sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Meu pequeno Zacarias ou parodiando E.T.A. Hoffmann




Nossa história tem origem num lugar qualquer, entre o aqui e o nada, desde que seja abaixo do equador e num ambiente similar ao agreste pernambucano.
Certa feita, uma senhora sentou-se à sombra da algarobeira visando descansar do sol inclemente; era uma tarde mormacenta, de ar pesado, parado, sufocante. Ao lado depositou seu pequeno fardo: um menino de quase três anos, mirrado, extremamente feio, que mal balbuciava uma meia dúzia de palavras. Seu cabelo era espigado e de cor negra, os olhos grandes e astuciosos, a cabeça disforme e com feições rústicas. Enfim: uma monstruosidade. E à sombra do vegetal a pobre mulher murmurou algo como que uma prece rancorosa. Queixou-se da família já numerosa, da pobreza, do marido desempregado e sumido, e agora aquele pequeno gnomo raquítico. A prece ainda se alongou por alguns minutos de lamúria até que mãe e filho adormecessem.
Uma fada (fada!?) entendeu de passar exatamente pela margem do caminho onde ambos repousavam. A fada estacou apavorada. Mas o que era aquilo? – Pobre mãe! – exclamou a fadinha – como alguém pode acalentar e amar tal aberração? De tão incomodada, resolveu aspergir suas últimas gotas de poção mágica sobre a cabeça do menino. Acariciou seus cabelos, que instantaneamente tornaram-se encaracolados. Girou sobre os calcanhares e seguiu seu caminho de fada.
Algum tempo depois a mãe despertou experimentando um inexplicável consolo; procurou pelo filho, e Zacarias Luis (este era seu nome) não estava a seu lado; estava mais adiante pulando, dando cambalhotas, soltando gargalhadas. Estupefata a mãe se interrogava: - Mas o que acontecera? O filho não andava, era um moleirão, preguiçoso, só fazia comer e dormir... E agora aquela atividade... Gritou: - Zula! (Zula seria um substantivo composto por aglutinação). E o menino voltou-se e veio correndo a responder: - Sim, mamãe! Sua voz era rouca, gutural, quase uma agressão. Outra surpresa, pois o menino pouco falava; eram poucos os vocábulos resmungados. A mãe exultou: - Então meu filho fala! Quis ouvir outra vez sua voz. E num tom de súplica solicitou: - Fala alguma coisa para a mamãe, filho, fala... E o filho falou: - Nunca antes nesse país... A mãe soltou uma gargalhada e uma imprecação.
O vigário do lugarejo passava neste instante e parou para interrogar: – Por que tanto riso? A mulher apontou para o filho. – Ali seu padre, aquele monstrinho, meu filho, mal começou a falar e já está a mentir. O padre explodiu: - Cala-te mulher! Como podes dizer isto de teu filho? E o menino é tão lindo. Ao dizer isso passou a acariciar a cabeça de Zula, que sorria debochado. Constrangida, a mãe conseguiu balbuciar: - Pois o leve, crie-o! O padre com Zula nos braços concluiu: - Vou criá-lo e dar-lhe uma profissão digna; será torneiro mecânico!     
Mas Zula cresceu indiferente a tudo. Ele queria vencer na vida e não sabia como. Enquanto torneiro mecânico foi um fracasso, haja vista ter perdido um dedo na máquina. Mas aproveitou a oportunidade para receber o seguro, filiar-se a um sindicato e fazer política, tornando-se porta-voz dos metalúrgicos quando o país vivia sob o regime ditatorial.
Mas a ditadura acabou, e Zula, conseguindo arrebatar as massas com o carisma fabricado do encantamento da fada, chegou a Presidente da República. O país vai bem - economicamente - e graças à “herança maldita”. Hoje Zula é personalidade internacional, muito embora não tenha aprendido a falar e seu governo ser eivado de escândalos e de trapaças. O escrúpulo foi banido do léxico. Zula lançou a ética, a coerência e a sensatez aos porcos, seus iguais, politiqueiros.
Mês passado encontrei a fadinha ... coitada. Confessou-me seu arrependimento. Está doente, desempregada; está recebendo vale gás e bolsa família. Uma lástima.    

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