E
eis que uma fumaça branca escapa de certa chaminé da Basílica de São Pedro.
Surge um arauto em roupa branca e proclama: Habemos Papa!
E o papa é brasileiro. Enfim se fez Justiça.
Não só Deus é brasileiro, mas também o Papa é brasileiro. O povo aclama,
pessoas saem às ruas, se abraçam efusivamente. Ferrenhos inimigos políticos se
confraternizam, lares desfeitos se reestruturam - homens e mulheres perdoam os
deslizes dos cônjuges. Edir Macedo beija a estátua de uma santa. Coríntias e
Palmeiras deixam de lado suas divergências; flamenguistas e vascaínos agora se
unem em uma só nação futebolística. O Big Brother Brasil acaba com o paredão;
homófobos e travestis bailam ao som de “I will survive”. A polícia de
pacificação comemora junto aos traficantes; os pontos de venda de drogas fazem
uma promoção, atentando para os imperativos do Marketing.
O país para, a nação experimenta regozijo.
Mesas de negociações são abandonadas, trabalhadores não querem mais aumento,
cai a taxa de IPI, cai o ICMS, cai o IR. Celebridades abraçam e beijam seus
fãs, proporcionando um inaudito prazer ao celebridófilos. Grandes escolas de
samba do Rio e São Paulo se reúnem e projetam um grande encontro para celebrar
o evento: a bateria será a de Padre Miguel (nada melhor do que um padre para
solidificar um encômio ao papa). E têm passistas da Portela, da Mangueira, do
Salgueiro, União da Ilha, Imperatriz, Gaviões, Vai Vai, Nenê de Vila Matilde
etc. O voo será disponibilizado pela TAM em parceria com a Gol; o combustível
por conta da Petrobrás.
E ao som do tarol, do repique, do pandeiro e
tamborim alçam voo nossas aeronaves tupiniquins. A AMBEV disponibiliza a
cerveja; CEASAS de todo o Brasil enviam o feijão, a linguiça, o paio, o
toucinho, orelha, pé, costela, o arroz, a laranja, a couve, a farinha e a pinga.
E lá se vão nossos representantes legais - uma nova casta de sacrodiplomatas
recitando homilias e encíclicas em ritmo de samba.
A aterragem em Roma é tranquila. Mas a
intranquilidade toma conta da guarda do Vaticano: mulatas seminuas transitam de
lá para cá tendo pandeiros como marcação para exibirem suas naturais e
desmedidas sensualidades. Uma grande tenda é armada na Praça de São Pedro. Nela
se prepara a feijoada, mulheres em azáfama cortam carnes, verdura e temperos.
Enormes depósitos de isopor armazenam a cerveja. O batuque é ininterrupto.
Vozerio e gritos se tornam contumazes. Turistas outros fotografam. Por que será
que turista adora este tipo de coisas? O Brasil esbanja sua cultura: da Bahia
seguiu a Timbalada, dos subúrbios do Rio seguiram cantores e dançarinas de
Funk. O movimento Hip Hop também enviou representantes. Mais adiante, depois de
um saboroso e quente acarajé, uma banda de Axé ensaia emocionada: “E vai rolar
a festa, vai rolar; o povo do gueto mandou avisar...”. Pelos arredores
representantes do forró tecno-brega inventam passos decadentes e entediantes.
Acolá - “over there” - (aqui o termo inglês seria melhor empregado, haja vista
a língua vernácula ser desconhecida pela maioria dos brasileiros) o novo ídolo
nacional pensa em homenagear o Sumo Pontífice com seu estrondoso sucesso: “Ai
se eu te pego, assim você me mata...”. Nada pecaminoso, apenas uma risível
blasfêmia, ou melhor, o sincretismo singular idiossincrásico da cultura
brasileira: o herético e o místico. Repórteres de todo o mundo perseguem os
brasileiros que perambulam pelo Estado do Vaticano. Alguém ensaia uma
entrevista com um rapper brasileiro: “What do you think about this choice”? E
nosso entrevistado responde de modo singular: “O Papa é pop, e o pop não poupa
ninguém”!
Há expectativa no ar: próximo ao almoço, o
Papa receberá seus fieis súditos e patrícios. A Rede Globo conseguiu com
exclusividade a tão instada entrevista com o Papa. E quem será o entrevistador?
Pedro Bial? Não, ele é muito BBB para tratar com Sua Santidade. O Bonner? Não!
A Fátima está atendendo seus entrevistados e as crianças não podem ficar sozinhas.
Faustão? Não, ele não deixaria o Papa falar. Jô Soares? Não! Temem pela máxima:
“Não querendo interromper, mas já interrompendo” e o chileno Alex servindo
whisky batizado ao santo Padre naquela caneca cafona. Sim, surge um nome
famoso; é consenso, alguém muito viajado e desenrolado: Galvão Bueno!
E tem início a entrevista: “Bem, amigos da
Rede Globo, estamos em frente a Basílica de São Pedro e tenho a meu lado nada
mais nada menos do que Sua santidade, o Papa Zezinho I, a maior autoridade já
delegada a um brasileiro. E quem diria, essa nação tão sofrida e desacreditada.
Este sim é maior que Pelé, que Tostão, que Guga, que Oscar, que Falcão, e não
aquele mané do Maradona”. “Ele é o cara”! - Uma pausa - “Arnaldo Cesar Coelho,
Casagrande, Júnior, qual a impressão de vocês acerca dessa escolha? Os
arcebispos acertaram ou vocês indicariam outra pessoa”? - Pausa - “Sim, e Vossa
Santidade torce para algum time em particular aqui na Itália”? - Pausa - “Uma
outra questão: já que falamos em escolha, o que o senhor acha da escolha do
Felipão? Será que o Neimar vai se adaptar em jogar ao estilo de Ronaldinho Gaúcho”?
E um sincero rogo: “Por favor, Vossa Santidade, abençoa o Rubinho”!
Nesse ínterim ouve-se uma explosão. Pessoas
se benzem e fazem o sinal da cruz. Correria, pânico, gritaria. Até o som da
bateria emudeceu. Saraiva desce dos céus, fumaça, aquele cheiro acre de
enxofre. O céu se torna avermelhado, depois escure; têm início os sinais. Não,
nada de atentado terrorista. Nem foi o Sílvio Berlusconi com seu séquito de
ninfetas que tenta retomar o poder. Alguém quebrou o primeiro selo. O quinto
cavaleiro cruza os céus montado em seu cavalo malhado. Seu nome? Estupidez! Enfim
é chegado o Apocalipse. Que seja bem-vindo!
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