Ao se observar as diversas sociedades, identificamos, com facilidade, quatro tipos de seres ditos sapiens: os ingênuos, que se esfalfam na busca pela felicidade; os idiotas, que acreditam tê-la encontrado; os cínicos, que pretendem ensinar aos ingênuos como desfrutar da felicidade; os céticos, que refutam a existência da mesma. Contudo, com alguma acurácia, esta biotipologia restringe-se genuinamente a apenas dois exemplares: ingênuos e incrédulos. A ingenuidade pode tornar-se idiotia; a incredulidade, muitas vezes, traveste-se de cinismo. Ora, o mundo - este que habitamos - se nos revela estranho, indiferente, amoral; causa-nos constrangimentos, desilusões, dor... Nele experienciamos revolta, amargura, desespero, descaso. Existências indolentes e/ou apáticas não devem ser confundidas com felicidade, pois que esta não adorna o existir humano. E para os que confundem parcas realizações com felicidade ou bem-estar - eudaimonia - relembro as palavras de um sábio: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo!” (João, 16:33)
Mesmo que despidos de quaisquer
pretensões em vencer o mundo, tentemos equacionar seus desmandos. Ora, a
tropelia não se origina na ingenuidade/estupidez, mas na incredulidade aliada
ao mau-caratismo; isto é, no cinismo. Sim, o cínico, muito embora convicto da inexistente
felicidade, busca criar situações/circunstâncias que proporcionem prazeres
mundanais, parcas realizações, baldas e superficiais conquistas. Os ingênuos, já
que manipulados, doravante taxados de imbecis, sentem-se gratos e devedores do
descaramento. Com isso, os cínicos entendem-se “criadores de uma certa felicidade”.
Tem lugar a vaidade, o lugar de destaque, a fama, a arrogância, a pretensão, a
celebridade, a referência, o modelo, um novo mito a ser cultuado.
Vós me perguntais: como seria esse
processo manipulador? Simples. O sapiens
nada tem de racional; este foi apenas um título engendrado para satisfazer a
egoicidade. Razão é artifício da paixão. E os cínicos sabem disso; eles identificam
apenas o prazeroso. O cínico reveste-se de demiurgo, pois cria dentro da “caverna”
cenários os mais insólitos. Ao ingênuo cabe investigar uma ciência previamente
censurada, torcida, manipulada; de posse de todo esse desconhecimento,
conferem-lhe um título de nível superior. Ao palerma fica disponibilizada falsas
e falhas informações, notícias previamente selecionadas pelas agências
internacionais, o mundo da moda, programas de auditório onde apela-se para o
emocional e para o piegas, os reality shows e suas baixarias, a vida das
celebridades e fofocas a revelar seus deslizes, as músicas que devem ser
ouvidas e consagradas, os heróis a serem cultuados. A história, que deveria ser
o curriculum vitae da humanidade, torna-se refém de ideologias e sofre
releituras. A classe política disso se aproveita e potencializa o processo de
manipulação; em altas vozes reverberam palavras como democracia, liberdade,
igualdade, fraternidade...
A pior farsa é a que nos conforta, com
a qual nos conformamos e cremos entender que basta.
A tal felicidade reside no simples, é quando comungamos com a natureza e ela nos acena positivamente, é quando acalmamos o suficiente para ouvir tão somente a nossa voz interior e nada mais. É quando encontramos espaço e tempo para curtas, mas profundas reflexões. É quando escrevemos sem nos preocupar com a ética das sociedades, tendo como único paradigma a moral cristã. Praticar a caridade na sua pura essência, sem alarde. Nesse momento sente-se o peito quase explodir e o espírito a eternamente expandir, mas é somente Deus se manifestando em sua consciência.
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