sexta-feira, 16 de abril de 2021

A individuidade ou principium individuationis adversus

 

Talvez por força do hábito – não sei se bom ou mau hábito – venho buscando um porquê para as atitudes humanas. Por exemplo, pergunto-me por que as pessoas discutem, na mor parte das vezes, por coisas insignificantes; há enorme empenho de ambos os lados em provarem suas teorias. Sim, apenas teorias, ou seja, argumentos especulativos, conjecturas, algo de difícil comprovação. E pasmo diante do óbvio, descubro um “eu” que quer subjugar um outro “eu”. Mais estupefato fico ao perceber que, com isso, a verdade está relativizada.

Nada obstante, e não raramente, a porfia assimila a face da discórdia, da mágoa, do rancor, do ódio, do ressentimento. E lá, furtivo e maquiado por termos como autorrespeito, brio, dignidade, subjetividade, etc., percebo não mais um “eu”, mas um ego, ou melhor, uma egolatria sem limites. Neste caso, o “eu” deseja o mal do outro. No entanto, podemos ir ainda um pouco mais adiante, uma situação não só possível mas também provável: é quando o ódio toma matizes de vingança. Nesse caso, o “eu” tem por objetivo a aniquilação do “outro”. Atentai vós outros possíveis leitores! A tal subjetividade, ou melhor, o interesse subjetivo mascara não só o próprio egoísmo, mas igualmente o orgulho, o cinismo, a vaidade, a arrogância, a prepotência, etc.

Então tem início meu questionamento: como uma sociedade que contempla sobremodo o indivíduo, que se empenha em colocar o indivíduo em destaque, em atender aos interesses individuais sobrepondo-o às demandas da sociedade, a disseminar enfim o individualismo, pode falar em respeito ao outro, falar em paz, em amor, em fraternidade, em igualdade, em justiça, em solidariedade? Devo reclamar vossa atenção para o detalhe: individualidade é característica; individualismo é doença. É exatamente disso que se trata. O individualismo abandonou sua condição endêmica; alastrou-se e foi agraciado com leis que o fortalecem.

Bem, e o que fazer? Banir a individualidade para extinguir o individualismo? Afinal, o indivíduo é princípio consciencial; é autoconstrução de um “eu” a partir do mundo, do outro... Evidentemente que não falo em extinção da individualidade, mas tentemos, de início, viver a anular nossas opiniões. Sim, eis o porquê da máxima cristã: “Não julgueis para não serdes julgado”. As palavras de Marco Aurélio podem nos servir de esteio: “Lembra-te: suprimindo a opinião, suprimirás a queixa: ‘Fui ofendido’. Suprima o teu ‘fui ofendido’ e suprimirás o agravo”. Faz-se mister, portanto, o "negar-se a si mesmo" para que o perdão seja possível. Exercitemo-nos na humildade. Determinada oração propõe-nos: “Que eu procure mais consolar que ser consolado, compreender que ser compreendido, amar que ser amado”.

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