Dizem-me um alienígena. Isso talvez porque eu o seja, de fato. Vim de galáxia distante, atraído por sons maravilhosos (aqui chamam de música): eram frases melódicas admiráveis que nos conduzia à reflexão, à paz interior. Mas, em virtude da distância e o tempo que nos separa - anos luz, segundo os terráqueos - quando aqui cheguei, fiquei sabendo que estes sons já não mais são construídos; agora fazem algo rústico, barulhento, agressivo. Na falta de melhor adjetivo, eu diria ... contundente. Sim, nós - minha querida raça - do distante planeta Cepta, admirávamos os terráqueos por sua arte. Todavia, isto agora pertence ao passado...
Muitas outras são as características
desta raça; creio poder chamá-la estranha. Sim, são extremamente agressivos: em
nome da autopreservação, destroem os semelhantes. E o que dizer dos
dessemelhantes? Eu sou testemunha. Tenho a cor acobreada, a pele crestada pelo
nosso Saul (os humanos têm o seu Sol) pelos escuros avermelhados, estatura
mediana e tenho forte compleição, como os demais de minha raça. Sou agredido
não só verbalmente. Para terdes uma ideia, obrigam-me a beber café requentado. Além
da bebida alcoólica, o café é muito muito popular; creio que por ser uma rubiácea,
tenha poderes medicinais. Os humanos chamam-me pelos piores nomes. Sim, as várias
linguagens dos terráqueos permitem o uso de um recurso que eles chamam de
retórica: é uma frase esteticamente bem construída, mas que se bem analisada
quer dizer absolutamente nada, e tem por objetivo defender os interesses de uns
em detrimento de outros.
Coisa curiosa o terráqueo: reconhecem
a finitude, mas temem a morte; evitam até mesmo falar sobre o tema. Como nada
de material levarão para o túmulo (lugar em que se deposita o corpo sem vida da
raça humana), durante a breve vida, ou esbanjam dinheiro à rodo com todo tipo
de futilidades ou juntam bens para que a família desfrute após a morte. Os
humanos não lidam bem com a morte, mas curiosamente vivem em guerra; pregam a
paz, mas divertem-se com competições de extrema violência. Dizem prezar o
próximo, falam em fraternidade, mas colocam os interesses individuais acima até
mesmo do Estado. Os seres deste orbe empenham-se em tornar a própria vida
impossível de ser vivida; para compensar, então, recorrem às drogas. Os humanos
experimentaram grande avanço científico, mas usam estes conhecimentos para o
que chamam de tecnologia, o que os torna acomodados, indolentes e obesos. Não
obstante o avanço da ciência, é patente o recrudescimento moral. Dizem
defenderem a natureza e as demais espécies, mas usam a carne animal como
alimento.
Outra particularidade dos humanos:
eles desenvolveram um “negócio” (desculpai o mau jeito, mas nada existe similar
em nosso idioma, em nossa realidade) chamado política. Eles passam os dias
bradando por uma tal de democracia, que dissemina a ideia de que o poder emana
do povo (eis o uso da retórica), mas, na verdade, alguns assumem o mais alto cargo,
ou através do voto, ou do golpe, ou até mesmo de uma revolução e governam de
modo a tornarem-se ricos e lá perpetuarem-se. Os humanos, os governados, adoram
ser enganados pelos discursos retóricos, talvez porque a maioria deles seja
analfabeto (quando os humanos não sabem ler ou escrever o próprio idioma).
Falam também em analfabetos funcionais: aqueles que, apesar de terem
frequentado as instituições de ensino, nada assimilaram e são usados como
manada (ganampu em nosso idioma) pelos que pretendem eternizarem-se no poder.
E o mais importante antes de eu
terminar este meu breve relatório: os poderosos pretendem criar um governo
central, único, uma única lei, uma única cultura, uma única religião, um único
idioma, única moeda, apesar da multiplicidade de culturas, crenças e valores.
Para isso eles se valem do ganampu, dos políticos corruptos, de ideologias
abstrusas e dos órgãos de imprensa (os que espalham as notícias) que traficam
com a verdade. Estai certos de que “o bicho vai pegar” (expressão usada pelos
terráqueos para declararem que tudo vai dar errado e, consequentemente, trará
lamentáveis consequências).
Eis o porquê deste relatório; estou
voltando para Cepta. Clamo a Diev (Deus), único em todo o universo, que inspire
nossos cientistas no sentido de abrirem logo o pórtico - a dobra do tempo -
para que eu retorne a meu planeta, à minha galáxia natal. A propósito, um
detalhe antes de terminar; aliás, o único que torna os humanos próximos de nós:
eles têm polegares opositores.
Belo texto
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