Certa vez, e a meu ver de maneira infeliz, Caetano Veloso declarou que “só é
possível filosofar em alemão”. O que percebo, e não casualmente, é que nossa
língua não é bem explorada. O povo desacostumou-se de usar o dicionário, talvez
porque seja mais elegante - fashion -
usar um termo estrangeiro. Todavia, o uso de tais termos se volta mais a uma
subserviente preocupação estética, à esnobe e pseudo elegância das expressões.
E como tudo que carece de suposta elegância sai de moda, alguns verbetes,
locuções e sinônimos de nossa linguagem foram taxados de arcaicos, e, portanto,
evitados.
Ao contrário do que o leitor possa
pensar, nada tenho contra tal recurso, desde que nosso léxico careça de termo
preciso para manifestar o pensamento. Chico Buarque, em outra infeliz
declaração, proferiu: “Nossa língua é periférica”. Enfim, nossa língua é tida
por marginal, secundária? Ora Chico, seus poemas contrariam sua declaração. E
qual ou quais seriam as línguas principais? Isso me parece ser mais uma questão
cultural; uma cultura que se vê como periférica; cultural porque ainda não se conseguiu
um meio eficaz para que a nação se desvencilhe do estigma de colônia. Nossa
língua, repito, é extremamente rica; falta somente ser mais bem estudada.
Pode-se especular também que o
problema reside na alcunha - também um estigma - que envolve o uso do
dicionário. “Pai dos burros”, diria a falsa intelectualidade. E as pessoas
resistem em apelar para os vocábulos disponíveis em sua própria língua. Contudo,
a leitura, o estudo descompromissado do dicionário me tem sido de valor
inestimável. Não podeis imaginar a quantidade de palavras que, apesar de soarem
estranhas, empoeiradas, podem vir a preencher uma suposta carência, e, por isso
mesmo, infamar o uso do termo estrangeiro. E foi exatamente no dicionário que
encontrei inspiração para escrever essa pequena crônica ortográfica.
Em uma de minhas pesquisas voltei-me à
homofonia. Coser e cozer são ótimos exemplos, mas ainda podemos falar em senso
e censo, conserto e concerto, paço e passo, assento e acento, cem e sem etc. Não
obstante, percebi que a homofonia dá-se mais amiúde quando na utilização do S e
C. Então, recôndita, oculta (e por que não ignorada?) descortino certa homofonia
entre os termos incipiente e insipiente. Ora, a incipiência (com C) aplica-se
ao principiante, ao inexperiente; já a insipiência (com S) volta-se ao
ignorante, ao néscio.
Bem, por uma questão unicamente
didática, proponho-me, então, a exemplificar empiricamente tais vocábulos. Ora,
a homofonia em questão é aplicada a seres humanos. Mas a que tipo de seres
humanos? Sem muita demora me surge a imagem do político. Sim, lidamos com
políticos, que tanto podem ser investidos de uma insipiência quanto de uma
incipiência, isto é, ou ignorantes ou inexperientes (ingênuos). Aqui se pode
falar em escolha. Contudo, insipiências ou incipiências, que deveriam nortear
nossas escolhas, são mascaradas pela propaganda política regida por marqueteiros.
O insipiente se mostra um sábio; o incipiente mascara sua inexperiência.
Excitado com minha descoberta,
permiti-me provocar comoções na ortografia - talvez a pretensão de neologismos.
Que tal, em se tratando de nossa “casta” política, cunharmos os termos
inscipiente - o S antes do C - e incsipiente - o C antes do S? Isso teria a
finalidade de condensar num mesmo vocábulo a inexperiência e a ignorância, No
entanto, levando em conta a colocação das consoantes, teríamos, por exemplo, o
inscipiente, ou seja, aquele que antes de ser inexperiente já reflete
ignorância. Se se tratasse de um incsipiente, estaríamos às voltas com alguém
em que a inexperiência (ingenuidade) precederia a ignorância.
Por certo, algum meu desafeto diria,
“Os termos são quase correlativos e quase redundantes, pois que a inexperiência
traduz-se na ignorância, e a ignorância, por sua vez, tem por fundamento a
inexperiência”. Eu diria perfeita tal admoestação, no entanto, devo reclamar a
atenção do possível êmulo, que, em se tratando de políticos, e levando-se em
conta os antônimos dos vocábulos envolvidos na homofonia teríamos: a
experiência em contato com a ignorância potencializa esta última. Já a não
ignorância aplicada à inexperiência manifesta-se como nefasta liderança.
Quando falo em uma questão de escolha,
não me reporto à escolha de políticos, mas sim ao tipo de políticos,
indiferentemente se grafados com C, com S, com SC ou se com CS. E o que fazer? Não
há alternativas disponíveis. A única sugestão pertinente seria um debruçar-se com
afinco sobre o dicionário em busca de terminologias apropriadas que possam
exprimir nossa revolta.
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