Devo começar esclarecendo
que, de início, não falo do amor como manifestação, mas sim como sentimento;
falo da profunda afeição, bem como do objeto dessa afeição; falo do afeto a
pessoas. Não se trata de ágape (a caridade),
nem mesmo de qualquer relação onde se revela a dissimetria, a desigualdade, algo
que estabeleça distinção entre ativos e passivos. Falo de uma filia, ou seja, do amor de amizade, uma
relação de igualdade que encerra uma passível comensurabilidade.
Mas como falar de
sentimentos desvinculando-os de sua expressão? Justamente por ser comensurável,
a ausência de expressões, quando não percebidas por aquele que dele se pretende
objeto, conduze-o a um brando agastamento. Falo em brando agastamento porque,
apesar da irritação, o que busca ser amado - o demandante - sufoca qualquer afecção.
Em se tratando de filia, nenhuma das
partes da relação permite-se uma posição passiva. O amor, neste caso, exige
reciprocidade com igual intensidade. O amor, quando não percebido,
transforma-se em mera expectativa. E a expectativa é cáustica, aberrante, cria
um tempo que se revela como sofrimento. O interessante é que, quando, nesta
relação, uma das partes reconhece-se como pivô da falta de intensidade
recíproca, passa a experimentar certo mal estar, o que deságua no
arrependimento, na crise de consciência, na culpa.
Vejamos: quando viajava pelo
mundo, em conversa com um amigo, confessei que tinha em mente presentear meu
pai com um objeto qualquer. Como esse amigo já perdera seu pai, eu o
interroguei acerca do melhor presente que um pai gostaria de receber. Então ele
respondeu-me, deixando patente enorme pesar: “O melhor presente que um pai quer
receber é a atenção dos filhos. Converse com teu pai em toda oportunidade que
tiver; ela ficará extremamente feliz”. E continuou, demonstrando remorso:
“Quando estudante de medicina, nunca tinha tempo para conversar com meu pai,
embora ele também fosse médico. Hoje sinto vontades de com ele conversar, mas
já não posso desfrutar de sua companhia”. E rematou solene: “Converse com teu
pai o mais que puder!”
Mas eu era um cosmopolita,
um errante, um aventureiro: apanágio da juventude. E a vida seguiu seu rumo de
modo implacável. Hoje sinto falta de conversar com meu pai. Meu pai se foi:
outra dimensão, outra existência, outro lugar, outro patamar, outra vida, outra
das tantas moradas da casa do Pai. Talvez no limbo, quem sabe ao certo? Mas
ainda quero encontrá-lo.
Percebo, e não a
contragosto, que o amor, o sentimento, necessita ser expresso. Sem a expressão
o amor se evola, faz-se mudo, faz-se deficitário, inócuo, sem sentido, faz-se
anômalo, parco, pífio, estúpido, despido de qualquer conteúdo, e, portanto,
indiferente. E a indiferença já não é amor.
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