Eu
fora convidado para o churrasco daquela tarde de domingo. Parece-me que
comemorava-se o aniversário de alguém. Ou seria um “bota fora”? Mas a
domingueira prometia, haja vista a cerveja gelada, que apesar de ostentar o subtítulo
de “o sabor de Amsterdam”, não faz da capital holandesa uma referência,
principalmente no que tange à higiene. Mas podia-se degustar certa cachaça de
primeira linha, uísques que, em termos de idade, variavam da pré-adolescência a
maioridade penal. Isso sem contar com as carnes, petiscos variados, pastas,
saladas, caldos, etc.
Um
detalhe, no entanto, se me fugira a atenção - aqui faço uma espécie de “mea
culpa”: o festim reunia somente comensais de esquerda. E eu lá, perdido,
inocente, cândido, a divagar em meio ao lauto banquete. A descoberta de que eu
partilhava do repasto com a glutonaria da “esquerda caviar”, deu-se de modo
atípico. Sim, a atipicidade é o que faz com que uma narrativa mostre-se
agradável, já que a tipicidade remonta ao cotidiano.
Mas
não percamos mais tempo; vamos ao inusitado: sobre a mesa monástica - talvez em
função da flagrante e bizarra relação entre esquerda e catolicismo - jazia uma
daquelas pequenas e potentes caixas de som. Ora, para que a música fornecesse
um pano de fundo ao glamoroso festejo, bastaria que qualquer aparelho celular,
evidentemente com sinal de internet e dispositivo Bluetooth, se conectasse ao
aplicativo Youtube. E foi com esse espírito que aproximei-me de uma das moças
presentes. Não obstante, eu me recomendava extrema cautela para que a abordagem
não fosse interpretada como assédio. Felizmente, a demonstrar bom senso, a
jovem revelou-se prestimosa ao pegar no próprio aparelho e o manusear, de modo
a torná-lo apto a fornecer o fundo musical. Feito isso, consultou-me acerca do
que eu gostaria de ouvir, já que não dispunha de uma play list. Então eu
manifestei meu desejo dizendo o título da canção, bem como o respectivo autor.
Com um sorriso contrafeito, a moça segredou-me: – “Esse compositor não é
bem-vindo, e não seria pertinente neste momento”. Surpreso, eu ainda a
questionei: – “Por que? É por se tratar de um samba?” Ela sorriu um daqueles
sorrisos que as mamães disponibilizam quando compreendem e perdoam as falhas
dos seus rebentos, o que fez com que eu me sentisse um verdadeiro idiota, para
atalhar: – “Não, é porque este autor tem manifestado o pensamento da direita”.
Bem,
eu sei que tal postura não merece comentários, todavia, do alto da minha cabal
ingenuidade, arrisco-me: Vivendo e aprendendo! Eu não sabia que a arte em si
abriga ideologias.
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