sábado, 15 de junho de 2019

All by myself



A noite fora horrível: insônia, frio, tosse, dores pelo corpo. Acabo de abandonar a cama. Desânimo seria a palavra correta para mensurar o tamanho da minha indisposição. O café com leite é sorvido a custo; o pão com requeijão engolido sem o menor prazer. Vago pela casa e busco uma atividade, sobre o que me interessar. Nada, como todos os dias... Penso em ler ou reler um livro qualquer. Mas eu não tenho um livro qualquer ou quaisquer; meus livros não são uns entre outros; meus livros são únicos. Ainda assim vagueio pela casa. Ali está o calendário. Que dia é hoje?
Não, nego-me acreditar nisso: hoje é o dia em que comemoro meu aniversário! A idade? “Poupe-me dos detalhes sórdidos”. Mas até o momento ninguém ligou. Ah, é cedo. Em breve os telefonemas terão início. Receberei alguma prenda? Gostaria de receber um presente diferenciado; nada material, dispendioso ... Sim, Marilyn Monroe cantando Happy Birthday para mim e esbanjando sensualidade. Contudo, ... Marilyn não faz meu tipo. Prefiro Ingrid Bergman; eu a beijaria em Casa Blanca ao som de As Time Goes By. Eu diria: – “Toque Sam” e todo o Marrocos a nos aplaudir e a zombar da cara de Humphrey Bogart. Como vingança ele telefona e me delata aos alemães. Neste momento meu telefone toca. Ergo o fone apressado e pergunto:  – “Quem é?” Uma voz inexpressiva oferece-me empréstimo. Desligo, não quero. Quase grito: – “Hoje é meu aniversário!”. Sim, onde eu estava? Ah, no Marrocos, a aturar os ciúmes de Humphrey Bogart e sua delação. Gostaria também de estar em Mikonos, naquele mesmo bar que serviu de palco a última cena de “A identidade Bourne”; lá pude degustar uma cerveja com minha mulher. Ou quem sabe, talvez, no café Deux Moulins, a partilhar do “Fabuloso Destino de Amélie Poulain”. Mas estou de volta ao Marrocos, e lá vem meu perseguidor; Bogart quer acabar comigo. Mas o cara que tenta me caçar não é alemão; é um spetsnaz. Sim, um russo enorme.
E por falar em russo, a música que se me invade agora é bem diferente. Eu não sabia que Sergei Rachmaninoff teve parceiros, pois Eric Carmen escreveu um poema e o adaptou ao Concerto nº 2 para piano. Então surgiu a canção “All by myself”. E eu solfejo: When I was yong, I never needed anyone and making love was just for fun. Those days are gone. De fato, quando jovem, eu julgava não precisar de ninguém e fazia amor por divertimento ... Realmente, mas aqueles dias se foram. E como a toda ação dá origem a uma reação de mesma intensidade e em sentido contrário, continuo meu bucólico solfejo: Livin’ alone, I think of all the friends I’ve known, but when I dial the telephone, nobody’s home. É isso, vivendo sozinho, eu penso em todos os que conheci; como gostaria de ligar para eles, convidá-los, mas ... quando eu discar o telefone, ninguém atenderá. All by myself. E eu repito: All by myself!

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