A
noite fora horrível: insônia, frio, tosse, dores pelo corpo. Acabo de abandonar
a cama. Desânimo seria a palavra correta para mensurar o tamanho da minha
indisposição. O café com leite é sorvido a custo; o pão com requeijão engolido
sem o menor prazer. Vago pela casa e busco uma atividade, sobre o que me
interessar. Nada, como todos os dias... Penso em ler ou reler um livro qualquer.
Mas eu não tenho um livro qualquer ou quaisquer; meus livros não são uns entre
outros; meus livros são únicos. Ainda assim vagueio pela casa. Ali está o
calendário. Que dia é hoje?
Não,
nego-me acreditar nisso: hoje é o dia em que comemoro meu aniversário! A idade?
“Poupe-me dos detalhes sórdidos”. Mas até o momento ninguém ligou. Ah, é cedo.
Em breve os telefonemas terão início. Receberei alguma prenda? Gostaria de
receber um presente diferenciado; nada material, dispendioso ... Sim, Marilyn
Monroe cantando Happy Birthday para mim e esbanjando sensualidade. Contudo, ...
Marilyn não faz meu tipo. Prefiro Ingrid Bergman; eu a beijaria em Casa Blanca
ao som de As Time Goes By. Eu diria: – “Toque Sam” e todo o Marrocos a nos
aplaudir e a zombar da cara de Humphrey Bogart. Como vingança ele telefona e me
delata aos alemães. Neste momento meu telefone toca. Ergo o fone apressado e
pergunto: – “Quem é?” Uma voz
inexpressiva oferece-me empréstimo. Desligo, não quero. Quase grito: – “Hoje é
meu aniversário!”. Sim, onde eu estava? Ah, no Marrocos, a aturar os ciúmes de
Humphrey Bogart e sua delação. Gostaria também de estar em Mikonos, naquele
mesmo bar que serviu de palco a última cena de “A identidade Bourne”; lá pude
degustar uma cerveja com minha mulher. Ou quem sabe, talvez, no café Deux
Moulins, a partilhar do “Fabuloso Destino de Amélie Poulain”. Mas estou de volta ao
Marrocos, e lá vem meu perseguidor; Bogart quer acabar comigo. Mas o cara que
tenta me caçar não é alemão; é um spetsnaz. Sim, um russo enorme.
E
por falar em russo, a música que se me invade agora é bem diferente. Eu não
sabia que Sergei Rachmaninoff teve parceiros, pois Eric Carmen escreveu um
poema e o adaptou ao Concerto nº 2 para piano. Então surgiu a canção “All by
myself”. E eu solfejo: When I was yong, I never needed anyone and making love
was just for fun. Those days are gone. De fato, quando jovem, eu julgava não
precisar de ninguém e fazia amor por divertimento ... Realmente, mas aqueles
dias se foram. E como a toda ação dá origem a uma reação de mesma intensidade e
em sentido contrário, continuo meu bucólico solfejo: Livin’ alone, I think of
all the friends I’ve known, but when I dial the telephone, nobody’s home. É
isso, vivendo sozinho, eu penso em todos os que conheci; como gostaria de ligar
para eles, convidá-los, mas ... quando eu discar o telefone, ninguém atenderá.
All by myself. E eu repito: All by myself!
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