Há muito venho me perguntando o porquê da tamanha aceitação do realismo na arte. Estai certos, no entanto, de que em nada me incomoda o fato de lidar com temas do cotidiano, nem mesmo pelas críticas feitas à sociedade. O problema é que os autores e artistas incorporaram a rispidez, a indelicadeza, a grosseria. Em nome do movimento realista, a arte como um todo mostra-se rude; há como um esbanjamento da agressividade. As poesias são agressivas, a música agride, as danças agridem, o teatro é insultuoso, o cinema é violento, aviltante. Por que?
Bem, alguém, cujo nome por ora não me
recordo, aconselhara-nos, de tempos em tempos, a retornar aos clássicos. E por
favor, isso está longe de qualquer preconceito literário. Eu, partidário dos
bons conselhos, releio saudoso o Capítulo 2, do Livro Terceiro, das Confissões
de Santo Agostinho. O filósofo, já no século IV de nossa era, também mostrava
inquietação com os rumos da arte, mais especificamente o teatro. Percebera o
também religioso que o ser humano gosta de contemplar o trágico e a tristeza,
muito embora não queira experimentá-la. Deleitar-se-ia o ser humano com a dor
alheia? Por que manifestar comoção quando não há envolvimento ou afeto diante
de uma cena fictícia? Os espetáculos buscam apenas inspirar a dó nos
espectadores. E, coisa curiosa – isso é bem atual – quanto mais o autor apela
para a piedade, a comiseração do público, mais ele é admirado.
Então, em virtude do exposto, sou
levado a vos questionar: Afinal, qual a finalidade, o objetivo da arte? A arte
nos foi dada para mitigar os sofrimentos; a arte deve servir-nos de alento, dar
ânimo, incitar a coragem. Todavia, há
aqueles que veem a arte como passatempo e/ou diversão. Neste caso, parece-me que o ser humano entretém-se
ou diverte-se com o sofrimento alheio. É isso? Não! Este recurso esconde algo
bem pior: o ser humano aprecia este tipo de espetáculo porque pode mostrar-se
misericordioso, piedoso, só que de modo descompromissado. A dor alheia,
portanto, aquela encenada, descrita, representada, cantada, dançada, etc.,
teria como escopo, provocar um simulacro de piedade. A compaixão, de fato, mitleiden, o sofrer com o outro, a
verdadeira piedade foi deixada de lado. Isto porque o misericordioso não deseja
o mal; com o mal ele não se diverte ou compraz. A dor leva à compaixão; não
estimula o amor.
Nada obstante, a dar sequência ao
pensamento agostiniano, interrogo-me: Somente a arte daria oportunidade a esta
nefanda simulação de sentimentos? É lógico que não. Ruminando imprecações
contra a ingenuidade de Rousseau, que pregava um ser humano bom por natureza,
percebo que, infelizmente, toda e qualquer ocasião que enseje a hipocrisia será
bemvinda, haja vista os discursos ideológicos-políticos inflamados, que dizem
contemplar os pobres, os injustiçados, os segregados, os sofredores, etc.
Atentai para os sermões arrojados dos que militam por direitos humanos, pelos exaltados
defensores do meio ambiente e pelos que entusiasticamente dizem preocuparem-se
com as minorias. Em toda prática retórica perceber-se-á a oportunidade com que grande
número de oradores e espectadores simulam virtudes.
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