Meu suicídio é iminente. E
todos, todas, e eu também me pergunto porquê. O vetusto semanário entre as mãos
me leva a estabelecer uma primeira verdade: a notícia é uma necessidade, mas é
igualmente um desmande insano e incoerente.
A estupefação leva-me a
optar por ouvir música; de modo apressado escolho aleatoriamente um CD,
introduzo-o naquele estreito receptáculo e cerro a tampa, pressiono alguns
poucos botões e Judy Garland canta “Over the Rainbow”. Meus olhos voltam-se ao
semanário, percorrem-no um tanto aflitos, um tanto aturdidos. Discordo de
imediato de Platão, pois minha realidade não está dentro, nem está fora da
caverna: está no surreal.
Barak Obama mata um inseto
diante das câmaras e faz questão de apontar para o moribundo numa atitude
simbolicamente eufêmica. Recebe críticas de uma organização pró-animais! Eu já
não sei mais o que é absurdo. Invejo Kafka. Mas continuemos: o mesmo Obama
indica Lula para a presidência do Banco Mundial, num preito ilimitado ao
apedeutismo.
Agora estou certo do que
quero: um suicídio intelectual, se é que algum dia da intelectualidade me fiz
portador. E quero o que quero, por saber o que não quero: jazer compactuado com
a ideologia que dá suporte a uma cínica ignorância. Mas quero um suicídio
diferente, algo passível de tornar-se ditoso; eu quero a comicidade do
suicídio, algo de fazer inveja a Frederico Fellini. E por falar em absurdo, o
CD player agora reproduz os últimos acordes de “Moon River”.
Meu suicídio intelectual
terá como ponto de partida o silêncio, mas não um silêncio passivo ou calado ou
submisso. Não! Meu silêncio será aviltante, ofensivo, escarnecedor;
caracterizar-se-á pela insolência do silenciar. O CD player, depois de um breve
silenciar, permite que Tony Bennett cante “Days of Wine and Roses”. Que
contradição! A contradição é nossa cotidianidade.
Como todo suicida, deixo
por escrito meu último desejo: Não quero homenagens, encômios nem prantos. Sem
a alegria profana preferiria ficar insepulto - e decerto ficaria, pois não
tenho Antígona por irmã. Não quero missas de corpos ausentes e presentes. Eu
quero um churrasco, algo bem brasileiro e tupiniquim. Eu quero a farofa, o
pagode, a “pelada” depois da bebedeira. Eu quero a presença de mulheres
lúbricas e seminuas; eu quero a sistêmica e institucional baixaria. Enfim, eu
quero uma confraternização tipo – e digna – da “Granja do Torto”. Que convidem
políticos, corruptos, inimigos; em suma: a canalha! Quero sorrisos em demasia.
Posso vos garantir: no evento não haverá prantos nem ranger de dentes!
Testamento?! Não, nem mesmo
um legado. A meus filhos - gerados quando ainda havia crença no amor - o pedido
expresso de perdão por tê-los lançado na cômica, insensata e desprezível
dimensão a que chamam mundo. Que meus livros sejam queimados e suas cinzas se
tornem pigmentos de tintas baratas que pintam os muros de terrenos baldios.
Um último pensamento
absurdo ainda passa pela minha confusa e dementada cabeça: ouvir o réquiem de
Mozart. Qual nada! Deixemos Mozart fora disso, dessa torpe bizarria. O CD
player reproduz agora “What a Wonderful World” na voz de Louis Armstrong.
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