Em mais um acometimento saudosista, (sintoma de velhice?) permito-me falar do Rio Antigo. Devo preocupar-me? Curioso, pois não me ocupo de atualidades; careço de memória recente. Alzheimer? Sei lá. Mas as memórias antigas são bem mais prazerosas... Talvez por causa do intenso vivido, das relações sem malícia ou afetação. Portanto, fixo-me em meu Rio de Janeiro; não o de agora, mas o de então, aquele que conheci, o que convivi, o que compartilhei.
Eu ainda menino, anos cinquentas... Calças
curtas e cabelo à escovinha a acompanhar papai e mamãe em suas visitações. Mais
tarde, adolescente, no bonde que muito me conduziu ao colégio. Eu dependurado
no estribo, a imitar algum tipo de herói e saltar do vagão em movimento na
curva frontal à Ladeira do Vintém, no Meyer. Quanta emoção! Sim, naquela época não
havia surf, parapente, asa delta, bungee jump ou similares.
Recordo-me do intenso tráfego de
bondes no Tabuleiro da Baiana, Largo da Carioca, entre a Rua Senador Dantas e a
Avenida Treze de Maio. Ali era o ponto final; ali eu embarcava para visitar a
mãe de uma saudosa tia na Rua Farani, em Botafogo. O bonde, não obstante dito
ultrapassado e por muitos demonizado, traz-me tão boas lembranças que, ainda
hoje, arrisco-me por Santa Tereza. Lá fico a olhar para suas ruas, pedras,
calçamentos, os trilhos...
Dentre tantas lembranças, no entanto, uma
mais se destaca: O Bonde Alegria. Uma dúvida: a Rua da Alegria seria alegre ou
como todos nós também conheceria a mágoa? Alegria, por vezes, rima com
melancolia. Bem, eu embarcava geralmente no Largo da Cancela; ele vinha lotado.
Embora bastante jovem, ainda recordo-me de alguns gracejos que a “elite”
masculina dirigia às mulheres, haja vista a turbamulta. Eram coisas do tipo: “Sempre
haverá um lugar em meu colo” ou então “A senhora pode vir, pois o engate está
livre”. Apesar de a pervertida conotação, nosso bonde não se chamava Desejo, e asseguro-vos
de que não haviam personagens como Blanche ou Stanley criados por um Tennessee
Williams.
De súbito, meu saudosismo sente-se
acanhado, desmotivado; o rótulo de extemporâneo faz-se presente, o real impõe-se
e exige reparação. O espírito, então, abate-se, esmorece e conhece algo de
tristeza, de abatimento. Todavia, fica a pergunta: por que as boas lembranças
sempre são capazes de nos proporcionar o refrigério que a vida, em si,
empenha-se em negar?
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