domingo, 15 de junho de 2025

Oráculo

 

As minhas andanças pelo mundo, haja vista a profissão de marítimo, facultou-me conhecer lugares não só famosos, mas também exóticos, muito embora o exotismo tenha lá suas nuances. E numa agradável manhã o Ore Oil atracou em Pireus, Atenas, um dos maiores portos do Mediterrâneo. A boa notícia era de que eu estava de licença; a má notícia era de que a operação de descarga seria bem rápida, coisa de 24 horas. Eu já tivera a oportunidade de conhecer Atenas; eu já visitara o Partenon, os vários templos e museus da belíssima cidade. Também conhecera a ilha de Mikonos e lá experimentara a famosa Moussaka. Desta feita, portanto, pretendia dirigir-me a Delfos.

Através do agente marítimo em Atenas, soube da existência de excursões para conhecer o povoado turístico, situado a aproximadamente 180 Km da capital. No pacote estava incluso a visita ao Monte Parnaso e ao Templo de Apolo Delfos. Rapidamente arrumei-me e deixei a máquina fotográfica em stand by (na época não havia celular). O carro contratado para a excursão veio ao porto buscar a mim e a mais 5 colegas. E lá fomos nós, tomados de curiosidade e pretenso conhecimento da língua helenista.

De início percorremos a estrada E75 em direção à Lamia, a uns 100 km nos voltamos para Levadia, cruzamos Arachova para, enfim, chegarmos a Delfos. O percurso de 3 horas não conseguiu afetar nossa determinação em conhecer o que fora considerado pelos antigos gregos como “O Centro do Mundo”. Bem, começamos pelo Museu Arqueológico, onde pude fotografar a Auriga de Delfos. Depois fomos à zona arqueológica, ao teatro com capacidade para 5000 espectadores, ao estádio que sediara os jogos Píticos e por fim as ruínas do Templo de Apolo.

Um detalhe sempre reclama minha atenção: em se tratando de templos politeístas, as pessoas demonstram alguma reserva; não sei se por tratar-se de religião pagã ou estar ligada a mitos. Mas eu buscava conhecimento; queria conhecer a história, a cultura de um povo e nada mais. Em suma, vi-me só a bisbilhotar as ruínas. O Templo tinha dimensões próximas a 60 metros de comprimento por 20 metros de largura, e em termos de arquitetura apresentava um desenho peripteral, ou seja, colunas ao redor de toda a estrutura.  Pois bem, e lá estava eu em meio às ruínas do imenso templo construído em estilo dórico.

Subitamente algo despertou-me o interesse: à entrada, próximo a um dos pilares centrais, uma bela mulher: rosto bem desenhado, pele clara, cabelos castanhos, com uma tiara de pedrinhas brancas a lhe adornar a testa, belos olhos e muita firmeza no semblante. Sem sorrir, dirigiu-se a mim e disse em grego: “To ónomá mou eínai Pítia”. Ela dizia chamar-se Pítia, ou seja, uma das famosas pitonisas do Templo de Apolo Delfos. Apresentei-me igualmente com um grego de beira de cais e a encarei. Disse-me ela que, embora não ter sido consultada, precisava fazer-me uma revelação. Com um gesto deixei-a à vontade. E ela falou: - “Conhecerás um outro mundo, um lugar onde não mais haverá princípios ou valores. Os interesses de poucos irão sobrepujar as necessidades de muitos. Clamarás por justiça e serás apedrejado. Pensamentos serão diuturnamente vigiados. Liberdades individuais vilipendiadas. As informações serão manipuladas. Nada de igualdade, nada de fraternidade, apenas hipocrisia e crueldade. A incultura será enaltecida e as artes entrarão em declínio”.

Ao término de tais palavras ela simplesmente desapareceu. Em face da extravagante ocorrência, decidi-me jamais comentar o acontecido. Todavia, o mundo hodierno faz-me, com frequência, recordar Pítia e seu oráculo.    

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