A abordagem filosófica do tema não é
inusitada; Sartre já o examinara com propriedade em sua obra o Ser e o Nada. Na
análise do filósofo, o olhar revela-se como algo invasivo, vigilante, acusador,
fazendo presa de inquietação aquele que se torna objeto do olhar, o que causa
embaraços, inclusive, à própria liberdade, pois que esta vê-se limitada. Porém,
longe de espelhar-me no exemplar existencialista e seu característico
existencialismo, busco analisar os olhares pelo estrito ângulo da estética das
emoções. Seria isso possível? Vejamos!
Já faz uns bons anos, eu desempenhava
a grata e quase estéril profissão de professor em instituição particular de
ensino. Era próxima a hora do almoço; eu caminhava a passos rápidos pelos
corredores da faculdade. Tinha a cabeça a mil. Sim, preocupações as mais
variadas ocupavam-me os pensamentos. Acredito que exibia um semblante tenso,
carregado. Alunos cruzavam o extenso corredor; alguns me cumprimentavam, outros
preferiam me desconhecer. Eu sequer os via, haja vista a imersão em meus
receios e lucubrações. Todavia, uma aluna, cujo nome não me recordo, ao
aproximar-se, chamou-me pelo nome e saudou-me com um olhar cintilante, algo que
irradiava alegria, positividade, confiança, uma pureza intata, serenidade.
Pareceu-me que ela também sorria, não sei ao certo. Talvez o alcance e
profundidade de seu olhar a fizesse parecer que sorria. Ela seguiu seu caminhar
pelo longo corredor, deixando-me refém daquele olhar e totalmente liberto das
inquietações.
Recentemente, caminhava eu pela rua
deserta do bairro, desta feita de modo lento, apatetado. Sim, eu precisava
fazê-lo, pois a vida de aposentado me angustia; eu busco um afazer qualquer, e
como não o encontro, determino-me a andar. Claro, é um caminhar lento, sem
destino ou objetividade. É algo patético... Não há nobreza, não há dignidade
num caminhar erradio. Mas eu assim o fazia e faço. Chego à esquina de uma rua
qualquer: um portão aberto, displicente, inconsequente. Aproximo-me. Uma mulher
nova, não diria bela, mas com algum atrativo surge à minha frente. Olhou-me,
buscou um sorriso e desejou-me ou decretou-me um Bom Dia! Seu olhar
encabulou-me. Não, não tinha pureza, positividade ou alegria; tudo nele era
impudicícia, era agressão, era subterfúgio. Era um olhar que precisava da
companhia de um sorriso, pois que na ausência deste, aquele mostrar-se-ia
torpe. O olhar era de tal modo luxurioso que fazia do sorriso uma mera irrisão.
Hesitante, respondi ao Bom Dia, se bem
que aquele olhar ofendera-me. Senti-me devassado em minha patente oclusão, em
meu espontâneo obscurecimento. Aquela estranha tentava reconduzir-me a uma dimensão
que eu abominava. Então recordei-me de Sartre, pois até mesmo a liberdade consciente
de sentir-me nada fora aviltada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário