sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Etérea jurisprudência

 

Aquela vizinha chegara ao prédio há pouco mais de três meses. De acordo com as prestações de contas apresentadas pelo síndico, ela nunca pagou um único mês de condomínio. Talvez por isso nunca esteve presente às reuniões. Fontes não oficiais diziam, inclusive, que a família dela estava atolada em dívidas. Ela pouco saia de casa e/ou conversava com vizinhos. Pois bem, essa “senhora” aprontou-me, ou tentou fazê-lo, ainda não sei. Nada pessoal, acredito, pois poderia ser com qualquer um.

Quando a sós - eu e ela - no elevador, a mulher premeu o botão de parada de emergência. Feito isso, aproximou-se lentamente, como se não estivesse muita certa do que fazia. Abraçou-me de modo relutante, beijou-me os lábios e tentou acariciar-me. A interrogar do que se tratava, afastei-a com vagar, para que ninguém pudesse alegar violência. Tive a impressão que algo estava a ser enredado. Uma câmera fora instalada recentemente no elevador; eu o sabia, ela não. Quando, enfim, a cabine abriu-se no andar térreo, a mulher saiu quase a correr.

Dias depois recebi uma comunicação; eu estava sendo acusado de assédio, importunação sexual e tentativa de estupro. Li as declarações prestadas pela vizinha. Disse ela na denúncia que me tinha como um segundo pai, que sempre fora atenciosa comigo e tudo o mais. Contudo, eu confundira a relação e comecei a importuná-la, a forçá-la, até chegar ao desfecho dentro do elevador, e isso graças a ameaças. A temer pela vida ela aquiesceu. Contudo, eu me fiz de arrependido, pois a afastei antes que a conjunção carnal tivesse se concretizado.

A meu advogado entreguei a cópia das gravações da câmera instalada dentro da cabine e aguardei, certo de que me livraria das acusações. Pasmai, dias depois fiquei sabendo do despacho dado pela juíza. O documento exarado pela magistrada falava em “ecossistema de desinformação”, pois, por vezes, as imagens são manipuladas para enganar (ela não solicitara perícia). Manchetes, ilustrações e/ou legendas não mais confirmam conteúdos, além do que conteúdos genuínos podem ser compartilhados com informações falsas.  Meu advogado, na tentativa de explicar-me o que classifiquei de bizarro, falou-me em “desordem informacional”, isto é, a veracidade é incontestável, mas fica refém de inferências erradas. Na verdade, o incontestável pode levar a conclusões indesejáveis.

O que fizeram da ciência jurídica! Ciência??? Conceitos são criados ou pré-arranjados para atingirem objetivos específicos, independente do compromisso com a verdade. Todo um ordenamento jurídico submetido à canalha que busca atender apenas a demandas ideológicas e suas falácias. Afinal, os fabricados e “possíveis vitimizados” precisam de uma proteção legal. E como ficam os interesses do autêntico cidadão e da sociedade como um todo? Infelizmente, atesto que não só bloqueio cognitivo, mas também cinismo e desonra instalaram-se, em definitivo, no âmago de nossas instituições.

Imoral da história: O direito tornou-se somente recurso para cicatrizar deformidades!     

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