sexta-feira, 23 de abril de 2021

O Novo Partido

 

Opto por iniciar o presente documento valendo-me de recurso jornalístico, muito embora eu não o seja. Na qualidade de informador, todavia, não me limitarei a noticiar; desejo criar impacto, polêmica, fazer alarde. E se me perguntardes pelas fontes e se as mesmas são fidedignas, eu vos direi: observação, bom senso, prudência e raciocínio. Quereis fontes mais seguras do que essas?  Dito isso, podemos começar com o famoso Breaking News!  

Eu soube, à boca pequena, que novo partido político está para ser lançado. Melhor, o partido será, em breve, oficializado. Afinal, não é bom para a democracia - somos ou não somos uma democracia séria? (risos) - que partidos políticos mantenham-se na clandestinidade. Em verdade vos digo que o tal partido, mesmo que informalmente, tem prestado excelentes serviços ao legislativo, principalmente àqueles de orientação esquerdista. Não, não! Que digo eu? Tal declaração revela-se como injusta e preconceituosa. Por um momento esqueci-me do já famoso Centrão. Honra seja feita: The Black Shadows prestam serviços a todo e qualquer partido cujo objetivo seja desacreditar e criar embaraços ao governo federal.

Legisladores de certos partidos (na verdade contumazes politiqueiros), quando se veem presas de algum embaraço ou pressentem possíveis dificuldades para perverterem a ordem pública e com isso cometerem alguns desatinos, recebem o aporte incondicional desta eminência parda, pois que além de discretos conselheiros, manifestam grande poder de decisão. Imaginai que, apesar de toda informalidade, eles detêm poder até para declarar a inconstitucionalidade da Constituição. Sim, seus poderes transcendem paredes, muros, fronteiras. A despeito das atitudes ditatoriais, seus ditos falaciosos invocam sordidamente a democracia. Não vos deixeis enganar, pois que invadem esferas de competência, desempenham papeis de investigadores e até brincam de policiais. Nada obstante, vilipendiam a ciência que dizem representar.

Internamente, ou seja, entre os integrantes da facção, pode até, por vezes, surgir alguma discórdia, mas não vos iludais, eles são por demais corporativistas. Diante do exposto, malgrado meus fundamentados receios com a vida pública, pensei até em arriscar-me na política e filiar-me ao referido partido... Ledo engano! Este agrupamento informal é muito reduzido: no máximo 11 (onze) integrantes, e mais uma vez advirto-vos: pasmai! Eles não são eleitos; são indicados pelo chefe do executivo e sabatinados pelo senado (legisladores), donde se pode depreender a origem da troca de favores. Eles chamam isso de “harmonia entre os poderes” ou se preferirdes “governo de coalizão”.    

Certa feita, decidi-me observar de perto uma sessão onde a citada malta se reunira. Confesso-vos ter experimentado um quase medo, afinal, todos de roupa negra (o local mais parecia com a Batcaverna), a falarem uma língua complicada e atolados em imensurável fatuidade. Não, não mais vou lhes aguçar a curiosidade: O dito partido, sobremodo operativo, ainda que em fase de gestação, terá como sigla PSTF, ou seja, Partido Seleto de Togados Fantoches. E a singularidade da sigla não consegue expressar a magnitude da autoridade de seus membros. Detalhe importante: deve-se usar sempre a forma de tratamento destinada a pessoas nobres ou ilustres, pois assim exigem os excelentes a alegar “liturgia” do cargo.

Eu, ao arrogar-me profeta, deixo aqui um alerta sine pecunia as Suas Excelências, seres mergulhados na arrogância, na pretensão, na vaidade: O pavão, muito embora portador de grande beleza, necessita correr grandes distâncias para conseguir voar, e quando o faz, revela-se barulhento e desajeitado. Então, até para se preservar, o pavão evita fazê-lo. A vaidade em si, acaba por estabelecer seus próprios limites. E tem lugar a profecia: Muito em breve, a presumida “casta” será proscrita.  

terça-feira, 20 de abril de 2021

Laicidade Ideológica

 

Em primeiro lugar, entendo que devo discorrer sobre o conceito e/ou definição de laicidade. Pois bem, laicidade é característica do que é laico. Laico, por sua vez, volta-se a algo ou alguém que não pertence ao clero ou fez votos religiosos; não sofre influência ou censura por parte de qualquer agremiação religiosa. Um estado laico, portanto, seria aquele que não contraiu pias obrigações e não sofre controle religioso. O artigo 19 da Constituição Federal de 1988 faz do Brasil um estado laico, pois o país não é governado nem tem suas regras, leis e instituições públicas estabelecidas tendo por base religião ou credo. Contudo, o preâmbulo de nossa Constituição afirma que a mesma foi promulgada sob a proteção de Deus.

Uma lei do estado do Amazonas obrigava escolas e bibliotecas públicas a terem, pelo menos, um exemplar da Bíblia em seus acervos. Pois bem, o STF, em 13 de abril do ano corrente (2021), por unanimidade, declarou anticonstitucional a obrigatoriedade de tal lei. A relatora, ministra Carmem Lúcia, entende que “o Estado não pode exigir uma obra sagrada em detrimento de outras, pois precisa ser neutro e independente em relação a todas as religiões”.  A obrigatoriedade da Bíblia – livro mais lido do mundo, de conteúdo não só religioso mas também histórico – “violaria os princípios da laicidade estatal, liberdade religiosa e isonomia dos cidadãos”.

Então surgem algumas questões: a) livros sobre sexo e ideologia de gêneros apresentados às crianças nas escolas não violariam a liberdade que cada família tem para tratar a temática com seus filhos? b) No ensino da cultura africana, por ventura, entidades, orixás, etc. não são inseridos na temática? Em caso afirmativo, onde ficaria a isonomia dos cidadãos e a liberdade religiosa? Será que o estado, em face dos estudo de outras culturas, perderia sua característica de laicidade? O estudo da mitologia grega ou romana seria proselitismo? Converteria alguém ao paganismo? 

Atualmente, através de projeto de lei, volta à baila uma temática no mínimo perniciosa. Sim, não é a primeira vez que circula pelo legislativo a ideia de colocar limites de tempo a programas religiosos em canais abertos de TV. Por que? Teria o legislativo prerrogativa para interferir em canal televisivo - iniciativa privada - com a retórica de que se trata de uma concessão? Curiosamente, todos os projetos tiveram origem em partidos de orientação esquerdista. O que temem, afinal? A censura, tão combatida por legisladores e jornalistas está de volta? E a liberdade religiosa também protegida constitucionalmente? Seria proselitismo? Não percebo esforço algum em converter pessoas a quaisquer religiões. Será que posso falar em proselitismo da esquerda, haja vista a doutrinação de que os jovens são vítimas nas escolas e universidades?

Em face do exposto, parece-me que o Brasil “aperfeiçoou” o conceito de laicidade. Sim, o aperfeiçoamento deu-se por conta de uma associação desta com a ideologia. Nosso país desenvolveu uma espécie de laicidade ideológica, ou seja, evita, execra, demoniza, criminaliza toda ideia que venha a se colocar contra seus interesses. É bom frisar que os verdadeiros princípios religiosos são avessos a todo e qualquer expediente espúrio, tenha ele origem ou não nas manobras politiqueiras. Dentre a classe política, os mais cínicos chegam ao ponto de defender a ideia absurda e contraditória de um socialismo cristão. Quereis cenas mais absurdas do que Manuela d’Ávila assistindo a uma missa, Haddad a pedir voto aos evangélicos e Lula a visitar e ser recebido no Vaticano?

Não vos permitais enganar! A esquerda tem se empenhado sobremodo em desacreditar e destruir os três pilares da cultura ocidental. 1) O Direito que nos foi legado pela Roma antiga tornou-se objeto de piada, haja vista as derradeiras decisões do nosso STF; 2) a filosofia grega foi tripudiada em virtude de hodiernos “pensadores” terem-na usado como doutrina ideológica; 3) o judaísmo cristão foi anatematizado não só pela indiferença e/ou descrença, mas também pelo tratamento chistoso.    

“O açoite é para o cavalo, o freio para o jumento e a vara para as costas dos insensatos”. Provérbios 26:3

sábado, 17 de abril de 2021

Arte e decadência

 

A ter como premissa que à arte associa-se um objeto, e que este objeto deve revelar-se como lenitivo, fica evidente o imenso desafio encarado pelos verdadeiros artistas na atualidade. Antes mesmo de ser interpelado por alguns de vós acerca do que entendo por verdadeiros artistas, bem como pelo objetivo da arte, adianto-vos. Grandes artistas são aqueles que veem a arte como fim em si mesma e não como meio, seria a arte pela arte; não buscam valer-se da arte para conquistarem glória, reconhecimento, fama, etc. O objeto da arte reside na própria arte; não necessita de intérpretes ou experts para explicá-la. A arte simplesmente deve proporcionar refrigério, conforto, alento aos que dela tornam-se próximos.

O desafio a que me refiro tem por base a mentalidade hodierna: seres humanos parecem ser atraídos pelo indelicado, pelo rude; pessoas, independentemente da classe social ou nível educacional, mostram-se seduzidas pelo banal, pelo vulgar. A humanidade, de um modo geral, aprecia e tem prazer em agressões, sejam elas reais ou representadas. O impactante rouba a cena em qualquer modalidade artística: danças, músicas, canções, poesias, teatro, cinema... Até mesmo os designers e publicidade atuais mostram um quê de incitação. E qual seria a origem de tais representações? Inversão de valores, ou se assim desejarem, uma transvaloração bem ao estilo nietzschiano.   

Em face do cenário apresentado, o desafio que a boa e verdadeira arte encara nos dias de hoje vai muito além de proporcionar alento, alívio; ela deve conseguir demover incautos dessa afiliação nefasta à vulgarização; deve dissuadir os menos esclarecidos acerca do perigo à submissão de valores nocivos. A arte deve, de uma vez por todas, desvendar a vera liberdade, confundida muitas vezes com a catarse psicologista. Se optarmos por um silogismo na arte, a premissa maior seria a beleza que conforta, a premissa menor o banimento dos desvalores e a conclusão seria a pureza e o enobrecimento moral.  

Para corroborar minhas declarações, cito alguém bastante conhecido dos sul-americanos; cito um engenheiro de formação, mas famoso como ator, compositor, escritor e poeta. Refiro-me a Roberto Gómez Bolaños. Durante certa entrevista na sua residência em Cancún, revelou-nos que a construção de personagens ingênuos e com pureza moral é bastante difícil. Acrescentou ainda que as pessoas, em geral, não aplaudem o diálogo inteligente, mas sim o que é grosseiro, o que é rude.  Em defesa da arte, portanto, convoco os veros artistas a não permitirem que a mesma se degenere.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

A individuidade ou principium individuationis adversus

 

Talvez por força do hábito – não sei se bom ou mau hábito – venho buscando um porquê para as atitudes humanas. Por exemplo, pergunto-me por que as pessoas discutem, na mor parte das vezes, por coisas insignificantes; há enorme empenho de ambos os lados em provarem suas teorias. Sim, apenas teorias, ou seja, argumentos especulativos, conjecturas, algo de difícil comprovação. E pasmo diante do óbvio, descubro um “eu” que quer subjugar um outro “eu”. Mais estupefato fico ao perceber que, com isso, a verdade está relativizada.

Nada obstante, e não raramente, a porfia assimila a face da discórdia, da mágoa, do rancor, do ódio, do ressentimento. E lá, furtivo e maquiado por termos como autorrespeito, brio, dignidade, subjetividade, etc., percebo não mais um “eu”, mas um ego, ou melhor, uma egolatria sem limites. Neste caso, o “eu” deseja o mal do outro. No entanto, podemos ir ainda um pouco mais adiante, uma situação não só possível mas também provável: é quando o ódio toma matizes de vingança. Nesse caso, o “eu” tem por objetivo a aniquilação do “outro”. Atentai vós outros possíveis leitores! A tal subjetividade, ou melhor, o interesse subjetivo mascara não só o próprio egoísmo, mas igualmente o orgulho, o cinismo, a vaidade, a arrogância, a prepotência, etc.

Então tem início meu questionamento: como uma sociedade que contempla sobremodo o indivíduo, que se empenha em colocar o indivíduo em destaque, em atender aos interesses individuais sobrepondo-o às demandas da sociedade, a disseminar enfim o individualismo, pode falar em respeito ao outro, falar em paz, em amor, em fraternidade, em igualdade, em justiça, em solidariedade? Devo reclamar vossa atenção para o detalhe: individualidade é característica; individualismo é doença. É exatamente disso que se trata. O individualismo abandonou sua condição endêmica; alastrou-se e foi agraciado com leis que o fortalecem.

Bem, e o que fazer? Banir a individualidade para extinguir o individualismo? Afinal, o indivíduo é princípio consciencial; é autoconstrução de um “eu” a partir do mundo, do outro... Evidentemente que não falo em extinção da individualidade, mas tentemos, de início, viver a anular nossas opiniões. Sim, eis o porquê da máxima cristã: “Não julgueis para não serdes julgado”. As palavras de Marco Aurélio podem nos servir de esteio: “Lembra-te: suprimindo a opinião, suprimirás a queixa: ‘Fui ofendido’. Suprima o teu ‘fui ofendido’ e suprimirás o agravo”. Faz-se mister, portanto, o "negar-se a si mesmo" para que o perdão seja possível. Exercitemo-nos na humildade. Determinada oração propõe-nos: “Que eu procure mais consolar que ser consolado, compreender que ser compreendido, amar que ser amado”.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Verba sapientium


 As palavras de Agur, presentes em Provérbios 30, versículos 18 e 19 declaram: “Há três coisas que são maravilhosas demais para mim; sim, há quatro que não entendo: O caminho da águia no céu, o caminho da cobra na penha, o caminho do navio no meio do mar e o caminho do homem com uma donzela”. A maravilha da narrativa, antes de tudo, estimula nosso imagético. Busquemos, todavia, compreender seu sentido. A que o sábio se propõe? Vejamos! O maravilhar-se é admirar-se, é pasmar diante do aprazível e desconhecido.

Por que maravilhar-se com a águia? A águia é animal muito bem integrado à natureza; ela se vale da força e corrente dos ventos. Se brisas, elas simplesmente flutuam com suavidade; se monções, elas se valem da força destas para voarem alto e se deslocarem em grande velocidade. O importante é que, segundo os sábios, antes de alçar voo, as águias abaixam a cabeça em sinal de humildade. Durante as tempestades, ela não mostra temor; ela abre as asas e alça voo para enfrentar a procela; intuitivamente ela sabe que acima das nuvens carregadas há um sol a brilhar.

Por que maravilhar-se com as serpentes? Cobras são animais de sangue frio, ou seja, a temperatura de seu corpo sofre alterações de acordo com a temperatura ambiente. A cobra rasteja pela penha; o corpo do réptil assimila o calor da pedra. Isso explica seu locomover. Atentai: a aspereza do rastejar na penha em nada lhe é incômodo. Talvez a rudeza do caminho a torne cada vez mais prudente. Cobras se valem e respeitam a natureza; a língua bífida lhe fornece informações necessárias à autopreservação.

Por que maravilhar-se com o navio no mar? Embarcação alguma, muito embora o curso previamente traçado, opõe-se deliberadamente às correntes marinhas, isto é, ao fluxo das águas dos mares, em face da inércia do planeta em seu movimento de rotação, ventos, etc. Navio e navegadores valem-se das correntes e contracorrentes para atingirem maiores velocidades. Marinheiros e barcos integram-se e respeitam as imposições naturais. Viver no mar é, antes de tudo, respeito e admiração ao inopinado, ao intempestivo.

O caminhar do homem com uma donzela, de fato, não causa admiração. Mas o sábio tem dificuldades em compreender porque o homem acompanha a donzela, valendo-se da natureza apenas para a satisfação de seus instintos. Neste caso, a natureza passa a ser um meio e não um fim em si mesma. Muito embora a capacidade de raciocínio, o ser humano revela indiferença ou até mesmo desprezo à natureza. Não vos enganeis, este singular menoscabo acaba por causar muita dor e sofrimento à humanidade.

Implicitamente o sábio está a nos sugerir mais equilíbrio. Sejamos como as águias: integremo-nos à natureza; usemos a nosso favor as “brisas e tempestades” que a vida se nos impõe. Sejamos humildes em face do imponderável. Superemos as procelas do dia-a-dia, certos de que há algo maior por trás dos obstáculos. Tal como as serpentes, busquemos nos adaptar à vida. Afinal, “no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo”; vençamos o mundo! Aproveitemos as inclemências do caminho para tornarmo-nos prudentes. Do mesmo modo que um navio, não nos preocupemos em aportar, não busquemos lugares seguros para fugir dos desafios; tracemos nossa rota valendo-nos das correntes, fluxos e marés que, por certo, far-se-ão abençoadas ao fim da jornada. Caminhemos em companhia de nossa donzela, tornando-a esposa, parceira e companheira no despontar da família.   


domingo, 11 de abril de 2021

Mudança no cardápio

 

* A true story or Based on real facts

 

Longe de quaisquer influências e/ou conspurco hollywoodianos, passo a vos relatar, em breve crônica, acontecimento que, apesar de verídico, dir-se-ia inocente e singularíssimo. Contudo, antes de mais nada, devo esboçar grosso modo o cenário em que o referido evento se desenvolveu. Situemo-nos, portanto, bem no início dos anos cinquentas. Trata-se de jovem casal em recente matrimônio. Poderíamos pensar até em algo como uma Lua de Mel, muito embora os nubentes, em face de suas realidades econômicas, dela tiveram que prescindir.

A casinha alugada era modesta; a mobília mínima, de modo a atender apenas o necessário a ambos os circunstantes. O figurino seria básico, emoldurado, talvez, com alguma peça mais chique em face de possíveis momentos festivos das famílias.  A vidinha, apesar de um ou outro obstáculo e pautar-se somente no parco salário recebido pelo rapaz, seguia seu mal traçado curso. E assim, juntos, driblavam embaraços, minimizavam necessidades, postergavam sonhos. O rádio a palrar sobre o balcão da sala lhes servia de refúgio; vez por outra um bolo ou sorvete para mitigar o lugar comum das refeições diárias. Enfim, o dia-a-dia ditava sua própria característica.

Com o passar do tempo, no entanto, a jovem senhora sentiu-se incomodada; ela queria inovar, abandonar aquele marasmo. Mas, como? Os recursos eram poucos, as possibilidades de alternância mínimas. Só lhe restava o metamorfosear dos alimentos. O marido, graças ao bom Deus, perdoava-lhe os pecadilhos cometidos no âmbito gastronômico. Então lhe veio a ideia, nada original, no tocante à sobremesa. Sim, ela faria o doce a partir de uma lata de leite condensado. Em conversa com certa vizinha, soube que poderia cozinhar o conteúdo da lata junto com o feijão preto ainda não temperado, a visar, evidentemente, economia de gás. E assim o fez: juntos na panela de pressão a lata de leite condensado e meio quilo de feijão sem tempero.

A tarde caiu e ela a esperar ansiosa pelo cozimento dos grãos; queria retirar a lata, esperar seu resfriamento e proporcionar ao marido um novo maná: o excelente doce de leite. Após certo tempo desligou o fogo e com um garfo travou a válvula na posição aberta, de modo a extrair toda pressão da panela. Consultou o relógio: o marido não tardava. Decidiu banhar-se. E para aquela ocasião arrumou-se com maior esmero; loções e outros produtos a auxiliar no diferenciado toalete.

Logo o marido fez-se presente; estava cansado, o dia fora puxado. Ao sentar-se, partilhou o sofá com uma mulher refrescante e perfumada. Os afagos costumeiros, os sorrisos de lado a lado, a carícia mais ousada... Ela falava em uma surpresa e o aconselhava a um bom banho. Pois bem, enquanto ele empenhava-se na higiene, em particular a alguma ablução, a mulher voltara à cozinha. Abriu enfim a panela e deixou escapar um gritinho rouco. A lata, com temperatura e pressão elevadas no recipiente durante o cozimento, rompera-se e permitira o vazamento do conteúdo.

Não pretendo ocupar vosso precioso tempo em narrativas que venham a discorrer sobre o óbvio: crises existenciais, ameaças de depressão, desculpas, acusações, agressões ou algo que se lhes assemelhe, afinal trata-se de um casamento, e vós conheceis parte do desfecho. Todavia, fica aqui registrado que, pelo menos por uma semana, o casal - também não interessa se a contragosto - teve que comer feijão preto temperado apenas com leite condensado. Sim, e nunca mais arriscou-se uma mudança no cardápio.    

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Iuris Atheismus (Lei do ateísmo)


Quando pensava já ter visto de tudo, pude testemunhar mais um dos inumeráveis desmandos do STF. Imaginai que Suas Excelências, ainda ontem, talvez porque a toga negra assemelhe-se a trajes eclesiásticos, decidiram brincar de párocos e discorrerem sobre teologia, ciência que, decididamente desconhecem. E o mais curioso: sequer preocuparam-se em demonstrar um mínimo de “notável saber teológico”. A imensa vaidade que vitima nossos preclaros ministros é símile ao desejo, pois que também desconhece a saciedade. O desejo de que falo em nada se parece com a vontade de saber, mas sim com o querer dominar, por limites, cercear liberdades. E vos pergunto: Mas não se trata de uma corte constitucional? E onde fica a constituição?

Há muito que o aclamado Superior Tribunal Federal desvencilhou-se de qualquer compromisso constitucional. Pode-se notar, e de modo patente, o envolvimento político da corte, pois em sua decisão entendeu que as assembleias religiosas - não os bancos, ônibus, trens, metrôs lotados, etc. - colaboram na disseminação do vírus pandêmico, independente de seguirem as orientações sanitárias. Este burlesco e caótico entremetimento na seara alheia faz com que a corte constitucional abandone seus saberes jurídicos (bem limitados, cá entre nós) e adentre à esfera das ciências físicas, das ciências exatas, das ciências sociais, arte e - a exemplo da sessão realizada ontem - ciências teológicas. Alguns dos notáveis conseguiram expelir (seria este o termo correto?) os resíduos protocolares de seus excrementos mentais e fantasiaram-se de sacrílegos, de ateus, agnósticos. Se bem que... eu diria que nossa corte vergou-se a um tipo inusitado de idolatria: submeteram-se a Narciso: o deus da vaidade. Consequentemente praticaram uma também singular heresia: apostasia jurídica! 

O curioso - e por quê não pândego? - em tudo isso é que os partidos de esquerda protocolaram um pedido de impeachment do Presidente da República, pois este teria cometido crime de responsabilidade ao tentar politizar as forças armadas. Nobody deserves. Ninguém merece. Mas enfim, eis a pretendida democracia!

terça-feira, 6 de abril de 2021

Contra naturam

 

O inverno findara; seguiu-se o desabrochar das flores na estação primaveril. Lindo! Pássaros e insetos em seus infindáveis e aleatórios passeios só fazem polinizar, semear. O que é isto? Natureza. Depois da flor, o fruto. Sabeis vós quanto de energia um vegetal gasta para produzir seus frutos? Por que? A natureza se empenha em autopreservar-se. E o sexo entre animais? O sexo tem que ser prazeroso para que se cumpra uma exigência da natureza. Para que, entre seres humanos, os olhares, as sensações, os sentimentos, a libido, a produção de hormônios? Para o sexo. Por que? É mister para que a natureza se realize, se preserve, permaneça em si mesma; é o conatus de Spinoza. O organismo animal, da fêmea mais especificamente, altera-se, reacomoda-se, readapta-se para gerar um novo ser, seu fruto. Para que? Para que a espécie se eternize. Conseguis perceber? A natureza não se preocupa com o indivíduo, mas sim com a espécie. As realizações individuais, portanto, devem estar acordes com os interesses da espécie. Logo, a questão sexual é refém de uma estrutura vital que se vincula tão somente à natureza, e, ipso facto, às ciências naturais.  

Em se analisando outro aspecto, é perceptível a constância com que os fenômenos se repetem na natureza. Sim, há como que uma “norma” a ser seguida inexoravelmente pelo conjunto de forças que obram no Universo. E nós, meros coadjuvantes neste cenário, já temos como certos a repetição dos fenômenos naturais. Por exemplo: há como que uma convicção, fruto de observação das ciências naturais, no que tange à alternância das marés em intervalos de aproximadamente seis horas. Sim, no tocante à natureza, os padrões repetitivos criam o que chamamos de normalidade. Se porventura, devido a uma circunstância, conhecida ou não, detectada ou não, a primavera não suceder o inverno, nós declaramos uma anormalidade. Percebei: em termos de natureza, nós não criamos circunstâncias para forjar o que por si mesmo se revela como normal. Uma normalidade criada, dar-se-ia, possivelmente, na esfera das ciências sociais, isso quando levado em conta os valores supedâneos de qualquer sociedade.

Pelo exposto, podemos inferir que sexualidade não é temática para ser discutida por ciência social, pois pode-se incorrer no risco de grave impostura intelectual. E então vos pergunto: Ainda pretendeis entender a homossexualidade como algo normal? Ela se volta contra a natureza. Por mais que as leis defendam os direitos dos homossexuais, por mais que as pessoas os respeitem, por mais que estejam inseridos na sociedade, eles sempre sentirão necessidade de reconhecimento e aceitação. Eles não querem ser respeitados como pessoas ou como cidadãos; eles não querem ser tratados de modo igualitário; eles querem tratamento diferenciado, pois querem ser respeitados como homossexuais. Por que? O problema é que eles não aceitam a si mesmos, pois a natureza - e inconscientemente eles sabem disso - não está sendo realizada. A prática da homossexualidade atende unicamente a expectativa, aos anseios do indivíduo, nunca ao anelo da espécie.

quinta-feira, 1 de abril de 2021

A criminação do pensamento

 

Façamo-nos mudos; eu planeio uma sociedade de mudos. Não desejo ouvir vozes, por mais sensuais que sejam; nada mais de discursos, mesmo que afetados ou pomposos; nada mais de narrativas, sejam verdadeiras ou falsas. Opiniões? nem pensar, independentemente se genuínas ou pautadas na insinceridade. Porém, este meu projeto tem origem não em mim, mas na sociedade que me alberga. Por que? Simples. São tão comuns os slogans a enaltecer respeito e liberdade de opinião; são contumazes os sermões e as prédicas a falar sobre franqueza, desassombro, sinceridade nas relações e tudo mais. Todavia, o que se observa é a criminação do pensar. Sim, às opiniões vinculam-se adjetivos os mais variados, predicativos, títulos, etc.   

Poderíeis perguntar-me: como atribuir crime ao pensamento? Ora, pensar é ato, é faculdade, é ideia, é raciocínio, é reflexão, é julgamento, manifestado através de palavras, assertivas, declarações. Certo estou de que tal faculdade é inerente a todo ser humano. Teria alguém o poder de calar toda uma sociedade? Não, evidentemente. Nada obstante, percebo que não são as opiniões que dão origem aos rótulos, aos atributos, mas sim as “características” de algumas opiniões. Ora, a sociedade não quer que as pessoas se calem, mas querem fazer com que o pensamento das mesmas sejam unânimes. Deus meu, a unanimidade é burra! O que leva qualquer sociedade ao desenvolvimento é sua típica dialeticidade. Mas a sociedade hodierna não quer isso; quer apenas seus cidadãos usando uma mesma “embalagem”. Motivo? julgam que, com a homogeneidade do pensar seria mais fácil o domínio, a manipulação.  

E para justificar o mutismo com que imagino a sociedade ideal, reclamo vossa atenção para considerável detalhe: Curiosamente, - e por certo havereis de dar-me razão - na atualidade, creio que em quase toda superfície do globo, independentemente do idioma, a palavra mais proferida, grafada, anunciada, bradada aos quatro cantos é democracia (mesmo que para desmoralizá-la). Pergunto-vos, então, do alto de minha patente ignorância: esta mesma sociedade, que esforça-se por calar o pensamento divergente, saberia, de fato, o que é democracia? A resposta é: Lógico, sabe! Acontece que o termo democracia deve, obrigatoriamente, figurar em todo discurso daquele que busca oportunizar um regime de exceção.

Tende em mente as palavras do Imperador Marco Aurélio: “O que não é útil para o enxame não pode ser útil para a abelha”.       

Shut up!