quarta-feira, 5 de junho de 2019

Olhares



A abordagem filosófica do tema não é inusitada; Sartre já o examinara com propriedade em sua obra o Ser e o Nada. Na análise do filósofo, o olhar revela-se como algo invasivo, vigilante, acusador, fazendo presa de inquietação aquele que se torna objeto do olhar, o que causa embaraços, inclusive, à própria liberdade, pois que esta vê-se limitada. Porém, longe de espelhar-me no exemplar existencialista e seu característico existencialismo, busco analisar os olhares pelo estrito ângulo da estética das emoções. Seria isso possível? Vejamos!

Já faz uns bons anos, eu desempenhava a grata e quase estéril profissão de professor em instituição particular de ensino. Era próxima a hora do almoço; eu caminhava a passos rápidos pelos corredores da faculdade. Tinha a cabeça a mil. Sim, preocupações as mais variadas ocupavam-me os pensamentos. Acredito que exibia um semblante tenso, carregado. Alunos cruzavam o extenso corredor; alguns me cumprimentavam, outros preferiam me desconhecer. Eu sequer os via, haja vista a imersão em meus receios e lucubrações. Todavia, uma aluna, cujo nome não me recordo, ao aproximar-se, chamou-me pelo nome e saudou-me com um olhar cintilante, algo que irradiava alegria, positividade, confiança, uma pureza intata, serenidade. Pareceu-me que ela também sorria, não sei ao certo. Talvez o alcance e profundidade de seu olhar a fizesse parecer que sorria. Ela seguiu seu caminhar pelo longo corredor, deixando-me refém daquele olhar e totalmente liberto das inquietações.

Recentemente, caminhava eu pela rua deserta do bairro, desta feita de modo lento, apatetado. Sim, eu precisava fazê-lo, pois a vida de aposentado me angustia; eu busco um afazer qualquer, e como não o encontro, determino-me a andar. Claro, é um caminhar lento, sem destino ou objetividade. É algo patético... Não há nobreza, não há dignidade num caminhar erradio. Mas eu assim o fazia e faço. Chego à esquina de uma rua qualquer: um portão aberto, displicente, inconsequente. Aproximo-me. Uma mulher nova, não diria bela, mas com algum atrativo surge à minha frente. Olhou-me, buscou um sorriso e desejou-me ou decretou-me um Bom Dia! Seu olhar encabulou-me. Não, não tinha pureza, positividade ou alegria; tudo nele era impudicícia, era agressão, era subterfúgio. Era um olhar que precisava da companhia de um sorriso, pois que na ausência deste, aquele mostrar-se-ia torpe. O olhar era de tal modo luxurioso que fazia do sorriso uma mera irrisão.

Hesitante, respondi ao Bom Dia, se bem que aquele olhar ofendera-me. Senti-me devassado em minha patente oclusão, em meu espontâneo obscurecimento. Aquela estranha tentava reconduzir-me a uma dimensão que eu abominava. Então recordei-me de Sartre, pois até mesmo a liberdade consciente de sentir-me nada fora aviltada.

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