Enfim, de volta ao trabalho. Há quantos anos desempregado? Talvez oito, talvez mais. Não vos deixeis enganar: a ociosidade é agressiva e deprimente. Gosto de trabalhar, de produzir, de ser útil... e até isso me fora negado. O trabalho, muito embora muitos não concordem, enobrece. A frase de origem bíblica “ganhar o pão com o suor do rosto” sempre esteve presente, pois não sou afeito a programas sociais que nos roubam a dignidade. Confesso que cheguei a incorporar o estereótipo pautado no etarismo, onde “velho não serve mais para nada”. O desconcertante em tudo isso é que “possíveis empregadores”, ao se depararem com idosos, exigem deles um Curriculum Vitae. Para quê? Por que? Currículos ocultam não só o aviltante, mas também o meritório.
Bem, mas lá estava eu no escritório. Que
oportunidade! Adaptar-me-ia às novas exigências? Uma escrivaninha, minha mesa,
e sobre ela um laptop; uma máquina para chamar de minha. Lembrei-me do curso de
datilografia quase obrigatório; o básico era de 40 a 60 toques por minuto. Estenografia?
Nem pensar! Ali fazia-se necessário meu parecer. Papéis, contratos a serem
analisados... No canto da mesa uma pasta aberta; no documento anexo, a página
repleta de letras em desalinho que, a princípio, não faziam qualquer sentido. Tratar-se-ia
de outro idioma? Não, definitivamente. Pus-me a investigar o papel de modo criterioso.
Não se tratava de código ou mensagem criptografada; era algo próximo da nossa
linguagem. Erros crassos de português: ortografia, regência, concordância, pontuação...
Dúvidas. O que fazer? Seria de minha
alçada corrigi-los para que o documento tivesse facilitada a compreensão? Auferi
que não saberia lidar com o surreal. Com minha disposição a declinar, abri a
gaveta do arquivo metálico: dentro de um envelope pardo, guimbas de algo
similar a cigarros artesanais. Olhei em torno: cabelos de cores as mais
variadas, orelhas e abas de narizes ataviados, membros e pescoços repletos de
tatuagens, pessoas fixadas (ou não) em seus afazeres, pois tinham a atenção
voltada às telas de seus aparelhos celulares. Alguém ergueu a cabeça, esboçou
um sorriso, abandonou a cadeira, dirigiu-se à citada gaveta, pegou uma das guimbas
e acendeu-a. Boquiaberto seria o que melhor me definiria naquele momento. Que
lugar era aquele? Não mais me identifiquei com o dito trabalho; eu estava a
vivenciar o inefável. Então, pensei nos anos em que fora banido do mercado
trabalhista.
Em acréscimo ao esdrúxulo cenário, o
chefe que me contratara adentrou o recinto, sorriu e informou: “vamos fechar o
escritório, mas todos vocês poderão continuar trabalhando home office”. Aplausos, comemorações, aclamações. Não obstante
tratar-se do meu primeiro dia de labuta, baixei a cabeça, peguei meus pertences
e abandonei o lugar. Percebi, mesmo a contragosto, que meu tempo esgotara-se;
eu não apenas voltava à margem da vida, mas vivia o descaminho, a degradação
dos valores. Por ora, pessoas buscam apenas lucros e reconhecimentos
individuais através de subterfúgios. Empresários e seus encarregados de RH preferem
ignorar que currículos não se ocupam de dedicação, lealdade, honestidade
profissional...
Estou de volta ao vazio existencial! Afinal,
“o bom filho a casa torna!”
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