Houve uma época - até a morte de
Hegel, em 1831 - que a filosofia sistematizava os problemas. De lá para cá, a filosofia
optou por problematizar os sistemas. Ora, nunca foi escopo da filosofia
responder e/ou resolver problemas, até porque isso é do orbe das ciências. A
filosofia apenas observava o problema e criava hipóteses a serem trabalhadas
tão somente pela razão, nunca com a preocupação de testá-las empiricamente.
Então o pensamento de Descartes, o Pai
da Modernidade, com seu “Discurso do Método”, acredito que originado a partir
do ressentimento com a idade média, experimenta o apogeu. Tal método propagou-se
ubiquamente e inspirou o cientificismo. Doravante, com Condorcet e Saint Simon,
tudo precisou ser testado, ponderado, medido, mensurado. E as ciências
despontam como panaceia para resolver todos os problemas humanos. Pergunto:
resolveu? Não, mas criou a expectativa de fazê-lo. A história submeteu-se ao
método científico; os primeiros escritos de economia também se inclinaram ao
método; a ciência política, através de Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto também
se volta ao estudo empírico; a antropologia também se verga às exigências
científicas através de Taylor, Boaz, Malinowsky e Lévi-Strauss.
A exacerbação do cientificismo deságua
na corrente filosófica do positivismo fundado por Auguste Comte. E neste surto
positivista sucumbem a psicologia, a pedagogia, o direito, etc. A psicologia
positiva, rebatizada de psicologia social, passa a conduzir o pendão do
compromisso em tornar possível - e por que não obrigatória - a felicidade
humana; a pedagogia positiva, aliada à psicologia positiva, vem enaltecer o
valor utilitário da educação; o direito positivo, por sua vez, busca explicar o
fenômeno jurídico através das normas impostas por uma autoridade soberana,
olvidando o Espírito das Leis e desterrando a sábia e sensata equidade.
E a filosofia? Bem a filosofia sofre
uma forte pressão da nova ciência que dela se originou: a sociologia, que se
justifica pelas graves modificações sociais advindas das Revoluções Industrial
e Francesa, bem como do iluminismo. Em verdade, a sociologia é nada mais do que
o emprego do método científico na filosofia política. Todavia, a sociologia
tenta superar a filosofia, calá-la. Poder-se-ia, fazendo uso da analogia, falar
em uma espécie de parricídio, isto é, o rebento que tenta não só superar, mas descaracterizar,
desautorizar e desmoralizar o próprio pai. A sociologia envaidecida torna-se
jactanciosa e obriga-se em encampar todas as humanidades.
Para fugir da crise que se instaurara
a partir de sua própria criação, - o rebento que tem por nome sociologia - a
filosofia diligencia-se e arrisca uma auto superação. A filosofia diz-se,
então, analítica, algo pautado no empirismo e busca analisar e descrever os
conceitos filosóficos. Daí surge ramificações: O Círculo de Viena bane a metafísica
com o positivismo lógico; a Escola de Frankfurt, também neopositivista, reveste-se
do idealismo marxista e igualmente humanista. Do materialismo dialético de Marx
emerge uma Filosofia da Práxis que contempla o agir individual e social. Mas
ainda podemos citar algo pós-moderno: a Filosofia da Libertação, também
conhecida como filosofia sul-americana, um amálgama messiânico que aquiesce a Teologia
da Libertação. E para cumular - acreditem - alguém propôs uma Filosofia Clínica.
O que se pode perceber é que a
filosofia mesma perdeu seu foco. Na tentativa de se fazer ciência, adentrou por
caminhos mais obscuros do que quando simplesmente pensava e repensava os fenômenos
a ela submetidos. Muito embora a pretensão do status de ciência, a filosofia
ainda não responde ou resolve problema algum, não porque seja seu intento
preservar o vetusto questionar, mas simplesmente porque não sabe o que
responder. A filosofia parece ter firmado um determinado pacto com Proteu, a
figura mitológica que tinha por característica mudar de face para não se
envolver com qualquer questão. A filosofia moderna e contemporânea criou
clichês para se furtar a qualquer exposição, e com isso programou sua própria
banalização.
Meus possíveis e atentos leitores
poderiam se perguntar: “Afinal, qual a finalidade deste sermão enciclopédico?”
E eu lhes responderia de pronto: o propósito deste breve texto é propor a
modificação do ícone filosófico. Esqueçamos, portanto, a coruja, ave de hábitos
noturnos, solitária, que na mitologia grega significa a reflexão, o
conhecimento racional e intuitivo, e elejamos o camaleão, animal que se move
lentamente, usa a língua - esta célere - para apanhar sua presa, e com o
recurso da camuflagem, furta-se a qualquer presença que lhe seja estranha. Eis
a filosofia pós-moderna e sua respectiva imagem: lenta, viscosa, dissimulada e
que usa somente a língua - retoricamente forjada - para esquivar-se de seus
oponentes. Pobre filosofia!
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