quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

O Presidenciável



Chico andava de um lado para outro, meneava a cabeça de modo cômico, recolhia as enormes gengivas ao ensaiar um sorriso, emitia alguns gritos curtos e lançava o corpo para trás numa pirueta engraçada. Sim, Chico era um chimpanzé, um chimpanzé-comum, um Pan Troglodytes, primata do gênero Pan, da família Hominidae, da subfamília Homininae. Nosso personagem aguardava impaciente o alfaiate de renome que lhe tiraria as medidas e lhe faria um terno de ocasião. Não, não esperem que o simplório chimpanzé manifeste elegância em um Giorgio Armani, afinal já faz bastante tempo que nosso país carece de um representante que exteriorize alguma elegância, seja ela no falar, no pensar ou no agir. A vestimenta, contudo, fazia-se necessária, pois não é todo dia que temos um pequeno primata lançado como candidato à Presidência da República. 

Aqui os senhores e as senhoras, não necessariamente nesta ordem, leitores em potencial, exclamarão: Um chimpanzé! Sim, a estupefação é compreensível e nada vinculada a qualquer preconceito. Igualmente baseados em uma inconfessada estupefação, mas com a abundância de motivos preconceituosos, diversos partidos envolvidos na corrida presidencial entraram com recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral, TSE, objetivando a impugnação da candidatura de Chico.

Bem, ciente de que a temática envolve uma série de dúvidas, permito-me antecipadamente esclarecer-vos acerca das mesmas. Diz-nos a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 14, §3º, as condições necessárias para a candidatura à Presidência da República. Ei-las: 1- Ser brasileiro nato. Ora, Chico tem sua brasilidade reconhecida em cartório, posto que a família que o adotou, não só exigiu seu Pedigree, mas também sua Certidão de Nascimento expedida pela autoridade notarial. 2- Ter mais de 35 anos completados antes do pleito. Perfeito; Chico tem 35 anos e 4 meses, segundo ainda a mesma Certidão de Nascimento. Chimpanzés vivem em média 40 anos, mas Chico deve transcender tal limite, pois não bebe, não fuma e é adepto do Fitness. 3- Ter o exercício de seus direitos políticos. Ora, segundo o Art. 15 da mesma Constituição Federal, os óbices que impedem o exercício dos direitos políticos são: a) cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado. Fiquemos calmos, pois Chico nunca foi naturalizado; vide Certidão de Nascimento anexa. b) incapacidade civil absoluta. Ora, Chico conduz-se com autonomia, independência e eficiência na vida; ele rege seus bens pessoais. Tente surrupiar, mesmo que a título de galhofa, uma banana de Chico e saberás, in loco, o que é, de fato, reger os próprios bens. c) condenação civil transitada em julgado. Bem, Chico, diferentemente de alguns outros candidatos a cargos públicos, não ostenta qualquer acusação, e, portanto, qualquer condenação. d) recusa a cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa. Chico, de fato, não serviu a pátria, mas por conta do excesso de contingente. Mesmo assim, Chico prestou grande serviço à comunidade quando o pequeno vilarejo onde nasceu e viveu foi invadido por um sem número de serpentes. Ele ficava em cima das árvores e punha-se a fazer enorme escarcéu quando divisava qualquer coisa rastejante; inegavelmente foi de grande utilidade pública. e) improbidade administrativa. Nunca se soube de qualquer deslize de Chico no que tange à coisa pública. Portanto, satisfeitas tais exigências, podemos continuar dando sustentação à candidatura de Chico. 4- Ser eleitor e ter domicílio eleitoral no Brasil. Bem, domicílio eleitoral é algo inegável. Quanto a ser eleitor, faz já uns 14 anos que um dos candidatos de certo partido com orientação esquerdista, na época muito popular, visando a uma das cadeiras na Câmara de Vereadores da cidade, e desconhece-se a que preço, conseguiu conferir a Chico um Título de Eleitor. Nosso personagem, primata zeloso, aprendeu a digitar o número do candidato escolhido e premer o botão de Confirme. 5- Ser filiado a uma agremiação ou partido político. O mesmo candidato que lhe conferiu o Título de Eleitor, tratou de sua filiação ao partido. Mas Chico depois foi cooptado por outros partidos, haja vista sua atuação e boas relações com todos os habitantes da comunidade. Hoje, podemos dizer, que Chico é membro de um partido de centro, tendendo mais para o liberalismo do que para qualquer socialdemocracia ou para um contraditório socialismo-cristão.

Bem, os advogados dos partidos que entraram com recurso no TSE entenderam que seria melhor unificarem a representação, e, para tanto, deixaram como responsável para gerir a causa o causídico do partido de esquerda, o mesmo partido que conferira a Chico o Título de Eleitor e que o aceitara como membro. O advogado, Dr. Incredulano Chinfrim, sujeito branquelo, calvo, parecendo um suricato, aceitara a causa não por considerá-la procedente, mas apenas para ficar conhecido; ele buscava tornar-se celebridade. Ele queria o reconhecimento público, e para alcançar tal desideratum não mediria esforços: ele faria apelações aberrantes, expenderia recursos os mais esdrúxulos, usaria de chicanas protelatórias, etc.

Não obstante, o relator do processo do TSE, acompanhado por unanimidade pelos seus pares, entendeu que a candidatura de Chico seria não só pertinente, bem como estaria amparada pela Constituição Federal. O eminente relator embasou-se nos Direitos Humanos dos Animais. O que???!!! Calma, muita calma nessa hora. Como diria Jack, O Estripador, “vamos por partes”. Segundo alguns de nossos mais preclaros juristas, “os animais não têm natureza jurídica diferente dos humanos”. A Constituição da República, em seu Art. 225, entende que o meio ambiente, e por extensão os animais são considerados bens de uso comum do povo. Já o Art. 32 da Lei 9.605/98 esclarece-nos que o termo “abuso” não deve ser relacionado apenas à violência contra a integridade física dos animais; o vocábulo “abuso” é bem amplo e incorpora pressões psicológicas. Ora, além do Ordenamento Pátrio - advogados, juízes e ministros adoram usar este termo - nosso relator entende que os animais não são propriedades; nosso entendimento deve evoluir no sentido de que os animais tenham acesso aos direitos fundamentais, o que implica autonomia, liberdade, etc. Ora, impedir Chico de candidatar-se seria uma agressão a sua cidadania, uma agressão a sua liberdade, um abuso, o que, portanto, feriria um preceito constitucional.

Incredulano Chinfrim entrou com recurso no mesmo TSE na tentativa de revogar a decisão, mas tal expediente foi negado; os embargos foram igualmente recusados. Enfim, Chico teve sua candidatura homologada depois de julgamento em segunda instância por órgão colegiado. Mas, como meu público leitor conhece a realidade brasileira, apesar do mérito já ter sido julgado, ainda cabe recurso ao STF. Enquanto isso, Chico prepara-se para sua aparição em público, com direito a marqueteiro, carreata e tudo mais. Sim, seu slogan de campanha é: Não pague Mico, vote em Chico! Porque isto aqui não é mais uma republiqueta de bananas. 

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