Nossa
história tem origem num lugar qualquer, entre o aqui e o nada, desde que seja
abaixo do equador e num ambiente similar ao agreste pernambucano.
Certa
feita, uma senhora sentou-se à sombra da algarobeira visando descansar do sol
inclemente; era uma tarde mormacenta, de ar pesado, parado, sufocante. Ao lado
depositou seu pequeno fardo: um menino de quase três anos, mirrado,
extremamente feio, que mal balbuciava uma meia dúzia de palavras. Seu cabelo era
espigado e de cor negra, os olhos grandes e astuciosos, a cabeça disforme e com
feições rústicas. Enfim: uma monstruosidade. E à sombra do vegetal a pobre
mulher murmurou algo como que uma prece rancorosa. Queixou-se da família já
numerosa, da pobreza, do marido desempregado e sumido, e agora aquele pequeno
gnomo raquítico. A prece ainda se alongou por alguns minutos de lamúria até que
mãe e filho adormecessem.
Uma
fada (fada!?) entendeu de passar exatamente pela margem do caminho onde ambos
repousavam. A fada estacou apavorada. Mas o que era aquilo? – Pobre mãe! –
exclamou a fadinha – como alguém pode acalentar e amar tal aberração? De tão
incomodada, resolveu aspergir suas últimas gotas de poção mágica sobre a cabeça
do menino. Acariciou seus cabelos, que instantaneamente tornaram-se
encaracolados. Girou sobre os calcanhares e seguiu seu caminho de fada.
Algum
tempo depois a mãe despertou experimentando um inexplicável consolo; procurou
pelo filho, e Zacarias Luis (este era seu nome) não estava a seu lado; estava
mais adiante pulando, dando cambalhotas, soltando gargalhadas. Estupefata a mãe
se interrogava: - Mas o que acontecera? O filho não andava, era um moleirão,
preguiçoso, só fazia comer e dormir... E agora aquela atividade... Gritou: -
Zula! (Zula seria um substantivo composto por aglutinação). E o menino
voltou-se e veio correndo a responder: - Sim, mamãe! Sua voz era rouca,
gutural, quase uma agressão. Outra surpresa, pois o menino pouco falava; eram
poucos os vocábulos resmungados. A mãe exultou: - Então meu filho fala! Quis
ouvir outra vez sua voz. E num tom de súplica solicitou: - Fala alguma coisa
para a mamãe, filho, fala... E o filho falou: - Nunca antes nesse país... A mãe
soltou uma gargalhada e uma imprecação.
O
vigário do lugarejo passava neste instante e parou para interrogar: – Por que
tanto riso? A mulher apontou para o filho. – Ali seu padre, aquele monstrinho,
meu filho, mal começou a falar e já está a mentir. O padre explodiu: - Cala-te
mulher! Como podes dizer isto de teu filho? E o menino é tão lindo. Ao dizer
isso passou a acariciar a cabeça de Zula, que sorria debochado. Constrangida, a
mãe conseguiu balbuciar: - Pois o leve, crie-o! O padre com Zula nos braços
concluiu: - Vou criá-lo e dar-lhe uma profissão digna; será torneiro mecânico!
Mas
Zula cresceu indiferente a tudo. Ele queria vencer na vida e não sabia como.
Enquanto torneiro mecânico foi um fracasso, haja vista ter perdido um dedo na
máquina. Mas aproveitou a oportunidade para receber o seguro, filiar-se a um
sindicato e fazer política, tornando-se porta-voz dos metalúrgicos quando o
país vivia sob o regime ditatorial.
Mas
a ditadura acabou, e Zula, conseguindo arrebatar as massas com o carisma
fabricado do encantamento da fada, chegou a Presidente da República. O país vai
bem - economicamente - e graças à “herança maldita”. Hoje Zula é personalidade
internacional, muito embora não tenha aprendido a falar e seu governo ser
eivado de escândalos e de trapaças. O escrúpulo foi banido do léxico. Zula
lançou a ética, a coerência e a sensatez aos porcos, seus iguais,
politiqueiros.
Mês
passado encontrei a fadinha ... coitada. Confessou-me seu arrependimento. Está
doente, desempregada; está recebendo vale gás e bolsa família. Uma
lástima.
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