surge o convite; inusitado e inesperado convite: cursar Escola Superior de Guerra. Embarquei quase que imediatamente rumo ao novo desafio, a novos conhecimentos. A geopolítica fascina. Todavia, o conteúdo abrange também relações internacionais, algo de diplomacia, economia, estratégia, segurança, história, arte, cultura geral. Constantemente recordo-me das palavras de Aristóteles: “Todos os homens têm, por natureza, o desejo de conhecer”. Quem não se realizaria com semelhante curso? Cursar Escola Superior de Guerra pareceu ter vindo coroar-me o esforço por assimilar conhecimento. Eu fora premiado, fora privilegiado. De posse do privilégio, um tipo de imunidade que o conhecimento confere, retornei à morada para, enfim, desfrutar de merecido repouso.

Ledo engano! Cidades, por mais que proporcionem facilidades, comodidades e celeridade, também oportunizam desfaçatez, incômodo, exigências em demasia para quem busca quietude, serenidade, sossego. Como consequência teve lugar a fuga para a vida interiorana. Seria uma última fuga? Como sabê-lo? Viver é isso: é busca por realizações. Nessa busca, um novo aprendizado: descubro-me agachado a revirar a terra. Sim, aprendi a plantar e colher o feijão, o milho, a batata... Surpreendi-me no escolher de manivas para o replantio da mandioca; deleito-me em selecionar e cortar ramas de batata para semeá-las...  

Bem, creio que aqui caiba uma referência: Certa prima, médica, testemunha de grande parte das minhas desventuras, há pouco tempo disse-me: “Viveste muitas vidas em uma única vida”. Talvez isso explique meu empenho em escrever tal crônica. Que Deus a abençoe!