domingo, 9 de agosto de 2020

Sicut illa simulatione

Há muito venho me perguntando o porquê da tamanha aceitação do realismo na arte. Estai certos, no entanto, de que em nada me incomoda o fato de lidar com temas do cotidiano, nem mesmo pelas críticas feitas à sociedade. O problema é que os autores e artistas incorporaram a rispidez, a indelicadeza, a grosseria. Em nome do movimento realista, a arte como um todo mostra-se rude; há como um esbanjamento da agressividade. As poesias são agressivas, a música agride, as danças agridem, o teatro é insultuoso, o cinema é violento, aviltante. Por que? 

Bem, alguém, cujo nome por ora não me recordo, aconselhara-nos, de tempos em tempos, a retornar aos clássicos. E por favor, isso está longe de qualquer preconceito literário. Eu, partidário dos bons conselhos, releio saudoso o Capítulo 2, do Livro Terceiro, das Confissões de Santo Agostinho. O filósofo, já no século IV de nossa era, também mostrava inquietação com os rumos da arte, mais especificamente o teatro. Percebera o também religioso que o ser humano gosta de contemplar o trágico e a tristeza, muito embora não queira experimentá-la. Deleitar-se-ia o ser humano com a dor alheia? Por que manifestar comoção quando não há envolvimento ou afeto diante de uma cena fictícia? Os espetáculos buscam apenas inspirar a dó nos espectadores. E, coisa curiosa – isso é bem atual – quanto mais o autor apela para a piedade, a comiseração do público, mais ele é admirado.

Então, em virtude do exposto, sou levado a vos questionar: Afinal, qual a finalidade, o objetivo da arte? A arte nos foi dada para mitigar os sofrimentos; a arte deve servir-nos de alento, dar ânimo, incitar a coragem.  Todavia, há aqueles que veem a arte como passatempo e/ou diversão.  Neste caso, parece-me que o ser humano entretém-se ou diverte-se com o sofrimento alheio. É isso? Não! Este recurso esconde algo bem pior: o ser humano aprecia este tipo de espetáculo porque pode mostrar-se misericordioso, piedoso, só que de modo descompromissado. A dor alheia, portanto, aquela encenada, descrita, representada, cantada, dançada, etc., teria como escopo, provocar um simulacro de piedade. A compaixão, de fato, mitleiden, o sofrer com o outro, a verdadeira piedade foi deixada de lado. Isto porque o misericordioso não deseja o mal; com o mal ele não se diverte ou compraz. A dor leva à compaixão; não estimula o amor.

Nada obstante, a dar sequência ao pensamento agostiniano, interrogo-me: Somente a arte daria oportunidade a esta nefanda simulação de sentimentos? É lógico que não. Ruminando imprecações contra a ingenuidade de Rousseau, que pregava um ser humano bom por natureza, percebo que, infelizmente, toda e qualquer ocasião que enseje a hipocrisia será bemvinda, haja vista os discursos ideológicos-políticos inflamados, que dizem contemplar os pobres, os injustiçados, os segregados, os sofredores, etc. Atentai para os sermões arrojados dos que militam por direitos humanos, pelos exaltados defensores do meio ambiente e pelos que entusiasticamente dizem preocuparem-se com as minorias. Em toda prática retórica perceber-se-á a oportunidade com que grande número de oradores e espectadores simulam virtudes.  

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