quinta-feira, 15 de abril de 2021

Verba sapientium


 As palavras de Agur, presentes em Provérbios 30, versículos 18 e 19 declaram: “Há três coisas que são maravilhosas demais para mim; sim, há quatro que não entendo: O caminho da águia no céu, o caminho da cobra na penha, o caminho do navio no meio do mar e o caminho do homem com uma donzela”. A maravilha da narrativa, antes de tudo, estimula nosso imagético. Busquemos, todavia, compreender seu sentido. A que o sábio se propõe? Vejamos! O maravilhar-se é admirar-se, é pasmar diante do aprazível e desconhecido.

Por que maravilhar-se com a águia? A águia é animal muito bem integrado à natureza; ela se vale da força e corrente dos ventos. Se brisas, elas simplesmente flutuam com suavidade; se monções, elas se valem da força destas para voarem alto e se deslocarem em grande velocidade. O importante é que, segundo os sábios, antes de alçar voo, as águias abaixam a cabeça em sinal de humildade. Durante as tempestades, ela não mostra temor; ela abre as asas e alça voo para enfrentar a procela; intuitivamente ela sabe que acima das nuvens carregadas há um sol a brilhar.

Por que maravilhar-se com as serpentes? Cobras são animais de sangue frio, ou seja, a temperatura de seu corpo sofre alterações de acordo com a temperatura ambiente. A cobra rasteja pela penha; o corpo do réptil assimila o calor da pedra. Isso explica seu locomover. Atentai: a aspereza do rastejar na penha em nada lhe é incômodo. Talvez a rudeza do caminho a torne cada vez mais prudente. Cobras se valem e respeitam a natureza; a língua bífida lhe fornece informações necessárias à autopreservação.

Por que maravilhar-se com o navio no mar? Embarcação alguma, muito embora o curso previamente traçado, opõe-se deliberadamente às correntes marinhas, isto é, ao fluxo das águas dos mares, em face da inércia do planeta em seu movimento de rotação, ventos, etc. Navio e navegadores valem-se das correntes e contracorrentes para atingirem maiores velocidades. Marinheiros e barcos integram-se e respeitam as imposições naturais. Viver no mar é, antes de tudo, respeito e admiração ao inopinado, ao intempestivo.

O caminhar do homem com uma donzela, de fato, não causa admiração. Mas o sábio tem dificuldades em compreender porque o homem acompanha a donzela, valendo-se da natureza apenas para a satisfação de seus instintos. Neste caso, a natureza passa a ser um meio e não um fim em si mesma. Muito embora a capacidade de raciocínio, o ser humano revela indiferença ou até mesmo desprezo à natureza. Não vos enganeis, este singular menoscabo acaba por causar muita dor e sofrimento à humanidade.

Implicitamente o sábio está a nos sugerir mais equilíbrio. Sejamos como as águias: integremo-nos à natureza; usemos a nosso favor as “brisas e tempestades” que a vida se nos impõe. Sejamos humildes em face do imponderável. Superemos as procelas do dia-a-dia, certos de que há algo maior por trás dos obstáculos. Tal como as serpentes, busquemos nos adaptar à vida. Afinal, “no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo”; vençamos o mundo! Aproveitemos as inclemências do caminho para tornarmo-nos prudentes. Do mesmo modo que um navio, não nos preocupemos em aportar, não busquemos lugares seguros para fugir dos desafios; tracemos nossa rota valendo-nos das correntes, fluxos e marés que, por certo, far-se-ão abençoadas ao fim da jornada. Caminhemos em companhia de nossa donzela, tornando-a esposa, parceira e companheira no despontar da família.   


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