domingo, 9 de junho de 2019

Uma história que vovó contava



Domingo; não um domingo qualquer. E o que o tornava diferente era a quantidade de netos e netas presentes. Hoje, neste exato momento, a muito custo consigo recordar-me de 11 (onze) pessoinhas, – eu inclusive – cujas idades variavam dos 8 (oito) aos 15 (quinze) anos. Vovó e vovô deviam ficar alucinados com a gritaria, as rusgas, os desentendimentos, os risos... Mas vovô conseguia pôr ordem na casa e administrar aquela balbúrdia. A hora do almoço, por incrível que possa parecer, era o momento de maior entrosamento entre a petizada. A enorme sala do sítio abrigava uma daquelas mesas monásticas, e ela, a mesa, por sua vez, reunia à sua volta toda a pirralhada. Mãos lavadas, sentados em cadeiras ou tamboretes, frente ao prato, ao copo e talheres, na expectativa de provar as iguarias da avó.

E lá vinha vovó com bandejas, depósitos e panelas, e as espalhava pela superfície da mesa adornada pela clássica toalha xadrez. Ela servia o prato do marido em primeiro lugar e depois os netos menores; os mais velhos podiam servir-se sem o menor risco de qualquer desastre. Por último, nossa avó sentava-se à direita do esposo e tinha início o nosso banquete. Acredito que, para que nós, os netos, nos mantivéssemos calados à mesa, minha vó valia-se de um recurso próximo à psicologia reversa: somente ela falava. E aproveitava a ocasião para contar-nos histórias.

Certa vez, contara-nos vovó Hannah, um jovem chegara à cidade com o intuito de arranjar colocação em escritório contábil de parente distante. Tratava-se de rapazola inexperiente, interiorano e não muito lapidado; era falante, algo belo e chistoso. O trabalho que pleiteava seria coisa simples, o que poderíamos entender como típico de um office boy. Apesar da pré aprovação do parente, a senhora responsável pelas contratações entendeu, talvez para cumprir apenas um tipo de “rito processual”, realizar uma espécie de entrevista com o rapaz. Haja vista a patente falta de conhecimento específico na área contábil e a simplicidade no exercício da função pretendida, a senhora optou pelo questionamento pessoal. Foram perguntas acerca da família, do grau de instrução, religiosidade, etc. Todavia, como o jovem se fizesse simpático e de uma prolixidade extremamente agradável, a funcionária resolveu estender um pouco mais a prosa, fazendo-se, por sua vez, também espirituosa. Disse a senhora: – Bem, vou fazer-te mais algumas perguntas – e prosseguiu disfarçando um sorriso – Presta bastante atenção! O rapaz respirou fundo e pareceu concentrar-se. A mulher disparou: – O que um rapaz solteiro guarda debaixo da cama? O jovem abaixou a cabeça, dissimulou o riso e respondeu: – Seria o penico? A mulher permitiu-se rir à larga e obtemperou:  – Falas do urinol – valendo-se de um eufemismo. E corrigiu: – Mas não, a resposta correta seria um par de chinelos. O rapaz balançou a cabeça em anuência. A funcionária, então, fez a segunda pergunta: – O que um casal guarda debaixo da cama? O rapaz pôs-se a pensar, pensar... e após algum tempo murmurou um lacônico “Não sei”. A senhora decepcionada adiantou-se: – Simples, dois pares de chinelos. E na tentativa de evitar que a conversa se tornasse tensa, informou: – Pois bem, vamos a última questão; esta é fácil! Olhando o rapaz nos olhos perguntou: – Qual é o nome daquela fruta vermelha que se usa na salada ou como tempero? Desta feita, a resposta veio de imediato. O rapaz ergueu-se e com um amplo sorriso, decretou: – Três pares de chinelos!

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