domingo, 25 de agosto de 2013

A coruja e o camaleão


Houve uma época - até a morte de Hegel, em 1831 - que a filosofia sistematizava os problemas. De lá para cá, a filosofia optou por problematizar os sistemas. Ora, nunca foi escopo da filosofia responder e/ou resolver problemas, até porque isso é do orbe das ciências. A filosofia apenas observava o problema e criava hipóteses a serem trabalhadas tão somente pela razão, nunca com a preocupação de testá-las empiricamente.

Então o pensamento de Descartes, o Pai da Modernidade, com seu “Discurso do Método”, acredito que originado a partir do ressentimento com a idade média, experimenta o apogeu. Tal método propagou-se ubiquamente e inspirou o cientificismo. Doravante, com Condorcet e Saint Simon, tudo precisou ser testado, ponderado, medido, mensurado. E as ciências despontam como panaceia para resolver todos os problemas humanos. Pergunto: resolveu? Não, mas criou a expectativa de fazê-lo. A história submeteu-se ao método científico; os primeiros escritos de economia também se inclinaram ao método; a ciência política, através de Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto também se volta ao estudo empírico; a antropologia também se verga às exigências científicas através de Taylor, Boaz, Malinowsky e Lévi-Strauss.

A exacerbação do cientificismo deságua na corrente filosófica do positivismo fundado por Auguste Comte. E neste surto positivista sucumbem a psicologia, a pedagogia, o direito, etc. A psicologia positiva, rebatizada de psicologia social, passa a conduzir o pendão do compromisso em tornar possível - e por que não obrigatória - a felicidade humana; a pedagogia positiva, aliada à psicologia positiva, vem enaltecer o valor utilitário da educação; o direito positivo, por sua vez, busca explicar o fenômeno jurídico através das normas impostas por uma autoridade soberana, olvidando o Espírito das Leis e desterrando a sábia e sensata equidade.

E a filosofia? Bem a filosofia sofre uma forte pressão da nova ciência que dela se originou: a sociologia, que se justifica pelas graves modificações sociais advindas das Revoluções Industrial e Francesa, bem como do iluminismo. Em verdade, a sociologia é nada mais do que o emprego do método científico na filosofia política. Todavia, a sociologia tenta superar a filosofia, calá-la. Poder-se-ia, fazendo uso da analogia, falar em uma espécie de parricídio, isto é, o rebento que tenta não só superar, mas descaracterizar, desautorizar e desmoralizar o próprio pai. A sociologia envaidecida torna-se jactanciosa e obriga-se em encampar todas as humanidades.

Para fugir da crise que se instaurara a partir de sua própria criação, - o rebento que tem por nome sociologia - a filosofia diligencia-se e arrisca uma auto superação. A filosofia diz-se, então, analítica, algo pautado no empirismo e busca analisar e descrever os conceitos filosóficos. Daí surge ramificações: O Círculo de Viena bane a metafísica com o positivismo lógico; a Escola de Frankfurt, também neopositivista, reveste-se do idealismo marxista e igualmente humanista. Do materialismo dialético de Marx emerge uma Filosofia da Práxis que contempla o agir individual e social. Mas ainda podemos citar algo pós-moderno: a Filosofia da Libertação, também conhecida como filosofia sul-americana, um amálgama messiânico que aquiesce a Teologia da Libertação. E para cumular - acreditem - alguém propôs uma Filosofia Clínica.

O que se pode perceber é que a filosofia mesma perdeu seu foco. Na tentativa de se fazer ciência, adentrou por caminhos mais obscuros do que quando simplesmente pensava e repensava os fenômenos a ela submetidos. Muito embora a pretensão do status de ciência, a filosofia ainda não responde ou resolve problema algum, não porque seja seu intento preservar o vetusto questionar, mas simplesmente porque não sabe o que responder. A filosofia parece ter firmado um determinado pacto com Proteu, a figura mitológica que tinha por característica mudar de face para não se envolver com qualquer questão. A filosofia moderna e contemporânea criou clichês para se furtar a qualquer exposição, e com isso programou sua própria banalização.

Meus possíveis e atentos leitores poderiam se perguntar: “Afinal, qual a finalidade deste sermão enciclopédico?” E eu lhes responderia de pronto: o propósito deste breve texto é propor a modificação do ícone filosófico. Esqueçamos, portanto, a coruja, ave de hábitos noturnos, solitária, que na mitologia grega significa a reflexão, o conhecimento racional e intuitivo, e elejamos o camaleão, animal que se move lentamente, usa a língua - esta célere - para apanhar sua presa, e com o recurso da camuflagem, furta-se a qualquer presença que lhe seja estranha. Eis a filosofia pós-moderna e sua respectiva imagem: lenta, viscosa, dissimulada e que usa somente a língua - retoricamente forjada - para esquivar-se de seus oponentes. Pobre filosofia! 

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