Há muito eu alimentava a ideia de conhecer
São Francisco, Califórnia; queria dar-me ao ócio por suas colinas, deixar-me
envolver por sua névoa. Sim, claro, havia o risco potencializado pela ciência
acerca da Falha de San Andreas. Não obstante as diversas dificuldades, a oportunidade
fez-se presente. Era o ano de 1998, e lá estava eu a cruzar a Golden Gate, a
andar de bondinho, a ficar hospedado em simpático hotel de arquitetura vitoriana.
Finalmente posso entoar, num tributo a Frank Sinatra, versos como: “I left my
heart in San Francisco”.
Mas o estado da Califórnia tem outros
atrativos: eu falo de Los Angeles, a fascinante “Cidade do Anjos” e sua
indústria cinematográfica. O lugar parece respirar a sétima arte; lá podemos
conhecer os bastidores da Paramount, da Universal, da Warner. Em Hollywood
Boulevard pude observar as impressões de mãos e pés de alguns famosos na
calçada da fama. Ao longe avistei o letreiro de Hollywood; visitei o Pier de
Santa Mônica, o fim da rota 66. Bem, e como todo bom turista que se preza,
permiti-me apreciar um pouco da agitadíssima vida noturna de Los Angeles.
Influenciado por outros hóspedes e
pelo concierge, fui a um desses nightclubs em Beverly Hills. O lugar era
bastante frequentado. Para fugir da agitação, busquei um canto discreto onde
permiti-me observar os demais circunstantes. Dentre os presentes reconheci
Stanley Kubrick, um Kubrick entrado em anos, calvo, a barba branca, óculos com
aro de metal. Ensejo qualquer permitiu que estabelecêssemos diálogo; conversamos.
De início a diferença idiomática causou-nos alguns embaraços; depois, talvez amparados
pelo bourbon, entramos em ressonância. Nossa conversa não podia afastar-se do
cinema; em presença de Kubrick, eu não saberia pensar em outra coisa. Não
poupei elogios à “A laranja mecânica”: a pretensão da ciência em corrigir as
falhas do caráter humano. Ele agradeceu. Contudo, quando falei sobre “2001: A
Space Odyssey”, percebi-lhe certo embaraço; o termo correto seria desconforto.
Segundos se interpuseram em nossa amigável conversa. Ele quebrou o breve
silêncio com um convite: instou-me para conhecer, de imediato, determinado
local nos estúdios da Metro-Goldwyn-Mayer. Disse-me que eu entenderia, pois
tudo aquilo fora um erro e já trabalhava um novo roteiro, para que de algum
modo pudesse redimir-se com o público que o aclamara. Confesso-vos que eu nada
entendia, porém, tomado de curiosidade, acedi ao estranho convite.
Noite alta. Embarcamos no taxi que
conduziu-nos ao estúdio indicado por ele. Vencidas as dificuldades inerentes à
entrada de estranhos em alguns lugares, principalmente em se tratando de estrangeiros,
e tudo graças a interferência de Kubrick, penetramos em certo galpão trancado a
cadeado. O cineasta afastou-se, deixando-me em total escuridão. De repente,
luzes esparsas foram sendo acesas sequencialmente. Ele retornou, pegou-me pelo
braço e adentramos determinado movie set. Fiquei estupefato: eu estava na Lua,
ou melhor, adentrara o ambiente que caracterizava a chegada do homem à Lua.
Fixei meu olhar em Kubrick; ele evitou-me. De cabeça baixa, disse que de algum
modo participara daquela farsa... Por isso necessitava remissão. Convidou-me a
caminhar pelo cenário. Lá estava a réplica do módulo lunar Eagle da Apolo 11,
as pegadas deixadas por Armstrong, a bandeira norte-americana, a medalha a
homenagear Yuri Gagarin. Um pouco mais relaxado, explicou-me que a caminhada -
os pulos - do astronauta fora fruto de efeitos especiais para simular a
diferente gravidade. Que lástima: ali não era, de fato, o Mar da Tranquilidade!
Abandonamos o set de filmagens. Lá
fora o taxi ainda esperava por nós. No percurso, eu conclui que “o pequeno
passo para o homem, o salto gigante para a humanidade” não passava de
revoltante farsa. Neil Armstrong fora um herói de mentira. Meu mais recente e
confidente amigo, no momento em que o auto parou de fronte ao hotel que me
hospedava, olhou-me nos olhos, tentou brando sorriso, pegou-me pelas mãos e
disse: – “Não deixes de assistir muito em breve a meu próximo filme; é claro
que nada poderá ser tratado de modo evidente, pois temo por minha vida, mas tu
entenderás minha mensagem”. Eu desci e dirigi-me ao lobby, enquanto o carro
afastava-se sem pressa.
Quando no quarto, joguei-me na cama;
eu não conseguia pensar em outra coisa: a grande farsa chamada de “conquista do
espaço”. Veio-me à memória um tio meu já há muito falecido; dizia ele não
acreditar em nada daquilo. Pasmo, verifiquei que meu tio, muito embora a crença
de que São Jorge habitava nosso satélite, sempre estivera certo em seu
ceticismo. Pergunto-me: O que é pior: deixar-se levar pelas crendices populares
ou pela trama dos poderosos mal intencionados que manipulam a ciência e
cientistas inescrupulosos? Pensei nos poetas e compositores que tinham na Lua
fonte de inspiração. Tudo agora me sugeria uma grande farsa; a corrida espacial
foi uma farsa. A guerra fria, teria existido de fato? Imerso em revolta e
desconfiança, adormeci. Foi um sono agitado, confuso. Acordei com a célebre
frase: “The Eagle has landed”. Tudo mentira! A águia não pousou; sequer houve
algum pássaro.
Dias depois, deixei Los Angeles em voo
para o Rio de Janeiro, com escala em Lima, no Peru. Durante muito tempo os
detalhes e imagens dos objetos no movie set não me abandonaram; comecei a
sentir certa repulsa pela Cidade dos Anjos. Em 1999, assisti no Brasil ao
lançamento do último trabalho de Stanley Kubrick: “De olhos bem fechados”.
Apesar dos quase 25 minutos de corte, e por isso, talvez, a obra tenha-se
mostrado algo confusa, o diretor conseguiu o prometido intento, pois o filme
nada tem a ver com fantasias sexuais. Assim o entendi, e acredito que quem não
deveria entendê-lo também o fez, pois Kubrick morreu mesmo antes da estreia. O
cineasta conseguiu redimir-se. Todavia, de lá para cá, uma certeza passou a
habitar-me: a realidade – até porque toda realidade é fruto de manipulação,
haja vista a Caverna de Platão e Matrix – para fazer sentido, necessita da
fantasia.
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