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A true story or Based on real facts
Longe de quaisquer influências e/ou
conspurco hollywoodianos, passo a vos relatar, em breve crônica, acontecimento
que, apesar de verídico, dir-se-ia inocente e singularíssimo. Contudo, antes de
mais nada, devo esboçar grosso modo o cenário em que o referido evento se
desenvolveu. Situemo-nos, portanto, bem no início dos anos cinquentas. Trata-se
de jovem casal em recente matrimônio. Poderíamos pensar até em algo como uma
Lua de Mel, muito embora os nubentes, em face de suas realidades econômicas,
dela tiveram que prescindir.
A casinha alugada era modesta; a
mobília mínima, de modo a atender apenas o necessário a ambos os circunstantes.
O figurino seria básico, emoldurado, talvez, com alguma peça mais chique em
face de possíveis momentos festivos das famílias. A vidinha, apesar de um ou outro obstáculo e
pautar-se somente no parco salário recebido pelo rapaz, seguia seu mal traçado curso.
E assim, juntos, driblavam embaraços, minimizavam necessidades, postergavam
sonhos. O rádio a palrar sobre o balcão da sala lhes servia de refúgio; vez por
outra um bolo ou sorvete para mitigar o lugar comum das refeições diárias.
Enfim, o dia-a-dia ditava sua própria característica.
Com o passar do tempo, no entanto, a
jovem senhora sentiu-se incomodada; ela queria inovar, abandonar aquele marasmo.
Mas, como? Os recursos eram poucos, as possibilidades de alternância mínimas.
Só lhe restava o metamorfosear dos alimentos. O marido, graças ao bom Deus,
perdoava-lhe os pecadilhos cometidos no âmbito gastronômico. Então lhe veio a
ideia, nada original, no tocante à sobremesa. Sim, ela faria o doce a partir de
uma lata de leite condensado. Em conversa com certa vizinha, soube que poderia
cozinhar o conteúdo da lata junto com o feijão preto ainda não temperado, a
visar, evidentemente, economia de gás. E assim o fez: juntos na panela de
pressão a lata de leite condensado e meio quilo de feijão sem tempero.
A tarde caiu e ela a esperar ansiosa pelo
cozimento dos grãos; queria retirar a lata, esperar seu resfriamento e
proporcionar ao marido um novo maná: o excelente doce de leite. Após certo
tempo desligou o fogo e com um garfo travou a válvula na posição aberta, de
modo a extrair toda pressão da panela. Consultou o relógio: o marido não
tardava. Decidiu banhar-se. E para aquela ocasião arrumou-se com maior esmero;
loções e outros produtos a auxiliar no diferenciado toalete.
Logo o marido fez-se presente; estava
cansado, o dia fora puxado. Ao sentar-se, partilhou o sofá com uma mulher refrescante
e perfumada. Os afagos costumeiros, os sorrisos de lado a lado, a carícia mais
ousada... Ela falava em uma surpresa e o aconselhava a um bom banho. Pois bem,
enquanto ele empenhava-se na higiene, em particular a alguma ablução, a mulher voltara
à cozinha. Abriu enfim a panela e deixou escapar um gritinho rouco. A lata, com
temperatura e pressão elevadas no recipiente durante o cozimento, rompera-se e
permitira o vazamento do conteúdo.
Não pretendo ocupar vosso precioso tempo
em narrativas que venham a discorrer sobre o óbvio: crises existenciais, ameaças
de depressão, desculpas, acusações, agressões ou algo que se lhes assemelhe, afinal
trata-se de um casamento, e vós conheceis parte do desfecho. Todavia, fica aqui
registrado que, pelo menos por uma semana, o casal - também não interessa se a
contragosto - teve que comer feijão preto temperado apenas com leite
condensado. Sim, e nunca mais arriscou-se uma mudança no cardápio.
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