Aquela vizinha chegara ao prédio há pouco mais de três meses. De acordo com as prestações de contas apresentadas pelo síndico, ela nunca pagou um único mês de condomínio. Talvez por isso nunca esteve presente às reuniões. Fontes não oficiais diziam, inclusive, que a família dela estava atolada em dívidas. Ela pouco saia de casa e/ou conversava com vizinhos. Pois bem, essa “senhora” aprontou-me, ou tentou fazê-lo, ainda não sei. Nada pessoal, acredito, pois poderia ser com qualquer um.
Quando a sós - eu e ela - no elevador,
a mulher premeu o botão de parada de emergência. Feito isso, aproximou-se lentamente,
como se não estivesse muita certa do que fazia. Abraçou-me de modo relutante,
beijou-me os lábios e tentou acariciar-me. A interrogar do que se tratava, afastei-a
com vagar, para que ninguém pudesse alegar violência. Tive a impressão que algo
estava a ser enredado. Uma câmera fora instalada recentemente no elevador; eu o
sabia, ela não. Quando, enfim, a cabine abriu-se no andar térreo, a mulher saiu
quase a correr.
Dias depois recebi uma comunicação; eu
estava sendo acusado de assédio, importunação sexual e tentativa de estupro. Li
as declarações prestadas pela vizinha. Disse ela na denúncia que me tinha como
um segundo pai, que sempre fora atenciosa comigo e tudo o mais. Contudo, eu
confundira a relação e comecei a importuná-la, a forçá-la, até chegar ao
desfecho dentro do elevador, e isso graças a ameaças. A temer pela vida ela
aquiesceu. Contudo, eu me fiz de arrependido, pois a afastei antes que a
conjunção carnal tivesse se concretizado.
A meu advogado entreguei a cópia das
gravações da câmera instalada dentro da cabine e aguardei, certo de que me
livraria das acusações. Pasmai, dias depois fiquei sabendo do despacho dado
pela juíza. O documento exarado pela magistrada falava em “ecossistema de
desinformação”, pois, por vezes, as imagens são manipuladas para enganar (ela não
solicitara perícia). Manchetes, ilustrações e/ou legendas não mais confirmam
conteúdos, além do que conteúdos genuínos podem ser compartilhados com
informações falsas. Meu advogado, na
tentativa de explicar-me o que classifiquei de bizarro, falou-me em “desordem informacional”,
isto é, a veracidade é incontestável, mas fica refém de inferências erradas. Na
verdade, o incontestável pode levar a conclusões indesejáveis.
O que fizeram da ciência jurídica! Ciência???
Conceitos são criados ou pré-arranjados para atingirem objetivos específicos,
independente do compromisso com a verdade. Todo um ordenamento jurídico
submetido à canalha que busca atender apenas a demandas ideológicas e suas
falácias. Afinal, os fabricados e “possíveis vitimizados” precisam de uma
proteção legal. E como ficam os interesses do autêntico cidadão e da sociedade
como um todo? Infelizmente, atesto que não só bloqueio cognitivo, mas também cinismo
e desonra instalaram-se, em definitivo, no âmago de nossas instituições.
Imoral da história: O direito
tornou-se somente recurso para cicatrizar deformidades!
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