quarta-feira, 18 de junho de 2025

Uma távola não muito redonda


Conheci certo político, um prepóstero matemático, na verdade um apoucado intelectual, que durante seu virulento discurso declarou ter construído uma mesa onde o quadrado mesclava-se ao círculo, pondo fim ao milenar problema da quadratura do círculo. E apresentou o tal objeto (ou seria abjeto?): uma mesa parte curva, parte retilínea. Ouviu-se um oh, seguido de risos. A tentativa de embair a novel plateia, e não só o poviléu, mostrou-se como facécia. A dita távola, então, assimilou a alcunha de anomalia.

Dizem que Ulisses Guimarães, em 1988, após promulgar a anomalia, digo, a Constituição (desculpai-me o ato falho) foi assassinado. Isto porque ele seria um dos pretendentes a retirar a espada da pedra, um legado do deposto Imperador, a simbolizar uma espécie de retorno aos tempos de exautoração. Muitos foram os sardônicos representantes políticos que estadearam mínimos princípios éticos para sacarem a arma da rocha e aboletarem-se no precioso sólio.

Tancredo Neves tentou e morreu. Paulo Maluf pretendeu, José Serra intentou, Leonel Brizola diligenciou. Houve um primeiro Fernando que diziam caçar marajás (risos). Mas marajás não caçam marajás! Itamar não tentou, mas foi inquinado. Outro Fernando, a obumbrar intenso mau-caratismo surgiu como num fulgir de fogos de artifício. Mas a farsa tem prazo de validade. No perquirir mais agudamente optou-se em ter um órgão como estalão: o TSE.

Meu Deus! Dizia o TSE pôr novas regras à liça e adjudicar o cargo a quem, de fato, a ele fizesse jus. Qual nada! tresandaram, deflectiram. Creio que de modo consentâneo, permitiram que um herético, dado a libações, viesse tentar retirar a espada plantada por alguém de mirífico caráter. Em verdade, o dito representante escolhido pelo TSE teve origem num atascadouro e vende-se a troca de qualquer espórtula. O mesmo que colocar um lobo para zelar por ovelhas.

Resta-nos somente a certeza de que a espada continua enraizada na pedra.   

 

Obs: A linguagem um tanto rebuscada fez-se mister haja vista a seriedade do tema. 

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Vilipêndio

 

Sou levado a crer que o cínico oportunismo de algumas pessoas acabam por torná-las reverenciadas. Não há o que se questionar em termo de aptidões, mas a despreocupação ética deveria conhecer limites. Até a Filosofia mostra-se refém de autores carentes de integridade. E infelizmente estas são referências literárias tidas como exemplares.

Comecemos por Arthur Schopenhauer. Muito embora pregar uma espécie de esvaziamento do mundo, em um de seus ataques de fúria jogou a vizinha, uma senhora, escada abaixo, o que lhe custou uma dívida vitalícia.

Outro grande autor de referência é Goethe. Nas palavras de Strong: “Goethe era a própria encarnação do egoísmo e da falta de coração”. Os biógrafos dele diziam que ele amou (?) cerca de sessenta mulheres. O caso extraconjugal que teve com a esposa de Friederike Brion serviu de inspiração para escrever Os sofrimentos do jovem Werther. O primeiro mandamento de Goethe seria: “Amarás o teu próximo e a sua esposa”. Assim como Goethe, Hegel admirava Napoleão, que invadira seu país.

Falemos agora de Jean-Jacques Rousseau. Segundo Strong, consta em suas Confissões que: “Na infância era um ladrãozinho. Em seus escritos, ele defendia o adultério e o suicídio. Viveu por mais de vinte anos na prática da licenciosidade. A maior parte de seus filhos, senão todos, ilegítimos, ele os mandava para o hospital dos enjeitados tão logo nasciam, deixando-os assim à dependência da caridade de estranhos, embora inflamasse as mães da França com eloquentes apelos para que elas acalentassem seus próprios bebês”. Este o homem - na verdade um apátrida - que veio nos propor O Contrato Social. No entanto, as propostas indecentes não se esgotaram.

Martin Heidegger, tão reverenciado nos estudos universitários, foi membro do partido nazista de 1933 a 1945. Em 1934 fundou o Comitê de Filosofia Jurídica da Academia Nacional Socialista de Direito Alemão. Sua formação foi em seminário protestante, todavia casou-se com uma católica e teve como amante uma judia.

Karl Marx. Uma de suas avós pertencia a rica família em Amsterdam; o primo Lionel Rothschild foi barão e membro do parlamento da cidade de Londres, descendência da qual muito se orgulhava. Segundo alguns historiadores, Marx fora contratado como agente dos Rothschilds para subverter a democracia e contaminar o movimento socialista. Em sua vida adulta, Karl Marx não trabalhava; boa parte do tempo era destinado à boemia e ao desregramento. Sempre se recusou a buscar uma profissão verdadeira. Seus recursos financeiros eram decorrentes de empréstimos feitos por amigos, dentre estes o empresário Friedrich Engels, e membros da família, com os quais não mantinha relações saudáveis. Gastou toda a herança familiar, bem como os bens da esposa. Ainda antes da morte da mãe, negociou o adiantamento da herança com seu tio Phillip. Incompetente para lidar com dinheiro, chegou a ser despejado do abrigo em Chelsea devida a falta de pagamento; teve a esposa e filhos jogados na rua. Talvez isso explique o ódio ao capitalismo. Mas defender trabalhadores? 

Paramos aqui? Não, falemos então de uma figura icônica: Jean-Paul Sartre, outra grande decepção. Filósofo, escritor e crítico, na verdade só se revelou por inteiro no leito de morte. Benny Lévy, seu secretário, anotou uma série de entrevistas com o autor e publicou no livro L’espoir maintenant (A esperança agora). Ali se expôs o verdadeiro Sartre. Sim, o filósofo nunca soube ou sentiu a tão afamada náusea; ele praticamente desmente tudo o que pregara durante toda a vida como existencialista ateu, inclusive criticou Marx e falou na ruína da democracia.

Não, eu não falei demais. Estai certos de que ainda há muito a se descobrir. Filosofastros e filosofemas da atualidade têm como premissas as citadas escolas. Por outro lado, as saudáveis referências como Sócrates, Aristóteles, Santo Agostinho, Tomás de Aquino e Kant foram lançadas ao ostracismo. Talvez agora possais entender o meu rompimento com a Filosofia.   

domingo, 15 de junho de 2025

Oráculo

 

As minhas andanças pelo mundo, haja vista a profissão de marítimo, facultou-me conhecer lugares não só famosos, mas também exóticos, muito embora o exotismo tenha lá suas nuances. E numa agradável manhã o Ore Oil atracou em Pireus, Atenas, um dos maiores portos do Mediterrâneo. A boa notícia era de que eu estava de licença; a má notícia era de que a operação de descarga seria bem rápida, coisa de 24 horas. Eu já tivera a oportunidade de conhecer Atenas; eu já visitara o Partenon, os vários templos e museus da belíssima cidade. Também conhecera a ilha de Mikonos e lá experimentara a famosa Moussaka. Desta feita, portanto, pretendia dirigir-me a Delfos.

Através do agente marítimo em Atenas, soube da existência de excursões para conhecer o povoado turístico, situado a aproximadamente 180 Km da capital. No pacote estava incluso a visita ao Monte Parnaso e ao Templo de Apolo Delfos. Rapidamente arrumei-me e deixei a máquina fotográfica em stand by (na época não havia celular). O carro contratado para a excursão veio ao porto buscar a mim e a mais 5 colegas. E lá fomos nós, tomados de curiosidade e pretenso conhecimento da língua helenista.

De início percorremos a estrada E75 em direção à Lamia, a uns 100 km nos voltamos para Levadia, cruzamos Arachova para, enfim, chegarmos a Delfos. O percurso de 3 horas não conseguiu afetar nossa determinação em conhecer o que fora considerado pelos antigos gregos como “O Centro do Mundo”. Bem, começamos pelo Museu Arqueológico, onde pude fotografar a Auriga de Delfos. Depois fomos à zona arqueológica, ao teatro com capacidade para 5000 espectadores, ao estádio que sediara os jogos Píticos e por fim as ruínas do Templo de Apolo.

Um detalhe sempre reclama minha atenção: em se tratando de templos politeístas, as pessoas demonstram alguma reserva; não sei se por tratar-se de religião pagã ou estar ligada a mitos. Mas eu buscava conhecimento; queria conhecer a história, a cultura de um povo e nada mais. Em suma, vi-me só a bisbilhotar as ruínas. O Templo tinha dimensões próximas a 60 metros de comprimento por 20 metros de largura, e em termos de arquitetura apresentava um desenho peripteral, ou seja, colunas ao redor de toda a estrutura.  Pois bem, e lá estava eu em meio às ruínas do imenso templo construído em estilo dórico.

Subitamente algo despertou-me o interesse: à entrada, próximo a um dos pilares centrais, uma bela mulher: rosto bem desenhado, pele clara, cabelos castanhos, com uma tiara de pedrinhas brancas a lhe adornar a testa, belos olhos e muita firmeza no semblante. Sem sorrir, dirigiu-se a mim e disse em grego: “To ónomá mou eínai Pítia”. Ela dizia chamar-se Pítia, ou seja, uma das famosas pitonisas do Templo de Apolo Delfos. Apresentei-me igualmente com um grego de beira de cais e a encarei. Disse-me ela que, embora não ter sido consultada, precisava fazer-me uma revelação. Com um gesto deixei-a à vontade. E ela falou: - “Conhecerás um outro mundo, um lugar onde não mais haverá princípios ou valores. Os interesses de poucos irão sobrepujar as necessidades de muitos. Clamarás por justiça e serás apedrejado. Pensamentos serão diuturnamente vigiados. Liberdades individuais vilipendiadas. As informações serão manipuladas. Nada de igualdade, nada de fraternidade, apenas hipocrisia e crueldade. A incultura será enaltecida e as artes entrarão em declínio”.

Ao término de tais palavras ela simplesmente desapareceu. Em face da extravagante ocorrência, decidi-me jamais comentar o acontecido. Todavia, o mundo hodierno faz-me, com frequência, recordar Pítia e seu oráculo.    

sábado, 14 de junho de 2025

O retorno

 

Enfim, de volta ao trabalho. Há quantos anos desempregado? Talvez oito, talvez mais. Não vos deixeis enganar: a ociosidade é agressiva e deprimente. Gosto de trabalhar, de produzir, de ser útil... e até isso me fora negado. O trabalho, muito embora muitos não concordem, enobrece. A frase de origem bíblica “ganhar o pão com o suor do rosto” sempre esteve presente, pois não sou afeito a programas sociais que nos roubam a dignidade. Confesso que cheguei a incorporar o estereótipo pautado no etarismo, onde “velho não serve mais para nada”. O desconcertante em tudo isso é que “possíveis empregadores”, ao se depararem com idosos, exigem deles um Curriculum Vitae. Para quê? Por que? Currículos ocultam não só o aviltante, mas também o meritório.

Bem, mas lá estava eu no escritório. Que oportunidade! Adaptar-me-ia às novas exigências? Uma escrivaninha, minha mesa, e sobre ela um laptop; uma máquina para chamar de minha. Lembrei-me do curso de datilografia quase obrigatório; o básico era de 40 a 60 toques por minuto. Estenografia? Nem pensar! Ali fazia-se necessário meu parecer. Papéis, contratos a serem analisados... No canto da mesa uma pasta aberta; no documento anexo, a página repleta de letras em desalinho que, a princípio, não faziam qualquer sentido. Tratar-se-ia de outro idioma? Não, definitivamente. Pus-me a investigar o papel de modo criterioso. Não se tratava de código ou mensagem criptografada; era algo próximo da nossa linguagem. Erros crassos de português: ortografia, regência, concordância, pontuação...

Dúvidas. O que fazer? Seria de minha alçada corrigi-los para que o documento tivesse facilitada a compreensão? Auferi que não saberia lidar com o surreal. Com minha disposição a declinar, abri a gaveta do arquivo metálico: dentro de um envelope pardo, guimbas de algo similar a cigarros artesanais. Olhei em torno: cabelos de cores as mais variadas, orelhas e abas de narizes ataviados, membros e pescoços repletos de tatuagens, pessoas fixadas (ou não) em seus afazeres, pois tinham a atenção voltada às telas de seus aparelhos celulares. Alguém ergueu a cabeça, esboçou um sorriso, abandonou a cadeira, dirigiu-se à citada gaveta, pegou uma das guimbas e acendeu-a. Boquiaberto seria o que melhor me definiria naquele momento. Que lugar era aquele? Não mais me identifiquei com o dito trabalho; eu estava a vivenciar o inefável. Então, pensei nos anos em que fora banido do mercado trabalhista.

Em acréscimo ao esdrúxulo cenário, o chefe que me contratara adentrou o recinto, sorriu e informou: “vamos fechar o escritório, mas todos vocês poderão continuar trabalhando home office”. Aplausos, comemorações, aclamações. Não obstante tratar-se do meu primeiro dia de labuta, baixei a cabeça, peguei meus pertences e abandonei o lugar. Percebi, mesmo a contragosto, que meu tempo esgotara-se; eu não apenas voltava à margem da vida, mas vivia o descaminho, a degradação dos valores. Por ora, pessoas buscam apenas lucros e reconhecimentos individuais através de subterfúgios. Empresários e seus encarregados de RH preferem ignorar que currículos não se ocupam de dedicação, lealdade, honestidade profissional...  

Estou de volta ao vazio existencial! Afinal, “o bom filho a casa torna!”

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Ambígua genealogia


Baseado em fatos reais

Talvez a inconformidade com a situação leve este meu amigo a tornar pública sua genealogia. De antemão posso vos afiançar que não se trata de ambição, promoção ou busca por estilo de vida diferenciado. Conhecendo-o como eu conheço, sabendo-o alguém tão voltado ao conhecimento e ligado à família, sou levado a crer em suas informações, por mais estapafúrdias que estas pareçam. Sem mais delongas, portanto, dou início à narrativa.

E tudo teve início quando Gabriel leu uma publicação dos Diplomados pela Academia Brasileira de Letras. Neste impresso, um breve artigo de sua tia-avó que durante muitos anos fora secretária da ABL. A matéria relatava, e de modo muito sutil, a história de uma menininha que participara de um sarau com o então Imperador Pedro II. Ao final do evento, o Imperador pegou a criança nos braços e tentou iniciar uma conversa. - “Diga a todos o seu nome!” A menina olhou em torno e falou bem baixinho: - “Maria”. O soberano provocou: - “Não tenhas receio”. E a criança respondeu: - “Todos me disseram para chamar o senhor de Majestade, mas como é seu nome?” E ele então, entre sorrisos, afagos e carinhos, falou: - “Chama-me somente Pedro!”

Não obstante a leveza, o texto discorria, inclusive, sobre os pais da menininha: ambos eram cegos. A tia-avó de Gabriel terminava a narrativa com a frase: - “E esta menina era minha mãe!” Eis aí a origem de toda a investigação realizada, pois afinal o amigo acabara de saber um pouco mais sobre sua bisavó. Então teve lugar a busca por documentos, livros, biografias, cartas... A pesquisa revelou que D. Pedro II foi um homem voltado à leitura, ao conhecimento, à música. A política não era de seu agrado; o mesmo não se pode dizer da filha Isabel. Como homem voltado às artes, pessoa de bastante sensibilidade, acabou por se envolver com outras mulheres; poucas, na verdade. Diferentemente do pai, D. Pedro I, ele não colecionava amantes.

Gabriel, em suas diligências, deparou-se com um certo lado “oculto” de sua própria história. O envolvimento de Pedro II com a esposa de um jardineiro do palácio suscitou uma gravidez; gravidez esta que originou dois filhos gêmeos, ambos cegos de nascença. Talvez isso explique o porquê do Imperador ter inaugurado o Instituto Benjamin Constant, para cegos, em 1854. E os filhos do regente lá estudaram e lá conheceram suas esposas, também cegas. Pois bem, um dos deficientes visuais, músico e compositor fora o pai de sua bisavó, neta do Imperador.  

Aqui voltamo-nos à reflexão: seria de tal monta a imaginação e/ou criatividade a ponto de perverter a história? Bem, e como informação adicional, omitindo, por certo, a condição de ilegítimo, o amigo Gabriel está pensando fazer constar em seu Curriculum Vitae o título de pentataraneto de Pedro II.


Loa

 

Penso em contar um causo, contudo corro o risco de iniciar um discurso laudativo; quem sabe uma parlenda? Ainda assim, atrever-me-ei.

 Era São João, ou melhor, estávamos na festa junina. Alegria, música, fogos de artifício. Eis que a meu lado surge um cabelo vermelho... cores de certo crepúsculo. A cabeleira nada esvoaçante faz-me lembrar um leão, mas era uma leoa. Observo o céu: sim balões em demasia, algumas estrelas, o luar e nada de quasares a pulsar. Evoco Afrodite, Eros e sei lá quem mais... A leoa devora-me; ela tem atrevimento no olhar. Imagino o leito, afinal... Penso em pedir para ser por ela arrebatado, quem sabe imolado, mesmo que num forjado élan. Que tal fazer minhas as palavras do poeta e suplicar: “Adapte-me ao seu ‘Ne me quitte pas’”. Deus, que confusão! Confundi a leoa com a camaleoa. E o pior: descobri, muito embora tendo a licença poética como desculpa, que camaleão é substantivo epiceno. 

Quimérica detenção


A senhora a gritar sozinha no apartamento próximo. Os vizinhos, num misto de curiosidade e preocupação, chamaram a polícia. Telefonemas, correria... E rapidamente chega o veículo da Polícia Militar. Os policiais ainda ouviam os gritos da matrona quando aperam do carro. Bateram à porta; ninguém abria. Trancada! O jeito foi arrombar. Armas em punho, adentraram o pequeno apartamento. A senhora com cabelos grisalhos e desgrenhados exibia um semblante apavorado; olhos um tanto arregalados, mãos estendidas como a se proteger. E os membros da corporação a perguntar pelo ocorrido. A mulher apontava para a parede próxima e dizia ali estar o homem que a ameaçava.

O que parecia chefiar o grupo meneou a cabeça, sorriu com desfaçatez e ordenou que todos saíssem. Para ele, aquilo não era da alçada da polícia e sim uma emergência psiquiátrica. Saíram, mas a senhora continuou com seus gritos, afinal a ameaça ainda estava presente. A tão esperada ambulância não se fazia presente. A vizinhança em polvorosa, o telefone celular usado como filmadora. Volta e meia um inluencer para falar bobagens. Surgiram também ativistas dos Direitos Humanos para criticar as instituições.

Eu acabara de despertar. Já passava das 8:30h da manhã; fora dormir tarde por conta do trabalho. Como policial eu era neófito, mas como ser humano... Decidi-me, portanto, fazer alguma coisa para auxiliar a senhora em crise. Galguei com alguma rapidez os degraus e fiz-me apresentar. A senhora, apontando para a parede à frente, dizia estar sendo ameaçada por aquele homem. Quiçá levado pela pouca prática, perguntei: - “A senhora o conhece?” Ela titubeou para responder com constrangimento: - “Sim, foi meu ex noivo; eu o deixei antes do casamento. Morreu faz pouco tempo. Ele nunca me perdoou e agora diz que vai se vingar”.

Ainda que atônito, eu precisava fazer algo, mas o que exatamente? Nada no âmbito policial. Seriam coisas do coração... pensei de mim para comigo. De repente, como que tomado de inspiração, voltei-me à parede e ameacei: - “O senhor não deve fazer isso: incomodando e constrangendo esta mulher! Posso, como policial que sou, enquadrá-lo no artigo 121-A, tentativa de feminicídio”. A mulher mostrou-se mais calma. Minha manobra surtira efeito. Então dei continuidade a meu desempenho artístico-policialesco: - “O senhor vai se negar?” Esperei alguns segundos e exibi as algemas: - “Então o senhor terá que me acompanhar”. Dirigi-me à parede vazia e avisei: - “O senhor tem o direito de permanecer calado e tudo o que disser poderá ser usado contra o senhor no tribunal; o senhor tem direito a um advogado e se não tiver como pagá-lo, o Estado providenciará um para representar-te”. Ao sair, voltei-me para a mulher que esteve todo o tempo calada e sugeri: - “Feche bem a porta!”

Desci as escadas e fui para a delegacia. Ora, agi como se conduzisse um suspeito. O pior de tudo é que ele, o fantasma, certamente seria liberado na audiência de custódia.     


De volta à antiga Grécia

 

O quão de antigo me reporto? Ao século VIII ou VII a.C. Sim, uma Grécia muito antiga. E lá estava o Panteon; e lá estavam os deuses. Se bem que os deuses de então empenhavam-se em exibir as mesmas imperfeições dos seres humanos. Pergunta-se: eram, de fato, deuses? Deuses ardilosos, vingativos, exibidos; deuses que assediavam e seduziam mulheres, que cometiam adultério e incesto. O Panteon era o lugar preferido para que os deuses tecessem tramoias, planos para adulterar e ludibriar os mortais.

Mas aí surge Prometeu, e juntamente com seu irmão levaram aos seres humanos o fogo roubado dos deuses, ou seja, deram aos mortais a chance de pensarem, de falarem, de exporem seus problemas e suas opiniões. O castigo dado a Prometeu foi exemplar, afinal seres humanos não mais permitiriam ser manipulados. As retaliações foram terríveis; todos os tipos de males foram lançados sobre nós. À boca pequena, há quem diga que a guerra do Peloponeso, 431 à 404 a. C., teria sido cortina de fumaça, pois a democracia, uma aspiração do povo, precisava sofrer obstáculos.

Pergunta-se: os dias atuais são diferentes? Não! Enfim, retornamos ou permanecemos na Grécia antiga? Os “Panteões” da atualidade se travestem de Encontros de Cúpula, Fóruns Econômicos, Organizações Mundiais. As mesmas famílias, ainda que ocultas, (os mesmos falsos deuses de outrora), orientam a economia, obstruem informações, estimulam gastos, promovem guerras, financiam epidemias, e não só pelo poder, mas a visar o lucro das indústrias farmacêuticas, alimentícias, armamentista, etc. Curioso: continuamos sendo manipulados e tudo em nome da democracia. Os mais exaltados clamam: “Onde está Prometeu?” Ora, está presente, só que agora exibe a alcunha de Redes Sociais. Por isso querem calá-lo!