No auge do discurso que exorbita a
tolerância, ou melhor, que prega o ir mais além na deferência ou flexibilidade
com o que não se quer ou pode impedir; que preconiza o bom ânimo às opiniões
opostas, nosso organismo mostra-se avesso, discordante. Nosso organismo
revela-se como intolerante. Por que um êmulo doméstico diante do universo
cientificista? O que teria tornado nosso corpo em adversário? É de nossa
natureza ser contrário às circunstâncias fático-sociais? Ou estaríamos, de
fato, sendo manipulados pelo cientificismo? O importante é que, pelo menos no
que tange ao modismo do ser humano saudável midiático, nosso corpo desenvolveu intolerâncias:
intolerância à lactose; intolerância ao glúten. O risível é que as pessoas -
corroboradas por um desajeitado cientificismo - associam as atuações sociais e
os imperativos estéticos a doenças. A intolerância à lactose está diretamente
vinculada ao flatos, ou melhor, aos que liberam gases sistematicamente após a
ingestão de derivados do leite. O flatoso, portanto, está perdoado; trata-se de
uma doença. A intolerância ao glúten, por sua vez, tem a ver com a obesidade.
Mas os infelizes não conseguem desenvolver bons hábitos alimentares. Logo, o
gordo - obeso é nada mais que um eufemismo - também está perdoado.
Eis o curioso: nosso corpo desenvolveu
a intolerância, enquanto nosso “ser” social aspira por tolerância. Quanta
ambiguidade em um único e insignificante vivente! Enfim, seria esta uma
mensagem subliminar da natureza mesma? Isto é, algo como um aviso que insta por
nos tornarmos e demonstrarmos nossa ignota intolerância? Ou o cientificismo,
aliado aos interesses laboratoriais, empresariais, busca condicionar e mover os
cordões com que conduzem as marionetes, a grande manada humana? Ora, as
empresas farmacêuticas continuam a lucrar com os que se convencem que são
intolerantes; as empresas alimentícias aumentam sobremodo seus lucros com os
que se propõem a uma alimentação alternativa. Coincidências? Não, eu acredito
em propósitos. E, por favor, não me venham falar em pesquisa científicas ou
similares; depois da ênfase na teoria da terra plana, tudo cai por terra.
Nada obstante, descobri que tenho
algumas intolerâncias: socialmente, sou intolerante ao existir humano e seus
expedientes mesquinhos para acumular lucro, louros ou glória; fisiologicamente
- e aqui espero enriquecer e tornar-me celebridade - sou intolerante a
glutamina. Sim, trata-se de um aminoácido não essencial, abundante no plasma e
que pode ser sintetizado pelo organismo a partir de outros aminoácidos. E como
descobri tal moléstia? Simples: com quase 70 anos, jamais tenho desgaste ou canseira física, minha
imunidade é sempre ótima, dificilmente adoeço. Ora, por certo tenho alguma
coisa de errado. No mundo hodierno deve-se, por vezes, apresentar fadiga,
mostrar-se indisposto, com imunidade baixa e ter os nutrientes não absorvidos.
Este meu “incômodo” é causado pela intolerância à glutamina.
Bem, espero sinceramente ser procurado
por algum laboratório farmacêutico, quem sabe para obsequiar-me com algum
lucro. E no medicamento estará estampado: No combate aos efeitos negativos da
Glutamina. “Se os sintomas persistirem, o médico deverá ser consultado”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário