sábado, 5 de novembro de 2022

Belas e adormecidas

 

Sem necessidade de um muito pensar, percebo que nossos jovens, nossos filhos e filhas, já nascem amaldiçoados. Visitantes não convidados e/ou ofendidos, se bem que presentes em suas vidas desde os nascimentos, anunciam que elas, as crianças, serão picadas não pelo fuso de um tear, mas por algo bem pior. E, de fato, o são. Afinal, por onde anda a dimensão da puerilidade, da ingenuidade? O que fizeram do universo infantil? Apontai-me, eu vos suplico, um grupo musical infantil, uma música infantil. Se algum desavisado, até mesmo presente em reunião familiar, solicitar uma música infantil, certamente ouvirá Anitta. Por onde anda o grupo Dominó? E o Trem da Alegria? Onde as cantigas de roda?

Nosso filhos dormem, e não em berços esplêndidos. Onde a criatividade infantil? Dar-se-ia, porventura, diante de aparelhos celulares e/ou telas de joguinhos eletrônicos? Há quanto tempo não se vê crianças em quintais? De que modo uma menina por nome Dorothy e seu pet seriam levados para uma terra mágica? Como encontrariam um Mago, um Espantalho sem cérebro, um Homem de Lata sem coração e um Leão covarde? Não, em nome de uma tutela doentia, afastaram nossas crianças do contágio com o chão, com a terra, com o natural. E ainda por cima chamam as antigas mães de superprotetoras!

Há como que uma imposta maturação. Querem tornar responsáveis seres humanos com tenra idade. Incontestavelmente, percebe-se a agressão à infância. A invalidação emocional seria apenas consequência e não causa. O Estado e o psicologismo invadiram lares: conselhos tutelares ditam normas educacionais; psicologistas de plantão sugerem ações e esbanjam aconselhamentos. Onde poderemos encontrar uma Nova Cinderela? Como? O bullying é que fornece amadurecimento necessário ao estapafúrdio viver. Desde quando Chapeuzinho Vermelho, pelo panorama atual, aceitaria dialogar com o lobo faminto sem antes vitimizar-se?  

E o quadro tende a piorar. Sim, a agressão não para por aí. Apontai-me, por favor o que seria um vestuário tipicamente infantil? Onde estaria o lúdico? Onde o estímulo ao imaginário? O imagético é supedâneo do imaginário. Lojas de departamentos, em suas seções infantis, vendem modelos kim Kardashian em miniaturas. Mais uma agressão à infância: o licencioso. Seria o incasto demonstração de maturidade? Não vos perguntarei do porquê dessa fabricada e precoce erotização de nossas filhas, talvez porque eu já saiba a resposta. O impudico melhor atende às demandas da sociedade; o indecoroso reveste-se de astúcia e sagacidade; o velhaco atende aos interesses do capitalismo perverso; o corrompido diz-se guiado pela injustiça social e acaba por realizar os planos de seus pretensos coadjutores.

Reitero, portanto, vossa atenção. Pequenos seres, estejam eles a sorrir, a chorar, a correr, a pedir nos semáforos da vida, serão mais do que crianças: serão belas e, de certo modo, estarão adormecidas.    

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