domingo, 30 de outubro de 2022

Breve análise poética

 

Byron, em seu sátiro poema acerca de Don Juan, declarara:

“Man, being reasonable, must get drunk;

The best of life is but intoxication;

Glory, the grape, love, gold, in these are sunk

The hopes of all men, and of every nation...”

 

Edgar Allan Poe, outro grande escritor e poeta, teria dito: “Bebo, pois ao beber o mundo se me torna acessível.”

Enfim, vinhos e cervejas foram criadas há 6 ou 7 mil anos. Seria a bebida recurso ou auxílio no suportar o cotidiano? Paliativo? Talvez.

E seria a vida tão complicada assim? Evidentemente que para esta temática abundam tanto otimistas quanto pessimistas. Ao obrigar-me a tomar uma posição, inclino-me ao pessimismo, e vós sabereis porque no decorrer desta brevíssima análise.  

Mas... voltando a Don Juan. Depois de ter lido o poema a ele dedicado, tem lugar algumas (poucas, mas suficientes, questões): Don Juan foi, de fato, um conquistador? Em dias atuais responderia a infinidade de processos por assédio? Ou não? Em verdade, Don Juan foi o assediado. E como nunca houve “fracassos” em sua “dedicada atuação”, a mulherada o amava, afinal era um homem razoável. Ora, então por que a necessidade da bebida pregada por Lord Byron? Sabemos bem, ou podemos imaginar, o que significa uma mulher sentir-se repudiada. “Bem atuar”, em face do sofrido e contumaz assédio, exigia do requestado amante um eterno fazer-se hipócrita. Portanto, sê bem vindo tal “cozimento medicinal”.

A última pergunta, creio. Por que Poe também enaltece a bebida? Simples: além da glória, do amor, do ouro, etc. em que se fundam as esperanças de todos os seres e nações, segundo Byron, convivemos com o egoísmo e o individualismo a declararem-se fraternais; partilhamos o dia-a-dia com a hipocrisia que sorri de tudo e a todos, a pretender com isso que nos tornemos mais um dos infames (ingênuos, parvos?) otimistas.    

domingo, 23 de outubro de 2022

Um novo Olimpo

 

Tornou-se rotineiro falar em “novas versões”, expressão muito utilizada pelos ditos “antenados”. Todavia, os politicamente instáveis preferem falar em “releituras”, na verdade versões ideologizantes, em uma clara tentativa de instaurar novos valores, e/ou demonizar a outros. Com isso, fica evidenciado a diferença entre boas e más versões, ou, se preferirdes, versões do bem e versões do mal. Mas se quisermos ter uma ideia, mesmo que superficial, acerca de tais versões, precisamos nos revestir de isenção, até para não sermos taxados de preconceituosos. Será?

E foi esse meu viés romantizado, creio, o responsável pelo arrebatamento que vitimou-me. Sonho ou pesadelo? Sim, eu fora levado quase que a força, afinal criar ambientes de êxtase, de arroubamento, não deixa de ter as cores da violência. Uma entidade metafísica, sei lá, levou-me a conhecer a nova versão do Olimpo. Quanta decepção! Minha visão do antigo Olimpo era a de deuses ao redor da imagem do mundo estampado em uma mesa redonda. (Atenção: O rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda é outra história). Ali, ao redor, portanto, eram debatidas temáticas e questões.

Mas essa nova versão - seria uma releitura? - pareceu-me tosca. A começar pelas roupagens. Deusas como Hera e Atena, por exemplo, trajavam roupas leves, elegantes, belos designers, figurino típico de um Yves Saint Laurent. As deusas atuais são enfatuadas, mas nada elegantes. Os trajes negros, as togas, algo tão cliché, tornam-nas inda mais antipáticas. Os deuses também as usam (as togas). Coitados, alguém deve tê-los convencido de que o simples uso dos black robes (togas negras) os fariam íntegros, imparciais, justos. Mas um detalhe reclamou-me a atenção (coincidência?): o novo Olimpo é formado por 11 “deuses”; o antigo Olimpo era composto por 12, se bem que Dionísio ascendeu mui tardiamente. Não vos enganeis: os deuses pagãos eram aristocratas; os deuses atuais são corporativistas.

Eu, inclusive, aproveito esta oportunidade para sugerir a criação de um sindicato. Por que surpresos? Um país que tem um sindicato para cuidar dos interesses dos sindicalistas, por que não um sindicato para atender aos interesses dos magistrados? Imaginai! Se alguém tentar acabar com as mordomias, festas, bebidas, viagens e hospedagens dos togados (eis a presença do 12º deus). A presença de Dionísio torna-se evidente com o fato de nossa Suprema Corte gastar mais do que a Família Real Britânica. A SNM, leia-se Sindicato Nacional da Magistratura, entraria em cena, afinal quereriam afastar Dionísio, um deus. Seria proposta (ameaça), então, uma paralisação total: processos aos milhares parados, sem parecer ou sentença. Ué, nosso judiciário está em greve há quanto tempo?

Porém, o desvio mais gritante em toda essa releitura são as atitudes. Enquanto os antigos deuses tinham opiniões diferentes e a elas mostravam-se fiéis, o que muito tentou explicar a natureza e psique humanas, os novos “deuses”, a depender de interesses ideológicos-políticos, abraçam o conceito de unanimidade. Pasmai: em temas os mais controversos, eles apresentam decisões unânimes. Quanta “interação!” Esqueceram vossas estroinices de que a unanimidade é burra. Outro detalhe: deuses antigos tinham alçadas bem definidas; nossos “deuses” pós-modernos parecem deter todo o conhecimento do mundo, pois sobre tudo pretendem discorrer. Quanta pretensão!  A coisa mais preocupante: essa nova casta, ou melhor, o Novo Olimpo, a contrariar dispositivos e agredir liberdades garantidas, proíbe opiniões e comentários acerca de confessos ladrões, marginais, corruptos, e justifica tais censuras falando em “defesa da democracia”. Lamentável!

Só mais um alerta: Deuses fazem-se homens; a reciproca não é verdadeira!  

sábado, 22 de outubro de 2022

Apenas informações

 

Revisitamos a data de 33 a. C. Depois de quase um século de guerra civil, Roma estava à beira de um colapso. A proposta de Marco Antônio foi separar a República e assumir o Império Romano do Oriente, onde pudesse estar ao lado de sua amada Cleópatra. Otaviano, seu rival, herdeiro de Júlio Cesar, era totalmente contra a divisão da República Romana. Pois bem, ambos os lados deram início a uma guerra propagandística, onde disputavam apoio público e militar. Mas Otaviano revelou-se mestre na propaganda, pois tinha grande capacidade de influenciar o povo e o senado romano. Então tiveram lugar as notícias falsas. Atenção Alexandre de Moraes: as Fake News têm mais de 2000 anos de idade. O que Vossa Escrotância faria? Abriria inquérito? Ordem de prisão ao governante? Censura? Não, claro que não, “o corcunda sabe como se deita”.

De posse de certo documento que, segundo a administração pública de então, continha reivindicações e/ou declarações graves contra Marco Antônio, Otaviano conseguiu jogar todo o povo contra o amante de Cleópatra. Atenção STF: mesmo a contestar a realidade e até a existência de tal documento, magistrado algum da antiga Roma buscou o amparo de novos conceitos, coisas do tipo “Ecossistema de Desinformação”, para interferirem no processo, isso porque tais magistrados, afeitos a sabedoria popular, criam que: “não se deve meter o bedelho onde não se é chamado”.

E com o senado em suas mãos - até mesmo os aliados de Marco Antônio permitiram-se ao fascínio do déspota. Atenção: na época já haviam representantes do modelo de Ciro gomes, Simone Tebet, Geraldo Alckmin, Fernando Henrique Cardoso, etc., etc., etc. Dentre outras coisas, o suposto documento declarava que os três filhos de Cleópatra e Antônio herdariam grande parte do território romano. O filho que Cleópatra tivera com Júlio Cesar, Cesarião, seria o legítimo sucessor do trono de Roma, e não Otaviano, apenas filho adotivo. Todavia, o mais monstruoso aos olhos do povo romano foi o suposto desejo de Marco Antônio ser sepultado no mausoléu dos reis em Alexandria.

Com Marco Antônio e Cleópatra tornados traidores de Roma, começaram as perseguições e a guerra declarada pelo senado romano. Na batalha de Actium, em 31 a. C., Otaviano tornou-se o único governante de Roma e, em 27 a. C., o primeiro imperador, com o nome de Augusto Cesar. Marco Antônio morrera, dizem que em virtude do suicídio. Será? Cleópatra, por sua vez, ao permitir-se picar pela serpente, dirigiu a Otaviano suas últimas palavras: “Não serei levada como uma conquista”.

A título de moral da história: Os eventos se sucederam independente de intromissões. Se, à época, houvesse um simulacro de STF ou algum careca com pretensões autoritárias, teríamos o mesmo desfecho, porque algumas instituições e/ou pessoas, por mais que se autodeclarem como “importantes ou essenciais”, sempre serão tidas por coadjuvantes. O destaque que alguns atribuem a si mesmos, apenas reafirmam suas posições de meros figurantes.

Dixi! Tenho dito!

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Etérea jurisprudência

 

Aquela vizinha chegara ao prédio há pouco mais de três meses. De acordo com as prestações de contas apresentadas pelo síndico, ela nunca pagou um único mês de condomínio. Talvez por isso nunca esteve presente às reuniões. Fontes não oficiais diziam, inclusive, que a família dela estava atolada em dívidas. Ela pouco saia de casa e/ou conversava com vizinhos. Pois bem, essa “senhora” aprontou-me, ou tentou fazê-lo, ainda não sei. Nada pessoal, acredito, pois poderia ser com qualquer um.

Quando a sós - eu e ela - no elevador, a mulher premeu o botão de parada de emergência. Feito isso, aproximou-se lentamente, como se não estivesse muita certa do que fazia. Abraçou-me de modo relutante, beijou-me os lábios e tentou acariciar-me. A interrogar do que se tratava, afastei-a com vagar, para que ninguém pudesse alegar violência. Tive a impressão que algo estava a ser enredado. Uma câmera fora instalada recentemente no elevador; eu o sabia, ela não. Quando, enfim, a cabine abriu-se no andar térreo, a mulher saiu quase a correr.

Dias depois recebi uma comunicação; eu estava sendo acusado de assédio, importunação sexual e tentativa de estupro. Li as declarações prestadas pela vizinha. Disse ela na denúncia que me tinha como um segundo pai, que sempre fora atenciosa comigo e tudo o mais. Contudo, eu confundira a relação e comecei a importuná-la, a forçá-la, até chegar ao desfecho dentro do elevador, e isso graças a ameaças. A temer pela vida ela aquiesceu. Contudo, eu me fiz de arrependido, pois a afastei antes que a conjunção carnal tivesse se concretizado.

A meu advogado entreguei a cópia das gravações da câmera instalada dentro da cabine e aguardei, certo de que me livraria das acusações. Pasmai, dias depois fiquei sabendo do despacho dado pela juíza. O documento exarado pela magistrada falava em “ecossistema de desinformação”, pois, por vezes, as imagens são manipuladas para enganar (ela não solicitara perícia). Manchetes, ilustrações e/ou legendas não mais confirmam conteúdos, além do que conteúdos genuínos podem ser compartilhados com informações falsas.  Meu advogado, na tentativa de explicar-me o que classifiquei de bizarro, falou-me em “desordem informacional”, isto é, a veracidade é incontestável, mas fica refém de inferências erradas. Na verdade, o incontestável pode levar a conclusões indesejáveis.

O que fizeram da ciência jurídica! Ciência??? Conceitos são criados ou pré-arranjados para atingirem objetivos específicos, independente do compromisso com a verdade. Todo um ordenamento jurídico submetido à canalha que busca atender apenas a demandas ideológicas e suas falácias. Afinal, os fabricados e “possíveis vitimizados” precisam de uma proteção legal. E como ficam os interesses do autêntico cidadão e da sociedade como um todo? Infelizmente, atesto que não só bloqueio cognitivo, mas também cinismo e desonra instalaram-se, em definitivo, no âmago de nossas instituições.

Imoral da história: O direito tornou-se somente recurso para cicatrizar deformidades!     

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Dopplegänger

 

O navio chegava em Maracaibo, Venezuela; em breve pegaríamos o prático. Então o alarme soou discreto no console do Centro de Controle da Máquina. De que se tratava? Busquei identificar. Maldição, o nosso destilador desarmara. Que teria acontecido? Até há pouco ele funcionava bem. Apesar da máquina estar em atenção, abandonei o CCM e dirigi-me ao local do destilador. Verifiquei as válvulas e pensei em rearmar o motor localmente, mas percebi o vazamento. O problema fora causado pelo aquecedor: o flange vazava; água em abundância na base do motor elétrico. O aquecedor precisava de manutenção, passar por uma limpeza, ter as juntas dos flanges trocadas...

De volta ao CCM, busquei comunicar-me com o chefe. A aguardar no telefone, folguei com a certeza de que assim que dispensassem a máquina eu estaria liberado. O chefe informou-me que a empresa seria comunicada e que logo em seguida solicitaria um grupo de terra para realizar o reparo. O prático embarcou e pouco depois lançamos o ferro. Pois bem, já no fundeadouro, preenchi relatórios, o diário e passei o serviço. Eu fora rendido por um cara de eterno mau humor. Mas ... fazer o quê? No camarote, optei por relaxar um pouco antes de banhar-me e trocar-me. Deitado de costas sobre o piso, tendo pela frente o armário aberto, eu admirava meu mais novo paisano.

Ergui-me, despi-me e banhei-me. Durante o banho a preocupação em limpar as mãos e as unhas. Examinei o rosto no espelho; estava bem barbeado. Agora era vestir-me e “correr pro abraço” - o que deve ser entendido como pegar a lancha que conduziria a tripulação para o porto, para terra firme. E assim foi feito. Algo em torno de 20 minutos de viagem e estávamos desembarcando em Maracaibo. Se me perguntarem pelo clima local, eu diria, a esbanjar meu portunhol: “Per supuesto una tierra muy caliente”. Sim, há muito eu me entrosara com os maracuchos. E teve lugar o pollo con papas y la cerveza local. Sim, talvez por causa do meu paisano alinhado, las chicas me llamaban muy hermoso. Todavia, devo confessar que eu não estava a procurar por companhia de bellas chicas.

Deixei o bar e os companheiros para ingressar no shopping Fin de Siglo. Eu precisava adquirir alguns itens de higiene pessoal. No entanto, quem se dispusesse a seguir-me naquela moderna “feira de vaidades”, atestaria o meu zanzar desordenado. Eu ia e voltava, olhava vitrines, entrava em lojas, mostrava-me interessado em comprar tênis, roupas, CDs, máquinas fotográficas, relógios, instrumentos musicais, talvez um pet ... Não, eu não era um buyer ou um shopper; nada de compulsão. Sei lá, talvez fosse apenas busca por ressocialização. De repente o tímido cansaço, afinal foram horas de serviço na praça de máquinas. Naquele momento eu queria outro tipo de praça: eu queria ver gente, ver sorrisos, perceber sentimentos; eu queria ver a espontaneidade, liberdade, alegria...

A carência por interagir, talvez, não sei ao certo, guiava-me o olhar de modo voraz. Em verdade, eu buscava quaisquer personagens, indiferentemente se protagonistas, coadjuvantes ou figurantes. E de repente a grande perturbação. Não só o corpo, mas também meu olhar tornou-se fixo. Meu semblante, assim supus, manifestava assombro, confusão. Não sei mensurar o tempo em que permaneci pasmo; era como se eu estivesse pregado ao piso. Lá estava ele: meu Dopplegänger, meu sósia, meu outro eu... Deveria ter a minha idade. Trajava calça jeans e camiseta. Súbito nosso olhar se cruzou. Imagino que tenha experimentado sensação análoga a minha. Ele sustentou o meu olhar. Mantivemo-nos a encarar. Nada desafiador, apenas o querer atestar a descrença no óbvio, no palpável, no crível.

Outra pessoa partilhava sua companhia: uma mulher. Ele ergueu-se e dirigiu-se a mim lentamente. A mulher apenas o seguia com olhos atentos. Eu também desloquei-me em sua direção. Aproximamo-nos, mantivemos o mesmo olhar, o nosso olhar. Paramos um de frente para o outro. Pessoas alheias, creio que por nos ver como gêmeos, esperavam um abraço como desfecho. Mas sequer um sorriso passou por nossos lábios. Ele pensava como eu: sentíamo-nos incomodados porque sabíamos não ser irmãos. Entendíamos aquilo como uma espécie de agressão; nossa imagem fora roubada, nosso eu plagiado. Decorridos alguns poucos segundos, sua voz (ou seria a minha?) murmurou: “Mi nombre es Agustin, soy chileno y no estoy feliz de conocerte”. Estendi minha mão, disse-lhe meu nome, a nacionalidade e o convidei a sentar-se. Sem afetação respondeu-me: “No me gusta”. Girou nos calcanhares e afastou-se.

Bem, ainda a refazer-me do primeiro impacto, pus-me a pensar no inusitado. Não se trata de fenômeno fantasmagórico ou paranormal; não o entendo como prenúncio de má sorte ou existência de possível irmão gêmeo do mal. Nem eu nem Agustin, disso estou certo, vivêramos em universo paralelo ou em mundo bizarro. Tampouco provamos de dimensões alternativas ou do hiperespaço. Por outro lado, há teorias que afirmam a existência de duplos em todo o mundo. A título de exemplo, cito Wolfgang Goethe, dramaturgo alemão, que em sua obra Dichtung und Wahrheit (Poesia e Verdade), declarou ter cruzado com seu duplo, ambos a cavalgar.

Como assimilar, então, tal acontecimento? Eu consegui entender a atitude de Agustin: simplesmente experienciamos o insólito. Eus que se viam como únicos foram infamados. Sentimo-nos como que aviltados, invadidos. Não, não há raiva ou motivo algum para tê-la. Seres humanos são, de alguma forma, identificados. A partir da identidade, os seres mesmos estabelecem suas individualidades. O outro, a irromper de forma inesperada, muito embora a impressionante semelhança, vem, de alguma forma, colocar em cheque a crença naquela específica unicidade.

E assim, embalado pelo cogitar, retornei ao porto. Anoitecera, a lancha deveria estar partindo em pouco tempo; eu necessitava de descanso. Apressei-me. Poucos os tripulantes a retornar para bordo. Escolhi um banco afastado, sentei-me e cerrei os olhos. A lancha manobrou e saiu. Ventos e vagas balançavam-na de modo brusco. Abri os olhos e observei em torno. Logo ali a meu lado, no mesmo assento, deparei-me com a vacilante publicação. Desdobrei o que me pareceu um semanário e li o título de certo artigo: “Solo negándote a ti mismo puedes asimilar al outro”. O interesse conduziu-me à leitura.

 Sim, a individualidade facilmente transforma-se em individualismo. O eu, então, espera que o mundo lhe gravite ao redor. O indivíduo quer postar-se acima dos interesses da própria espécie. Com o individualismo, a vaidade. As pessoas só falam de si mesmas, só veem a si mesmas. Aliás, o presente texto exemplifica tal declaração. E o outro? O mal humorado que me substituíra no serviço, por exemplo. Seria ele, de fato, mal humorado, ou apenas não atendia minhas expectativas, isto é, as demandas do meu eu? Pensei em Agustin, meu Dopplegänger, alguém que acreditei ter furtado meu corpo, meu rosto, meu eu... Hoje, contudo, após pesar a relevância do negar-se a si mesmo, vejo-o como pessoa; querer tê-lo como irmão seria apenas mais um recurso da vaidade. Vanitas vanitatum!

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Imagens

Gente, pus-me a pensar nos líderes mundiais da atualidade. O que está acontecendo? Por onde andam os estadistas? Os veros estadistas, é claro. Hoje temos arremedos de governantes... Se é que podemos chamá-los arremedos. Somos confrontados em nosso dia-a-dia, e vós haveis de concordar, por personagens ... atípicos. E essa atipicidade mostra-se um tanto diversificada, posto que, por vezes, ao observá-los em suas variegadas atuações, somos conduzidos ou à revolta, ou à decepção ou ao hilário. Todavia, vós, e com toda razão, podeis questionar meu entendimento sobre o tema, afinal não sou político, historiador, jornalista, diplomata ou algo que o valha. Enfim, teriam credibilidade as observações de um insipiente e incipiente crítico?

Então, eis minha proposta: até para tornar a temática mais amena, buscando, inclusive, alcançar as mais díspares tendências e visões, procurarei associar os ditos líderes mundiais com as primeiras imagens que me vierem a mente. Feito isso, na tentativa de despir-me de quaisquer preconceitos (como?), apago as luzes e permito que o ambiente seja invadido por música para relaxar. E logo tem lugar o som de uma harpa - estou certo de que não se trata de Davi a serenar Saul. Os arpejos aliviam-me o cansaço, mitigam-me as inquietações, acalmam-me a mente.

E lá vem a primeira visão: Justin Trudeau e a seu lado a imagem de um suricato. A ele junta-se Joe Biden, sem dentadura, a devorar um prato de porridge (papa de aveia). Do outro lado do Atlântico me vem a segunda visão: Liz Truss, ainda menina, de cabelos presos à Maria Chiquinha, cheia de sardas, a chupar pirulito e chamar Margareth Thatcher de titia. O primeiro ministro alemão, Olaf Scholz, em trajes típicos de um estivador, traz nos braços seu cãozinho, uma miniatura da raça Pinscher. E com aquela cara de menino criado por vó surge Emmanuel Macron - não sei bem porque vejo-me diante de um garçon - o que me dá vontade de tomar paquet de soupe à l’oignon (sopa de cebolas em pacote). E surge a terceira visão: da Ucrânia, Volodymyr  Zelensky, de calça curta, suspensório, nariz de palhaço a comer algodão doce. Do outro lado da fronteira, usando estilingue, Vladimir Putin, o típico ginasiano que adora fazer bullying. Uma motocicleta antiga com sidecar invade a cena: a pilotar Xi Jinping, no sidecar está Kim Jong-un e de carona Yoon Suk-yeol. Logo após debocharem da representante de Taiwan, que chegara de bicicleta, puseram-se a lutar muay thai.

Bem, a música chegou ao fim e eu fiquei tentando imaginar que cenário acompanharia personagens que governam ou desgovernam as ditaduras africanas, muçulmanas e as esquerdas latino-americanas. As imagens fizeram-se iguais: fome, miséria e sofrimento.    


domingo, 16 de outubro de 2022

Unidimensional


Comecemos por citar Platão: “O tempo é a imagem móvel da eternidade imóvel”. É dessa forma que o tempo se manifesta, ou seja, como mobilidade. Porém, o que é dar movimento à imobilidade? Bem, parece que, quando melhor observado, descobrimos que o tempo empenha-se em nos pregar uma peça. Santo Agostinho auxilia-nos em equacionar semelhante ilusão, quando analisa as divisões do tempo: presente, futuro, passado. Sim, o tempo pode ser dividido, mas nunca mensurado, medido. O tempo é algo unicamente perceptivo, individual. Seres humanos, maquiados de ciência, pretenderam mensurar o tempo, mas, em verdade, criaram apenas uma convenção; eles simplesmente espacializaram o tempo. Vejamos! O que chamamos presente? Ora, o presente é inextenso. Como encontrar o exato momento do presente? Seria o mesmo que tentar dividir infinitamente um espaço finito. O presente, então, seria apenas uma ocasião intuída. E o futuro? O que é, de fato, o futuro? Futuro é apenas expectativa. Programar o futuro é pretensão; quais e quantas são as variáveis a interferir em acontecimentos vindouros? Estariam os seres humanos dotados de viés adivinhatório? Nesse caso, proponho o termo divinatório, algo típico de um xamã ou próximo da divindade. Honra seja feita: A sabedoria popular nos adverte que “o futuro a Deus pertence”.

E o que nos resta, afinal? A eternidade imóvel: o passado! Esta a única dimensão acessível. Onde está todo nosso conhecimento? No passado. Adquirimos cultura em fontes passadas. Arquivos eternizam o passado. Onde nosso curriculum vitae? No passado? Estai atentos: somos felizes ou infelizes em função do que nosso passado revela. Arriscamo-nos a falar de amor, mas a convivência, as afinidades, a admiração e o respeito, fundamentos essenciais ao vero amor, originam-se num passado, seja ele próximo ou distante. Programamos nosso futuro? Não, buscamos dar solidez ao passado e dele nos locupletamos. Quem somos hoje, erradamente entendido como presente, reflete apenas o que fomos, ontem, anteontem, há um mês, um ano, etc.

A título de inferência, posso então vos declarar: estamos fadados à unidimensionalidade. Todavia, em face desta incômoda circunstância, lancemos mão de recurso eufemístico e declaremos: o viver é adimensional. Nada obstante, descubro, ainda refém da estupefação, que justamente o viver adimensional é o que ou quem dá mobilidade ao imóvel.                      

sábado, 15 de outubro de 2022

Receita de Homeopata


Parece que estamos a revisitar nossa história, só que de modo, digamos ... sui generis. Sim, não mais a fogueira usada como forma de censurar registros escritos que desagradam ideologias vigentes. Não mais testemunharemos a queima de uma Biblioteca de Alexandria, nada mais de expurgo em manuscritos judaicos ou a reedição de uma Inquisição Espanhola a incinerar livros árabes. Hoje em dia, e com mais frequência do que podeis imaginar, autoridades de roupagens negras mandam deletar (remover, apagar) conteúdos, bloquear canais e redes sociais. Eu, por vezes, testemunho influencers, youtubers ou blogueiros mostrarem preocupação quanto a perda de conteúdo, seja no WhatsApp, no Instagram ou em Podcasts. Segundo eles, com a remoção, tais conteúdos estariam totalmente perdidos.

De acordo com o exposto, permito-me, então, sugerir-vos determinado procedimento, proceder este que batizei por “Receita de Homeopata”. Simples, lancemos mão do próprio mal para dele nos protegermos. Todo e qualquer conteúdo publicado em mídia social deve ter cópia grafada. Atenção: não me refiro a digitalização. É bom ter em mente que até a Deep Web pode ser invadida. Evidentemente que a cópia escrita deverá estar arquivada. Investi-vos do espírito de Herzog, personagem de Saul Below: “Essencial é escrever carta, não enviá-la”. Não vos preocupeis doravante com a publicação de tais textos; o conteúdo já foi divulgado, já é de domínio público e já causou algum estardalhaço, o que, segundo os “críticos” pós-modernos, justificaria a remoção ou o bloqueio.

Então vós me perguntais: “E os censores, mesmo assim, não poderiam recolher as anotações e incinerá-las?” Não vos esqueçais, porém, de que estes mesmos bedéis censuradores estão submetidos à ditadura do “politicamente correto”; a hipócrita presunção em rejeitar preconceitos torna-os igualmente hipócritas e, portanto, não lhes permitiriam promover uma caça e/ou queima de registros. Estai atentos a dois detalhes: a) redigir um texto de forma convencional é igual a caixa de fósforos: independente da tecnologia, ela jamais será substituída; b) politicamente correto é recurso hipócrita para fazer imbecis também hipócritas.               


sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Questões pontuais

 


Cada vez mais certifico-me de que toda e qualquer linguagem é apenas um paliativo para a comunicação. Repito: toda e qualquer linguagem; seja ela oral, seja escrita, através de sinais ou de gestos, independentemente de idioma ou cultura. Esse paliar, na verdade, dá-se em face dos conceitos; vocábulos ligam-se a conceitos. E o assimilar conceitos implica uma gama de variáveis, onde a carga valorativa e as crenças particulares exercem papeis fundamentais. Mas os vocábulos mesmos podem criar embaraços para quaisquer linguagens. É onde se revela certo aforismo: A comunicação requer muito boa vontade!  Para melhor entendimento, recorramos a exemplos. É comum, na tentativa de elogiar determinado Estado, fazer-se uso da frase: Em o Estado (país) tal, a justiça é eficiente. Ora, justiça envolve virtude, retidão, prática do que é de direito, o justo, o merecido. Eficiente implica competência, a capacidade de produzir o efeito esperado. Sob rápida análise, fica claro que justiça eficiente é redundância; se a justiça não for eficiente não se tratará de justiça. 

Por outro lado, atentemos às crenças e valores. Nossas opiniões particulares podem nos tornar impermeáveis, insensíveis, fleumáticos. Por vezes, percebe-se algo de impassibilidade em face de esmeradas declarações. Algumas sentenças, mesmo que bem elaboradas, a demonstrar requinte e a extrapolar eufemismos são tidas como injuriosas. Belas frases também ofendem, diria o médio observador, ao pleitear a criação de um novo aforismo. Valores, quando não bem trabalhados, fazem com que pessoas, haja vista suas crenças putativas, rebatam com grosseiras declarações conteúdos pueris e/ou meramente informativos. E mais uma vez o primeiro aforismo se nos revela: A comunicação requer muito boa vontade!

Há, assim me parece, a depender dos envolvidos na relação de comunicação, um desvio de função, ou melhor, a efêmera mudança de significado em alguns vocábulos. A boa vontade reside em questões como: O que fulano, o outro dialogante, espera ouvir? O quanto ele está preparado para ouvir? Que conhecimento ele tem do assunto a ser abordado? O quanto poderá ele assimilar do tanto que tenho a dizer? Parece-me, salvo melhor juízo, que todo diálogo é uma resolução de conflitos. E tem lugar os enganos, as má interpretações, os descuidos, o que pode culminar em inimizades ou mea culpas.

Por que isso? Perguntar-me-eis vós, meus possíveis interlocutores. Atentai: palavras não se resumem a significados; os verbetes apenas elencam possíveis acepções. Há que se fazer necessário a vontade de dialogar, a predisposição a fazê-lo. Muitos não toleram a palestra. Há os que desejam apenas falar e serem ouvidos - na verdade são conferencistas. Um último alerta aos possíveis futuros palestrantes: palavras são eivadas de sentidos e carregadas de intenções. Aqui não se levará em conta se boas ou más intenções, até porque, a sabedoria popular nos alerta de que “O caminho do inferno está pavimentado de boas intenções!”

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Entrevista


Escrevo este texto em sala próxima ao estúdio onde eu acabara de conceder a entrevista de minha vida. Eu estava na Harpo Studios, localizado em West Hollywood, California. Sim, exatamente, estive com Oprah no famoso The Oprah Winfrey Show. E vós me perguntais: Por que? Respondo-vos. Eu fora indicado ao Prêmio Nobel de Literatura. Então posso ouvir vossa expressão interjetiva em uníssono: Prêmio Nobel!? Por que não? Depois que um cantor/compositor de rock fanhoso e um crítico ferrenho (eufemismo para fofoqueiro), pautado unicamente em interesses ideológicos, foram agraciados com o referido prêmio, por que não eu? Creio que o próprio Alfred não concordaria com nada disso, mas ... fazer o quê? Sinais dos tempos. A pergunta seguinte: Por que não concedeste nenhuma entrevista no Brasil? Simples, escolhi manter-me anônimo. Nada de tornar-me celebridade, pessoa pública, com a vida pessoal revirada. Até porque nada me envaidece em minha vida passada. Se bem que, pelo menos em meu país, esta seria a condição sine qua non para alguém ser lançado à condição de Very Important People, um exemplo, um influencer.  

E foi durante a entrevista que acabei por revelar todo meu passado tenebroso. Nada pude esconder de Oprah; além de atriz e jornalista ela é psicóloga e sabe como conduzir a conversa. Abri-me como se em seção terapêutica. Comecei por narrar os pecadilhos quando ainda pequenino. Cresci, e aos pecadilhos tão característicos das condutas religiosas, somaram-se pecadões. A fase da adolescência, sempre responsabilizada por quaisquer desmandos, apequenou-me o caráter. Eu transgredi valores, princípios, condutas. Criminalmente falando, experimentei o furto. Mostrei-me briguento, transgressor, violento. Agredia psíquica e fisicamente, e com alguma frequência, a diversos familiares. Mais não fiz porque faltou-me talento. Como conquistador barato, na verdade um pervertido, trouxe a desgraça para muita gente. Mesmo quando constituí família, dei continuidade aos desmandos e acabei por destruir outras famílias. Como filho, fui péssimo; como marido, um traste; como pai, um fracasso. Nunca fui exemplo para ninguém. Recordo-me de certo tio que chamava-me “marginal”, mesmo quando em tom de chacota.

Arrependido? Perguntar-me-eis. Sim, e muito. Minha vida é uma mentira; eu sou uma farsa; tudo em mim é embuste. O que mais lamento é o afastamento das filhas; certamente tomaram ciência de meus desregramentos, de minhas tropelias. Certa vez, uma namorada (sei lá), alguém com quem desabafei, tentou convencer-me de que minha criatividade, que meus escritos contundentes e originais procediam deste passado que me soava tão vil. É isso, pude constatar: A paixão constrói falácias! Mas perdoai-me, devo interromper e/ou encerrar estas anotações. Meu advogado chegou; outras autoridades acabam de chegar. Autoridades!? Sim, claro, explico-me. O programa que participei foi transmitido ao vivo. Afinal, estamos na era das redes sociais, da informação em tempo real. Alguém em meu país gravou a entrevista bombástica em que confessei a série de crimes. Ainda desconheço um sem número de detalhes, mas um magistrado, o trajar da negra toga, solicitou minha extradição ao governo norte-americano. According to my lawyer, durante o decorrer da entrevista, fui acusado, investigado, julgado e condenado. Incrível como a justiça brasileira é célere!


domingo, 2 de outubro de 2022

A sempiterna revolução

 

Prolegômenos

Por vezes sou invadido por ideias outras: seriam fugas completamente inauditas, o diverso do que fora estigmatizado, algo que beira ao espantoso, que vai bem mais além do anteriormente conceituado. Ponho-me à espreita do inesperado, da notícia furtiva, da verdade mascarada. Quem sabe um novo dogma? Mas a coisa tem a ver com o pensar vivido, com a gama de informações que se nos vão sendo introjetadas. E é aí que surgem, de início, dúvidas; segue-se um sôfrego pesquisar e nova teoria desabrocha a esbanjar peculiaridade.

A história tem mobilidade, é fluida; por vezes lenta, por vezes célere. Mas, não seriam tais aspectos, na verdade, fases de um mesmo fenômeno? Não se trata de completude, de dialética ou algo que o valha. Ocorreria sim, algo como uma pausa, onde a retomada dar-se-ia em novas condições, situações, circunstâncias, indiferente se fortalecimento ou enfraquecimento. Acontecimentos originais vão surgindo e revelam-se como inéditos. Portanto, estou certo de que ainda vivemos uma mesma revolução; alguns episódios nos precederam, de outros participamos e dos próximos, talvez, não mais sejamos testemunhas. É bom frisar que não falo em guerras. Guerras seriam apenas epifenômenos, eventos pontuais. Foco-me em revolução: fenômeno que envolve reformas, transformações, mudanças em estruturas socioeconômica e/ou sócio políticas.

Episódio I

E tudo teve início com o Iluminismo, séculos XVII e XVIII. Dizem as más línguas (e as boas também) que Descartes, pai do racionalismo moderno, foi o primeiro iluminista. E quais seriam os ideais iluministas? Defender a liberdade, o progresso, a tolerância, a fraternidade, os governos constitucionais, o afastamento entre religião e Estado, e o mais importante, a disseminação do conhecimento. Ufa! (falta-me o fôlego) Que coisa linda! Estou pasmo. Mas ... entendo pertinente citar que a primeira loja maçônica teria sido fundada em 1717, a Grande loja de Londres e Westminster. Em 1776, mesmo ano da Independência dos Estados Unidos (quanta coincidência), foi fundada uma sociedade secreta em Ingolstadt, na Alemanha, um dos grupos que atende pelo nome de Illuminati. A Revolução Francesa, efetivamente, foi uma tentativa pretensiosa de realizar os anseios iluministas, visando o fim de privilégios e a queda do absolutismo europeu.

O período de 1789 a 1799 marcou a dita revolução. Nela estavam presentes girondinos e jacobinos, ou seja, direita e esquerda. Os girondinos representavam a alta burguesia, com posições moderadas, nas quais buscavam preservar o poder econômico, até porque temiam que classes populares assumissem o controle da Revolução. A direita queria uma Monarquia Constitucional, a exemplo da Inglaterra, que também tivera sua revolução 100 anos antes (1688). Outro aparte faz-se mister: a classe burguesa teve origem com o fim do feudalismo; muitas famílias foram obrigadas a se transferirem para as cidades mais populosas (os burgos) e lá, livres da corveia, dedicaram-se ao comércio. O surgimento da burguesia, a nova classe, foi simplesmente consequência do fim do feudalismo. Prossigamos. A esquerda, representada pelos jacobinos, isto é, pequena e média burguesia, bem como o proletariado urbano, assumiam posições radicais em benefício da classe oprimida; pleiteavam por uma República.

E tiveram início os embates. Muito embora o lema da revolução: liberdade, igualdade e fraternidade, houve 200.000 mortes, dentre estas 18.000 na guilhotina, inclusive Robespierre, jacobino, representante do terror, a face caótica da revolução francesa. Conseguis perceber o fracasso de semelhante intento? Para se alcançar a fraternidade mata-se 200.000 pessoas. (Falaciosos diriam: pra se fazer omelete alguns ovos têm de ser quebrados). A liberdade aqui tratada está vinculada a liberdade de possuir. Como contemporizar a liberdade de ter, de possuir, com a igualdade? A igualdade é burra. Sociedade igualitária não existe; sociedade igualitária jamais será justa. Justiça, segundo Aristóteles, é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Toda e qualquer sociedade caracteriza-se pela diversidade; a igualdade de possuir deve estar afeita ao mérito, e nunca a uma imposição. E outra: como conjugar a liberdade de possuir com a fraternidade? O ser humano é, por natureza, egoísta.

Episódio II

Do exposto pode-se extrair dois detalhes. Primeiro: comete-se erro crasso ao entender a humanidade sendo detentora de boa índole, como declarara o apátrida Jean-Jacques Rousseau. Segundo: percebe-se aí a inspiração para a proposta de Karl Marx. Fato é que, menos de 50 anos depois (1848), fomos “presenteados” com um Manifesto Comunista. E a falácia marxista, em apontar a sociedade como base determinante nas relações socioeconômicas, busca o respaldo do fracassado e o reiterar da fraqueza e opressão.

O início do século XIX traz-nos a novidade: corrente filosófica declara o conhecimento científico como único conhecimento verdadeiro. Falo do Positivismo; chegou-se a dizer que somente a ciência poderia proporcionar a felicidade e o desenvolvimento humanos. O Brasil incorporou a ideia, pois até uma nova bandeira foi confeccionada com um dos lemas positivistas: “Ordem e Progresso”. Pergunta-se: somos felizes? A falácia, tão criticada por pensadores clássicos, foi assimilada pela filosofia.

Episódio III 

Pois bem, 30 anos depois, creio que não intencionalmente, Wilhelm Wundt lança a psicologia ao nível científico, inclusive com a criação de laboratórios. Ele, Ernst Heinrich Weber e Gustav Theodor Fechner fundam a psicologia experimental, tornando-a independente da filosofia. Todavia, Wundt e Cia. Ltda. não esperavam que a dita ciência fosse utilizada, anos depois, por Sigmund Freud que, em 1895 começou a publicar suas obras. Eis a descoberta dos traumas. Meu Deus, e haja trauma; tudo provoca trauma. A família é fonte de traumas, a educação cria traumas, revoltas, psicoses. Todos os homens têm problemas com suas respectivas mamães; as relações são incestuosas. E tem lugar os complexos: complexo de Édipo, de Don Juan, de herói, de Cinderela, etc., etc., etc. A partir daí estão identificados os fracassados, os sofredores, as vítimas sociais. Tudo que o comunismo queria; doravante a família será demonizada.

Episódio IV

Em 1917, na Rússia, eclode a revolução bolchevique. A finalidade foi colocar o proletariado no poder. Mesmo? E foi isso o que aconteceu? Balela; pura falácia. Um governo provisório totalmente incapaz de retirar a Rússia da I Guerra Mundial e distribuir terras entre os camponeses ensejou o conflito. A população saiu às ruas em São Petersburgo a protestar contra Nicolau II, o czar. Os bolcheviques, que defendiam uma revolução socialista e aspiravam por uma ditadura do proletariado, entendiam que o governo deveria ser entregue aos trabalhadores. Pois bem, liderados por Lenin e Trotsky, organizaram um congresso e tomaram o poder. Primeiro ato do governo bolchevique foi a execução da família imperial. Em novembro de 1917 foram registradas 7 milhões de mortes somente entre camponeses e trabalhadores russos. Lênin, depois de impor uma industrialização e coletivização de terras, perseguiu opositores e minorias étnicas. Os mortos somaram 20 milhões, mortes atribuídas a Stalin, que tomou o poder a partir de 1928. E quando foi que entregaram o governo aos trabalhadores?

Episódio V

No Brasil, os artistas e intelectuais orgânicos afagados e afetados pelo novo modelo (afinal tudo é moda), para não se oporem ao discurso marxista, que apontava a base material como causa da discriminação e separação entre uma elite intelectualizada e proletários, resolveram apelar para o movimento artístico. Refiro-me a Semana da Arte de 1922, onde as deformações tornaram-se obras de arte; o bizarro fez-se alvo de admiração e respeito. Em 1924 inicia-se, na França, um movimento artístico e literário chamado surrealista. André Breton e seguidores entendiam que o pensamento deveria expressar-se apenas guiados pelos recursos do subconsciente (eis o delírio dos pupilos de Freud), a desprezar a lógica ou padrões morais e sociais. A banalização da arte foi de tal monta que, doravante, a arte ficaria refém de intérpretes. Mal sabiam eles que estas primeiras deformidades na poesia, na música, na pintura, etc. desaguaria numa deformidade de caráter a ser imitada pela juventude despreparada. A música experimenta o degrado. De repente a arte começa a manifestar tendências ideológicas. O realismo afasta-se do jornalismo e fica refém da sétima arte.    

Episódio VI

Não coincidentemente, no ano de 1923, estreia uma nova escola: a Escola de Frankfurt, na verdade um Instituto de Pesquisa Social, cujo objetivo seria estabelecer novos parâmetros sociais a partir de uma releitura do marxismo. Ao perceber que os ideais do Iluminismo e do Positivismo haviam falhado, os teóricos da nova escola propuseram-se divulgar teorias críticas contra o capitalismo, bem como atualizar as leituras sobre o marxismo. Herbert Marcuse, um dos pilares da Escola de Frankfurt, chegou a publicar o livro “Eros e Civilização”, na verdade um mix entre marxismo e a sexualidade tão presente na psicanálise de Freud. Em dias atuais, Jürgen Habermas tenta manter de pé os destroços da escola, mas é apenas conhecido como o “Guardião da tumba da escola crítica”.

Episódio VII

Na década de trinta surgem “Os cadernos do cárcere”, de Antonio Gramsci. Este, um dos fundadores do Partido Comunista Italiano, nos anos em que esteve preso, a observar a quantidade de vítimas da ideologia pela qual se encantara, traz um nova proposta para que o comunismo instale-se em qualquer sociedade sem uso da força. A teoria gramsciana defende a disseminação da ideologia marxista de modo lento, a invadir silente e discretamente a educação, a cultura, onde se pressupõe toda e qualquer expressão artística. A proposta de Gramsci está presente em clubes, na família, em reuniões de condomínio e até mesmo dentro das igrejas. Na educação, por exemplo, os gramscianos se valeram de psicologistas para subverterem o aprendizado e enfraquecer os laços familiares.  

Uma fraca ilação

Em face de todo o conteúdo supracitado, pergunto-vos: Até quando assistiremos impávidos os episódios de uma mesma revolução fadada ao fracasso? Atentai ó obscuras mentes: o iluminismo fracassou; ele não iluminou. A liberdade então proposta foi assimilada pelos anarquistas; a liberdade tornou-se libertária, algo como a “liberdade da raposa no galinheiro”. O progresso tem que estar ligado a uma evolução moral, a valores. E a tolerância; qual é o limite da tolerância? Será que a humanidade está pronta para ser fraterna? Estarão os seres humanos aptos para seguirem uma constituição, algo que coloca limites às liberdades? O positivismo foi negativado pelo viés místico, talvez apanágio de todo ser humano. O que fazer? Perseguir as religiões? Banalizá-las? Desmenti-las? Desmoralizá-las? Será que mesmo depois da queda do muro em 1989 e o advento da Nova Ordem Mundial, onde a bipolaridade capitalismo x socialismo deixou de existir, ainda insistirão nesta marmota?

Não vos permiti ao engano! Tanto direita quanto esquerda, girondinos e jacobinos da atualidade, são financiados pelas mesmas grandes e multimilionárias famílias. Rockfellers, Rothschilds, Vanderbilts e similares patrocinam estes e outros episódios da mesma revolução. Globalistas manipulam seus fabricados líderes a bel prazer; eles dizem conviver com todas as manifestações ou ideologias. É mesmo? Quão magnânimos eles são! Observai com alguma atenção: governos são apoiados e banidos, economias experimentam o ápice e a derrocada, criam-se heróis e anti-heróis, mitos e impostores. Nunca as verdades afloram; embustes permeiam nossa existência. Há séculos participamos e assimilamos uma mesma farsa. Entre a primeira e segunda guerras mundiais surge a ideia de construir uma comunidade internacional institucionalizada para alcançar a paz, a reiterar os mesmos ideais iluministas. Todavia, o iluminismo fracassou, a modernidade colapsou, e a pós-modernidade, na tentativa de cobrir os rastros da alquebrada modernidade, caminha a passos largos para um desastre de dimensões globais.

Resta-me assomar vossas consciências com a visão da grande meretriz montada sobre a besta escarlate. “Na sua fronte achava-se escrito um nome, mistério: Babilônia, a grande, a mãe das meretrizes e das abominações da terra”. (Ap. 17:5)