“Quando o carteiro chegou e o meu nome
gritou com uma carta na mão...” Fazeres ultrapassados; hábitos ultrapassados;
expectativas ultrapassadas... A canção tem mais de 70 (setenta) anos e eu
lamento por Isaurinha Garcia e Cícero Nunes. Nos dias atuais a preocupação não
está em receber determinada mensagem, mas em receber mensagens. E para que essa
prioridade seja satisfeita, outras preocupações se fazem igualmente
importantes: sinal da internet; senha do wifi, etc. E os valores sofreram tantas
deformidades que até a espera pela mensagem, a meu ver algo positivo, caiu em
desuso. Seria a celeridade, de fato, saudável às relações? Não sei, os antigos
também diziam que “a pressa é inimiga da perfeição”, ou inimiga das coisas bem
feitas, se assim preferirdes, já que a perfeição inexiste. Mas isso também está
ultrapassado, pois o paradigma vigente recomenda a pressa, a velocidade, como
padrão para o sucesso.
Então falemos do sucesso: seria bem
sucedido aquele ou aquela que não mais consegue escrever uma missiva? Sim,
porque a pressa não os permite lançar mão de trabalhada linguagem para externar,
através de cartas, a nobreza de sentimentos. As pessoas limitam-se, ou melhor,
permitem-se revelar sentimentos através de emojis. Contudo, parece-me que o
termo revelar não foi bem empregado no contexto. Em dias de hoje as pessoas não
mais se revelam; elas se expõem! E quanto mais expostas melhor. E quando não se
expõem, um hacker busca expô-las. A inviolabilidade das cartas, entretanto, era
muito respeitada. Por que há essa necessidade premente em conhecer e expor a
intimidade alheia?
Bem, falamos das expectativas (a
espera) ultrapassadas; falamos dos hábitos (escrever cartas) ultrapassados. Só
falta falarmos do fazer (aquele que entrega a carta) ultrapassado. Que saudades
daquela imagem – estereótipo maldosamente construído – do cão perseguindo o
carteiro! E a insistente campainha da porta a nos avisar da chegada de notícias?!
A correspondência em profusão: os postais, os convites, telegramas, os resultados
dos exames, a convocação... O que fica é só uma última mensagem: não há mais
informes, comunicados, recados, felicitações. Há somente a carga desnecessária
e fútil de torpes deformações.
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