Houve um tempo, e aqui refiro-me aos primórdios, em que seres humanos tinham deuses para tudo. Estes, entretanto, dada à condição de superioridade e distanciamento proporcionado pelo Olimpo, foram substituídos por heróis. Todavia, os tais heróis, nada mais nada menos que filhos de deuses com humanos, bastardos na verdade, manifestavam as mesmas paixões que qualquer mortal. Então tem lugar o advento de um único Deus. Destarte, despontam homens a dizerem-se representantes deste único Deus, tornando-O um déspota em clima de ditadura divina. A humanidade, portanto, passa a negá-Lo, e isso amparado pelo discurso dito racional e pelo conhecimento científico. Ateus militantes, inclusive, anunciam a morte de Deus, se bem que incapazes de definir a data do acontecimento. A celebração de sua morte mostra-se como espetáculo aêmero.
Mas o vivenciar da ciência não tornou
melhor a humanidade, nem mesmo trouxe a prometida felicidade. Em virtude disso,
seres humanos começaram a fazer da política uma tábua de salvação. A política,
no entanto, é feita por políticos, que - como diria minha falecida mãe - “não são
flores que se cheire”. Pergunta-se: onde a humanidade buscaria algum alento? De
início apelou-se para a ética, mas grave crise de valores lançou por terra tais
esperanças; a crise mesma culminou em criar obstáculos à aplicação das leis. E
a humanidade cada vez mais perdida.
Então o ser humano decidiu tornar-se o
único referencial; uma total relativização. Teve lugar o individualismo
exacerbado, a projeção social, a vaidade desmedida, o interesse particular
acima das demandas sociais. Num ambiente em que todos desejam tornar-se
celebridade, cresce sobremodo a atividade cínica, os discursos empolados. Agrava-se
a falácia sofística que diz buscar a perfeição humana, prega-se a retidão das
ações, o respeito aos semelhantes, exalta-se o amor à família, a piedade com os
menos favorecidos, preconiza-se a meiguice, a bondade com crianças e mulheres, clama-se
por justiça e lealdade... Qual nada, apenas gongorismo retórico!
Contudo, em se melhor observando todo
este caudal de virtudes postuladas pela retórica pós-moderna, pode-se perceber o
código dos Cavaleiros da Távola Redonda. Perdoai-me, mas permito-me rir a
valer, pois estou certo que dentre os fanfarrões verborrágicos não encontrarei
nenhum similar de Parsifal ou Lancelot. Nem mesmo um Dom Quixote, pois este,
pelo menos, fora um idealista, não um vigarista. Não obstante, muitos poderão
incorporar a designação de “Triste figura”.
O que vos proponho, afinal? Não, não
me ocupo com críticos; a estes respondo que não se trata de paliativo. Preocupo-me
sim, instar omnium, com as consequências de uma sociedade que está a manifestar-se
cada vez mais de modo irresponsável. E vós me perguntais: Mas o que é
necessário? E eu vos respondo: A vontade aliada àqueles valores vistos como
ultrapassados. Ultrapassados? Mas mostram-se atualíssimos e tão presentes nos
discursos arrojados dos que se projetam e auto-intitulam celebridades.
Sejamos escudeiros! Escudeiros? Sim, escudeiros;
não um Sancho Pança. Observemos o
conceito. Partilhemos dos valores pregados pelos cavaleiros, mas aliemos os
valores às nossas ações. Não estabeleçamos diferenças entre assertivas e ações.
Coloquemo-nos em posição diferenciada, acima da condição dos que se pretendem
cavaleiros. Deixemos a condição de knight para nos tornarmos um quase
gentleman. A propósito, escudeiro foi um dos primeiros títulos da extinta
nobreza.
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