quinta-feira, 9 de junho de 2022

A farsa nossa de cada dia

 

Ao se observar as diversas sociedades, identificamos, com facilidade, quatro tipos de seres ditos sapiens: os ingênuos, que se esfalfam na busca pela felicidade; os idiotas, que acreditam tê-la encontrado; os cínicos, que pretendem ensinar aos ingênuos como desfrutar da felicidade; os céticos, que refutam a existência da mesma. Contudo, com alguma acurácia, esta biotipologia restringe-se genuinamente a apenas dois exemplares: ingênuos e incrédulos. A ingenuidade pode tornar-se idiotia; a incredulidade, muitas vezes, traveste-se de cinismo. Ora, o mundo - este que habitamos - se nos revela estranho, indiferente, amoral; causa-nos constrangimentos, desilusões, dor...  Nele experienciamos revolta, amargura, desespero, descaso. Existências indolentes e/ou apáticas não devem ser confundidas com felicidade, pois que esta não adorna o existir humano. E para os que confundem parcas realizações com felicidade ou bem-estar - eudaimonia - relembro as palavras de um sábio: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo!” (João, 16:33)  

Mesmo que despidos de quaisquer pretensões em vencer o mundo, tentemos equacionar seus desmandos. Ora, a tropelia não se origina na ingenuidade/estupidez, mas na incredulidade aliada ao mau-caratismo; isto é, no cinismo. Sim, o cínico, muito embora convicto da inexistente felicidade, busca criar situações/circunstâncias que proporcionem prazeres mundanais, parcas realizações, baldas e superficiais conquistas. Os ingênuos, já que manipulados, doravante taxados de imbecis, sentem-se gratos e devedores do descaramento. Com isso, os cínicos entendem-se “criadores de uma certa felicidade”. Tem lugar a vaidade, o lugar de destaque, a fama, a arrogância, a pretensão, a celebridade, a referência, o modelo, um novo mito a ser cultuado.

Vós me perguntais: como seria esse processo manipulador? Simples. O sapiens nada tem de racional; este foi apenas um título engendrado para satisfazer a egoicidade. Razão é artifício da paixão. E os cínicos sabem disso; eles identificam apenas o prazeroso. O cínico reveste-se de demiurgo, pois cria dentro da “caverna” cenários os mais insólitos. Ao ingênuo cabe investigar uma ciência previamente censurada, torcida, manipulada; de posse de todo esse desconhecimento, conferem-lhe um título de nível superior. Ao palerma fica disponibilizada falsas e falhas informações, notícias previamente selecionadas pelas agências internacionais, o mundo da moda, programas de auditório onde apela-se para o emocional e para o piegas, os reality shows e suas baixarias, a vida das celebridades e fofocas a revelar seus deslizes, as músicas que devem ser ouvidas e consagradas, os heróis a serem cultuados. A história, que deveria ser o curriculum vitae da humanidade, torna-se refém de ideologias e sofre releituras. A classe política disso se aproveita e potencializa o processo de manipulação; em altas vozes reverberam palavras como democracia, liberdade, igualdade, fraternidade...

A pior farsa é a que nos conforta, com a qual nos conformamos e cremos entender que basta.

Um comentário:

  1. A tal felicidade reside no simples, é quando comungamos com a natureza e ela nos acena positivamente, é quando acalmamos o suficiente para ouvir tão somente a nossa voz interior e nada mais. É quando encontramos espaço e tempo para curtas, mas profundas reflexões. É quando escrevemos sem nos preocupar com a ética das sociedades, tendo como único paradigma a moral cristã. Praticar a caridade na sua pura essência, sem alarde. Nesse momento sente-se o peito quase explodir e o espírito a eternamente expandir, mas é somente Deus se manifestando em sua consciência.

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