A casa erguia-se na esquina de duas avenidas bem movimentadas. A edificação com avarandado no andar superior ocupava o centro do terreno; jardins espalhavam-se por todo o entorno. Ali morava uma mocinha por nome Sônia: pessoa boa, cordata, bem educada. Conheci também seus pais e irmãos. Depois da morte do casal proprietário, os filhos permaneceram na casa; cada qual em seu cantinho. No entanto, pode-se perceber o início de certo hábito comum: algo, no mínimo, intrigante. Falo da acumulação compulsiva. Sim, os quatro irmãos deram início a tal prática. A fazer-me psicólogo amador, entendo que tudo esteja relacionado à morte dos pais; dir-se-ia uma família, de fato, unida; os pais buscaram suprir todas as necessidades e demandas dos filhos. Eles agora, acumulavam coisas a fim de embotar ou até retardar emoções e ansiedades.
Hoje, passados alguns poucos anos,
quem transita pelo local, observa um quintal repleto de quinquilharias, caixas,
papéis, madeiras, sucatas as mais variadas. Ao se abstrair a atividade
econômica, estamos na presença de um “ferro-velho”. O interior da casa, segundo
me segredaram, não está diferente. São pilhas de ferramentas, talheres,
conjunto de panelas e aparelhos de jantar aos pedaços... O lixo está por toda a
parte; os irmãos transitam e dormem, cada um em seu cômodo, rodeados de
entulhos, quiçá ratos, baratas, escorpiões, etc. A vizinhança já se mostra incomodada
e ameaça buscar ajuda nas autoridades sanitárias.
Coisa triste de se ver. Todavia, em se
melhor observando, somos todos acumuladores. Sim, nosso “eu”, que prima por
jactar-se, por vezes, quando contrariado, acumula decepções, desagrados,
desapontamentos, desilusões. Quantos de nós mantemos abertas certas feridas, e
estas, infeccionadas, dão origem as mágoas, aos ressentimentos, aos rancores.
Depois da fase odienta, pode-se chegar à limítrofe etapa da vingança. Sim, ao
acumularmos as miudezas com que nos deparamos no dia-a-dia, criamos uma espécie
de “ferro-velho” existencial. Ao nos vergarmos às imposições do eu”,
tornamo-nos numa espécie de adelo, só que de nada abrimos mão, apenas
adquirimos. Adquirimos o lixo que, na mor parte das vezes, em nada nos favorece.
E vós me perguntais: como nos livrarmos de criar semelhante ferro-velho? como
não ser acumuladores? Simples, tenhamos em mente apenas uma coisa: servir! Ao
servir, entorpeceremos possíveis emoções e/ou ansiedades.
Et requiem tibi Deus!
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