E lá vem a procissão: fogos de
artifícios, carros de som ao estilo Dodô e Osmar, gente pulando e mãos para o
alto, acompanhando o compasso neurótico de uma música que há muito deixou de
representar o sagrado. Mais uma queima de fogos e a voz do Arcebispo que, de pé
sobre o teto do trio elétrico, abençoa a multidão desvairada e inicia uma Ave
Maria. A oração logo se transforma em cântico; o cântico logo acelera os
compassos, modula, e eis uma Ave Maria pós-moderna, evocada, gritada, rebolada
por apóstatas maquiados de fiéis. Não percebi o lento caminhar que em sentido
teológico significa missão; o abandonar suas casas e anunciar o Evangelho;
seguir os passos de Jesus.
Em termos de agir humano o evento não
me surpreende, mas sim o fato de se conglomerarem em torno da religião, que - pasmem! - com
sua aquiescência, subvertem a própria dogmática. Ora, a procissão implica
cortejo religioso, um préstito, uma marcha solene. Mas o solene, por sua vez,
implica aparato, pompa, o majestoso que infunde respeito. A procissão, em seu
fundamento, envolve a processão, isto é, um modo especial da união do Espírito
Santo com o Padre e o Filho. Pergunto-vos: onde o descrito evento contempla o
solene, o majestoso que infunde respeito?
“Nem todo aquele que me diz Senhor,
Senhor, entrará no Reino dos Céus”. Mateus 7:21. Todavia, quero crer que os
fiéis dançarinos pretendam, de fato, adentrar a morada dos eleitos, e para isso
devem ter se valido de outra exegese para o versículo acima. Talvez a procissão
por mim narrada seja de caráter pagão. Neste caso a procissão precedia os jogos
em Roma, era conduzida por magistrados - hoje Arcebispo - e se dirigiam ao
circo. Os filhos de cidadãos romanos escolhidos seguiam em seus cavalos - agora
no conforto do trio elétrico. Logo em seguida vinham os dançarinos que
representavam sátiros, cada qual satirizando a dança dos demais. Neste caso não
percebo, sequer, um culto de idolatria, mas sim a exteriorização da hipocrisia,
da banalização, de uma devoção fingida.
Sim, a partir do acima exposto,
devo-lhes solicitar um favor, ou um rogo, se assim quiserem: não pretendais
questionar a minha fé ou a minha não fé!
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