A princípio o “eu” ilimitado,
totalmente desembaraçado, totalmente desimpedido: o prazer que desconhece
limites. Mas surge o “outro”, a realidade, aquilo que obsta, que faz oposição. O
“eu” é prazer; o “outro” realidade. De Jean Paul Sartre a declaração: “o
inferno são os outros”. Tem lugar o embate, a necessidade da convivência, da
adequação à presença do “não-eu”. Desenvolvem-se os costumes, faz-se mister a
lei, porque em face do “outro”, a realidade, o “eu” pode delinquir. Então
justificam-se as sanções.
A realidade mostra-se-nos contundente,
agressiva. Quando esta, ou seja, o “outro”, revela-se perversa, o “eu” busca
uma fuga. O “eu” em-si é trânsfuga. E sobrevêm os delírios; delírios são nada
mais que recursos utilizados por um “eu” em fuga, o que talvez explique nossas
neuroses. É impossível não ser neurótico; a neurose é um fato.
A paixão, aqui entendida como
inclinação afetiva, algo intenso e incontrolável, é quem governa o princípio de
prazer. E a paixão, apesar do “outro”, tenta saciar-se, enriquecer-se,
repletar-se. O prazer continua a não querer conhecer limites. E de que recurso
pode o prazer valer-se para dar azo a seu desideratum? Da razão. A razão
nada mais é do que um expediente da paixão; é construção tipicamente abstrata,
uma hipóstase. Em verdade, não há divergência entre o apolíneo e o dionisíaco.
Dionísio ainda governa; Apolo, mesmo sem o saber, ou fingindo não sabê-lo, dá
continuidade a obra de Dionísio. A estupidez humana reside na pretensão de colocar
a razão em patamar superior a paixão. E dessa vez me reporto a Nietsche: eis “A
Origem da Tragédia”.
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