Chico andava de um lado para
outro, meneava a cabeça de modo cômico, recolhia as enormes gengivas ao ensaiar
um sorriso, emitia alguns gritos curtos e lançava o corpo para trás numa
pirueta engraçada. Sim, Chico era um chimpanzé, um chimpanzé-comum, um Pan
Troglodytes, primata do gênero Pan, da família Hominidae, da subfamília
Homininae. Nosso personagem aguardava impaciente o alfaiate de renome que lhe tiraria
as medidas e lhe faria um terno de ocasião. Não, não esperem que o simplório
chimpanzé manifeste elegância em um Giorgio Armani, afinal já faz bastante tempo
que nosso país carece de um representante que exteriorize alguma elegância,
seja ela no falar, no pensar ou no agir. A vestimenta, contudo, fazia-se
necessária, pois não é todo dia que temos um pequeno primata lançado como candidato
à Presidência da República.
Aqui os senhores e as senhoras,
não necessariamente nesta ordem, leitores em potencial, exclamarão: Um
chimpanzé! Sim, a estupefação é compreensível e nada vinculada a qualquer
preconceito. Igualmente baseados em uma inconfessada estupefação, mas com a
abundância de motivos preconceituosos, diversos partidos envolvidos na corrida
presidencial entraram com recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral, TSE,
objetivando a impugnação da candidatura de Chico.
Bem, ciente de que a temática
envolve uma série de dúvidas, permito-me antecipadamente esclarecer-vos acerca
das mesmas. Diz-nos a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 14, §3º, as
condições necessárias para a candidatura à Presidência da República. Ei-las: 1-
Ser brasileiro nato. Ora, Chico tem sua brasilidade reconhecida em cartório,
posto que a família que o adotou, não só exigiu seu Pedigree, mas também sua
Certidão de Nascimento expedida pela autoridade notarial. 2- Ter mais de 35
anos completados antes do pleito. Perfeito; Chico tem 35 anos e 4 meses,
segundo ainda a mesma Certidão de Nascimento. Chimpanzés vivem em média 40 anos,
mas Chico deve transcender tal limite, pois não bebe, não fuma e é adepto do
Fitness. 3- Ter o exercício de seus direitos políticos. Ora, segundo o Art. 15
da mesma Constituição Federal, os óbices que impedem o exercício dos direitos
políticos são: a) cancelamento da naturalização por sentença transitada em
julgado. Fiquemos calmos, pois Chico nunca foi naturalizado; vide Certidão de
Nascimento anexa. b) incapacidade civil absoluta. Ora, Chico conduz-se com
autonomia, independência e eficiência na vida; ele rege seus bens pessoais.
Tente surrupiar, mesmo que a título de galhofa, uma banana de Chico e saberás,
in loco, o que é, de fato, reger os próprios bens. c) condenação civil
transitada em julgado. Bem, Chico, diferentemente de alguns outros candidatos a
cargos públicos, não ostenta qualquer acusação, e, portanto, qualquer
condenação. d) recusa a cumprir obrigação a todos imposta ou prestação
alternativa. Chico, de fato, não serviu a pátria, mas por conta do excesso de
contingente. Mesmo assim, Chico prestou grande serviço à comunidade quando o
pequeno vilarejo onde nasceu e viveu foi invadido por um sem número de
serpentes. Ele ficava em cima das árvores e punha-se a fazer enorme escarcéu
quando divisava qualquer coisa rastejante; inegavelmente foi de grande
utilidade pública. e) improbidade administrativa. Nunca se soube de qualquer
deslize de Chico no que tange à coisa pública. Portanto, satisfeitas tais
exigências, podemos continuar dando sustentação à candidatura de Chico. 4- Ser
eleitor e ter domicílio eleitoral no Brasil. Bem, domicílio eleitoral é algo
inegável. Quanto a ser eleitor, faz já uns 14 anos que um dos candidatos de
certo partido com orientação esquerdista, na época muito popular, visando a uma
das cadeiras na Câmara de Vereadores da cidade, e desconhece-se a que preço,
conseguiu conferir a Chico um Título de Eleitor. Nosso personagem, primata
zeloso, aprendeu a digitar o número do candidato escolhido e premer o botão de
Confirme. 5- Ser filiado a uma agremiação ou partido político. O mesmo
candidato que lhe conferiu o Título de Eleitor, tratou de sua filiação ao
partido. Mas Chico depois foi cooptado por outros partidos, haja vista sua
atuação e boas relações com todos os habitantes da comunidade. Hoje, podemos
dizer, que Chico é membro de um partido de centro, tendendo mais para o
liberalismo do que para qualquer socialdemocracia ou para um contraditório
socialismo-cristão.
Bem, os advogados dos partidos que entraram com recurso no TSE entenderam que seria melhor unificarem a representação, e, para tanto, deixaram como responsável para gerir a causa o causídico do partido de esquerda, o mesmo partido que conferira a Chico o Título de Eleitor e que o aceitara como membro. O advogado, Dr. Incredulano Chinfrim, sujeito branquelo, calvo, parecendo um suricato, aceitara a causa não por considerá-la procedente, mas apenas para ficar conhecido; ele buscava tornar-se celebridade. Ele queria o reconhecimento público, e para alcançar tal desideratum não mediria esforços: ele faria apelações aberrantes, expenderia recursos os mais esdrúxulos, usaria de chicanas protelatórias, etc.
Não obstante, o relator do
processo do TSE, acompanhado por unanimidade pelos seus pares, entendeu que a
candidatura de Chico seria não só pertinente, bem como estaria amparada pela
Constituição Federal. O eminente relator embasou-se nos Direitos Humanos dos
Animais. O que???!!! Calma, muita calma nessa hora. Como diria Jack, O
Estripador, “vamos por partes”. Segundo alguns de nossos mais preclaros
juristas, “os animais não têm natureza jurídica diferente dos humanos”. A
Constituição da República, em seu Art. 225, entende que o meio ambiente, e por
extensão os animais são considerados bens de uso comum do povo. Já o Art. 32 da
Lei 9.605/98 esclarece-nos que o termo “abuso” não deve ser relacionado apenas
à violência contra a integridade física dos animais; o vocábulo “abuso” é bem
amplo e incorpora pressões psicológicas. Ora, além do Ordenamento Pátrio -
advogados, juízes e ministros adoram usar este termo - nosso relator entende
que os animais não são propriedades; nosso entendimento deve evoluir no sentido
de que os animais tenham acesso aos direitos fundamentais, o que implica
autonomia, liberdade, etc. Ora, impedir Chico de candidatar-se seria uma
agressão a sua cidadania, uma agressão a sua liberdade, um abuso, o que,
portanto, feriria um preceito constitucional.
Incredulano Chinfrim entrou com
recurso no mesmo TSE na tentativa de revogar a decisão, mas tal expediente foi
negado; os embargos foram igualmente recusados. Enfim, Chico teve sua
candidatura homologada depois de julgamento em segunda instância por órgão
colegiado. Mas, como meu público leitor conhece a realidade brasileira, apesar
do mérito já ter sido julgado, ainda cabe recurso ao STF. Enquanto isso, Chico
prepara-se para sua aparição em público, com direito a marqueteiro, carreata e
tudo mais. Sim, seu slogan de campanha é: Não pague Mico, vote em Chico! Porque
isto aqui não é mais uma republiqueta de bananas.
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