Seu nome: Canela. Não por causa da
árvore com casca aromática, mas por causa do exotismo de sua cor. Um
quadrúpede, mas não animália; um equus ferus, ungulado, baio, quarto de milha.
Fora adquirido ainda potro, ainda junto da mãe égua que só fazia lhe dispensar
cuidados, amor. Amor equestre, evidentemente. E veio o desmame, o abandono da
infância, a juventude com seus arroubos, a briga com outros machos. E surgiu a
primeira fêmea, a primeira paixão, um primeiro coito arrojado. Algum pouco trabalho,
a montaria. A primeira cela, a carga incômoda...
Canela era assim: um jovem encantador.
Aceitava a montaria com altivez; primava por bem servir aos possíveis
cavaleiros e o fazia de bom grado. Enfim, excelente companheiro nas breves viagens
pelos longínquos prados. Certa feita, no entanto, ao conduzir jovem donzela,
percebeu o estro de fêmea que demandava sexo. Sim, a natureza clamava por ele.
Relinchou, empinou e ... a moça foi ao chão. Nada grave, apenas leves
escoriações. Canela satisfez-se, satisfez também a parceira. Então começaram os
conselhos, as sugestões, as condições, as quase exigências. Sim, Canela deveria
ser castrado. Quanta crueldade! Que involução: de garanhão a capão!
Canela tornou-se esquivo, taciturno,
talvez depressivo. Parecia querer a solidão, pois embrenhava-se mato a dentro.
Passavam-se dias sem dele ter-se notícias. Nas temporadas chuvosas, os
carrapatos tornavam sua vida bem mais difícil. Remédios, unguentos, vacinas...
Mas Canela fazia-se ausente. Ouso dizê-lo ensimesmado; sua introversão lhe
bastava; dela se alimentava. Por vezes, ao longe, um breve relincho e nada
mais.
O derradeiro desaparecimento
preocupou. Por andaria Canela? Teria fugido com sua dor? Teria abandonado tão
ricos prados? A várzea é perigosa; cobras por lá transitam. Sim, e foi lá onde o
encontramos: a vida o abandonara ... ou teria sido ele a abandonar a vida? Não
sei, ainda não me recobrei do desfecho. No poema da canção “Espelho”, o autor
João Nogueira confessa: “Troquei de mal com Deus por me levar meu pai”. Não,
não trocarei de mal com Deus, mas irei instar para que Ele o guarde em seus
prados. Não permita que cavaleiro algum o maltrate. Que Canela conduza o anjo
que, enfim, há de nos redimir de todo o mal.
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