O relato a seguir foi-nos contado e recontado - a mim, meu irmão e meu pai - em várias ocasiões por minha mãe. Tenhamos em mente, no entanto, que mamãe era uma dessas pessoas que se encanta facilmente com o mistério; o sobrenatural, ou aquilo que ela acreditava sê-lo, a fascinava. Curiosamente, ela não buscava entender o fato ou compreender as circunstâncias em que o evento se dava; bastava-lhe a narrativa. Todavia, o presente acontecimento é, por si só - vós podereis confirmar - cercado de mistério.
Ei-lo: foi num dia 02 de novembro de
um ano qualquer. Dia de Finados! Mamãe, bastante religiosa e filha dedicada,
não deixava de ir ao Cemitério de Inhaúma visitar o túmulo de seu pai, meu avô
Daniel. Pois bem, além das flores, ela levava também materiais de limpeza. Não,
não estranheis tal hábito; a fé a tudo justifica. Pois bem, após meticulosa
faxina, ela enfeitava, ou melhor, engalanava o mausoléu da família. Por fim,
fazia suas orações, conversava com o pai falecido e agradecia a Deus.
Em virtude do Dia dos Mortos, o
cemitério aumentava sobremodo sua frequência. Mamãe, absorta em suas orações, não
voltava a menor atenção para o que acontecia ao redor. De olhos fechados,
contudo, sentiu delicadíssimo toque em um de seus ombros. – “Quem se atrevia a perturbá-la durante suas
orações?” – pensou irritada. Mesmo assim, abriu os olhos e voltou a cabeça para
o lado esquerdo: uma mulher jovem - algo em torno dos trinta anos - de beleza
invulgar sorria com doçura. Trajava elegante luto, com sapatos e luvas negras;
na mão o chapéu forrado com renda igualmente negra. Desculpou-se repetidamente
e explicou que o vento arrancara-lhe o chapéu e lhe desmanchara o penteado. Mamãe
pode confirmar as mechas soltas de um cabelo castanho claro a espalhar-se em profusão
por sua testa e rosto. Então veio a frase que conquistou mamãe; disse a
estranha: – “Queres ser minha amiga?” Mamãe sorriu e assentiu: – “Sim”. A jovem
mulher então solicitou: – “Empresta-me teu pente, para que eu possa ajeitar meu
cabelo?” Mesmo atônita, minha mãe abriu a bolsa, buscou pelo artefato e o
entregou a solicitante. Ao receber o pente, concluiu a mulher: – “Sim, não esqueça de incluir-me em tuas
orações”. Voltou-se e dirigiu-se à campa que erguia-se na alameda seguinte.
Minha mãe, acompanhou-a com o olhar,
viu que ela ajoelhara na sepultura próxima e penteava os cabelos. Não obstante,
voltou às suas orações. Ao terminá-las, juntou seus pertences e olhou para a
campa onde a estranha se dirigira. O lugar estava ermo; nenhum sinal da mulher.
Mamãe então aproximou-se do local. Pasmai: sobre o túmulo, o pente que mamãe
emprestara. Minha mãe ainda olhou para a foto presa ao mármore do jazigo e
reconheceu a estranha. Mamãe não mais deixou de orar pela nova amiga.