As minhas andanças pelo mundo, haja vista a profissão de marítimo, facultou-me conhecer lugares não só famosos, mas também exóticos, muito embora o exotismo tenha lá suas nuances. E numa agradável manhã o Ore Oil atracou em Pireus, Atenas, um dos maiores portos do Mediterrâneo. A boa notícia era de que eu estava de licença; a má notícia era de que a operação de descarga seria bem rápida, coisa de 24 horas. Eu já tivera a oportunidade de conhecer Atenas; eu já visitara o Partenon, os vários templos e museus da belíssima cidade. Também conhecera a ilha de Mikonos e lá experimentara a famosa Moussaka. Desta feita, portanto, pretendia dirigir-me a Delfos.
Através do agente marítimo em Atenas,
soube da existência de excursões para conhecer o povoado turístico, situado a
aproximadamente 180 Km da capital. No pacote estava incluso a visita ao Monte
Parnaso e ao Templo de Apolo Delfos. Rapidamente arrumei-me e deixei a máquina
fotográfica em stand by (na época não
havia celular). O carro contratado para a excursão veio ao porto buscar a mim e
a mais 5 colegas. E lá fomos nós, tomados de curiosidade e pretenso
conhecimento da língua helenista.
De início percorremos a estrada E75 em
direção à Lamia, a uns 100 km nos voltamos para Levadia, cruzamos Arachova para,
enfim, chegarmos a Delfos. O percurso de 3 horas não conseguiu afetar nossa
determinação em conhecer o que fora considerado pelos antigos gregos como “O
Centro do Mundo”. Bem, começamos pelo Museu Arqueológico, onde pude fotografar
a Auriga de Delfos. Depois fomos à zona arqueológica, ao teatro com capacidade
para 5000 espectadores, ao estádio que sediara os jogos Píticos e por fim as
ruínas do Templo de Apolo.
Um detalhe sempre reclama minha
atenção: em se tratando de templos politeístas, as pessoas demonstram alguma
reserva; não sei se por tratar-se de religião pagã ou estar ligada a mitos. Mas
eu buscava conhecimento; queria conhecer a história, a cultura de um povo e
nada mais. Em suma, vi-me só a bisbilhotar as ruínas. O Templo tinha dimensões próximas
a 60 metros de comprimento por 20 metros de largura, e em termos de arquitetura
apresentava um desenho peripteral, ou seja, colunas ao redor de toda a
estrutura. Pois bem, e lá estava eu em
meio às ruínas do imenso templo construído em estilo dórico.
Subitamente algo despertou-me o
interesse: à entrada, próximo a um dos pilares centrais, uma bela mulher: rosto
bem desenhado, pele clara, cabelos castanhos, com uma tiara de pedrinhas
brancas a lhe adornar a testa, belos olhos e muita firmeza no semblante. Sem
sorrir, dirigiu-se a mim e disse em grego: “To ónomá mou eínai Pítia”. Ela
dizia chamar-se Pítia, ou seja, uma das famosas pitonisas do Templo de Apolo
Delfos. Apresentei-me igualmente com um grego de beira de cais e a encarei.
Disse-me ela que, embora não ter sido consultada, precisava fazer-me uma
revelação. Com um gesto deixei-a à vontade. E ela falou: - “Conhecerás um outro
mundo, um lugar onde não mais haverá princípios ou valores. Os interesses de
poucos irão sobrepujar as necessidades de muitos. Clamarás por justiça e serás
apedrejado. Pensamentos serão diuturnamente vigiados. Liberdades individuais
vilipendiadas. As informações serão manipuladas. Nada de igualdade, nada de
fraternidade, apenas hipocrisia e crueldade. A incultura será enaltecida e as
artes entrarão em declínio”.
Ao término de tais palavras ela simplesmente
desapareceu. Em face da extravagante ocorrência, decidi-me jamais comentar o
acontecido. Todavia, o mundo hodierno faz-me, com frequência, recordar Pítia e
seu oráculo.
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