Foi uma mensagem breve, sucinta, na qual eu noticiara a moenda recém adquirida e instalada, a cana colhida, o sumo extraído e o quanto essa “paisagem” estaria vinculada à minha infância e adolescência. Em verdade, a “paisagem” de que falo é nada mais que memória; memória involuntária ligada a imagens, cheiros e sabores. Eu, ciente de minha não originalidade, pois que Marcel Proust, através do aroma das madeleines pode reviver toda sua infância, surpreendi-me sobremodo foi com a repercussão dentre os familiares, pois que a todos a narrativa despertou sentimentos tão homogêneos. Não estou bem certo tratar-se de uma confraria ... talvez uma irmandade, um sodalício ou algo que o valha. O fato é que há um laço em comum, inconsciente por certo, a nos unir, irmãos e primos nascidos nos idos dos anos cinquentas e membros de uma mesma família.
E lá estávamos nós, pequenos,
encantadoramente irresponsáveis, a nadar no córrego próximo, a correr pela pequena
chácara, a perseguir aves, a subir, dependurar e balançar em árvores. A
amendoeira a sustentar um bando de meninos em seus galhos. As mães e a avó, aos
gritos, a exigir um mínimo de correção em face das provocações dentre a
pirralhada; os pais e o avô a instalarem a moenda manual. E foi extraído o
primeiro caldo; todos queriam ser os pioneiros a provar do néctar da cana de
açúcar. Os pais se revezavam no exercício estafante proposto pela moenda e sua
finalidade; sempre havia alguém que gostaria de beber mais um pouquinho. E
junto a tudo isso vinha a amizade, a alegria, a descontração, a camaradagem, o
respeito... Eis a origem do inequívoco e irrefletido laço.
Aqui volto a pensar em Proust; ele
estava “Em busca do Tempo Perdido”. Eu não, e creio que nenhum de nós, membros
da suposta confraria, entenderá o tempo, o nosso tempo, como perdido. Os que
permearam aquele tempo, nossos ascendentes, foram personagens exemplares. O
agradável da memória é a consciência que temos dela. Esta consciência, por
certo, é quem estimula o irrefletido, a espontaneidade da pretendida confraria.
Preocupações com o tempo passado? Não, mas com o tempo futuro. Por que? Que imagens,
aromas e sabores norteiam, acompanham e acompanharão as novas gerações? Que mensagens,
cheiros e paladares vamos legar a nossos descendentes?
Bem, perante a similaridade de
sentimentos incitados por minha proto narrativa, a responsabilizar-me,
inclusive, pelo bem estar dos familiares/personagens e leitores deste breve
texto, afirmo-vos de que o açúcar contido na cana não é refinado e possui baixo
índice glicêmico. Ficai, portanto, à vontade quanto à degustação. Nada obstante,
muito embora não consigamos transmitir o vivenciado, busquemos, pelo menos, repassar
nossos sabores e aromas de modo a torná-los vívidos às gerações seguintes.
Lembro bem da moenda. Por muitas vezes só bebíamos caldo de cana.
ResponderExcluirTempo bom
Moenda, avós, primos, casa da vó Hannah, vô Dario com seus livros. O riacho cristalino, as árvores frutíferas... obrigada, primo por me fazer relembrar!
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