domingo, 16 de outubro de 2022

Unidimensional


Comecemos por citar Platão: “O tempo é a imagem móvel da eternidade imóvel”. É dessa forma que o tempo se manifesta, ou seja, como mobilidade. Porém, o que é dar movimento à imobilidade? Bem, parece que, quando melhor observado, descobrimos que o tempo empenha-se em nos pregar uma peça. Santo Agostinho auxilia-nos em equacionar semelhante ilusão, quando analisa as divisões do tempo: presente, futuro, passado. Sim, o tempo pode ser dividido, mas nunca mensurado, medido. O tempo é algo unicamente perceptivo, individual. Seres humanos, maquiados de ciência, pretenderam mensurar o tempo, mas, em verdade, criaram apenas uma convenção; eles simplesmente espacializaram o tempo. Vejamos! O que chamamos presente? Ora, o presente é inextenso. Como encontrar o exato momento do presente? Seria o mesmo que tentar dividir infinitamente um espaço finito. O presente, então, seria apenas uma ocasião intuída. E o futuro? O que é, de fato, o futuro? Futuro é apenas expectativa. Programar o futuro é pretensão; quais e quantas são as variáveis a interferir em acontecimentos vindouros? Estariam os seres humanos dotados de viés adivinhatório? Nesse caso, proponho o termo divinatório, algo típico de um xamã ou próximo da divindade. Honra seja feita: A sabedoria popular nos adverte que “o futuro a Deus pertence”.

E o que nos resta, afinal? A eternidade imóvel: o passado! Esta a única dimensão acessível. Onde está todo nosso conhecimento? No passado. Adquirimos cultura em fontes passadas. Arquivos eternizam o passado. Onde nosso curriculum vitae? No passado? Estai atentos: somos felizes ou infelizes em função do que nosso passado revela. Arriscamo-nos a falar de amor, mas a convivência, as afinidades, a admiração e o respeito, fundamentos essenciais ao vero amor, originam-se num passado, seja ele próximo ou distante. Programamos nosso futuro? Não, buscamos dar solidez ao passado e dele nos locupletamos. Quem somos hoje, erradamente entendido como presente, reflete apenas o que fomos, ontem, anteontem, há um mês, um ano, etc.

A título de inferência, posso então vos declarar: estamos fadados à unidimensionalidade. Todavia, em face desta incômoda circunstância, lancemos mão de recurso eufemístico e declaremos: o viver é adimensional. Nada obstante, descubro, ainda refém da estupefação, que justamente o viver adimensional é o que ou quem dá mobilidade ao imóvel.                      

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