segunda-feira, 24 de junho de 2019

Primitivos



Vi-me bastante contrariado ao deparar com a aranha; justo ali, junto a meus sapatos. Aquilo me pareceu inconveniente, um óbice ao meu conceito de higiene. Aquele bichinho articulado, com oito patas, causava-me repulsa. Dele devo livrar-me o quanto antes. Mas, ... mamãe dizia para que nunca as matasse; um lar com aranha é um lar saudável. Seria, de fato? Onde se fundamenta essa “sabedoria” dos antigos? Ciência? Não, mas a ciência vem corroborar tal crença. Aranhas nem sempre são agressivas ou perigosas e podem nos oferecer alguma proteção, pois operam no controle de pragas.

Incrível como nossa primitividade, essa característica tão presente nos seres humanos, assume descaradamente o título de “instinto de sobrevivência”. O ser humano clama por proteção, mas mata por diversas razões; ele mata até seus iguais e pelos motivos mais torpes. O ser humano mata para alimentar-se, mas também mata aqueles dos quais não se alimenta. O ser humano mata por esporte, por prazer. E que culpa tem o instinto em tudo isso? O simples fato de matar para comer revela primitividade.

A estupidez humana não conhece limites, e o pior é que sempre busca desculpas para sua patente crueldade. Outra justificativa para tirar a vida de animais é o “bem estar da sociedade”. Certa vez, ao folhear um exemplar da “Revista Seleções do Reader’s Digest”, pude deleitar-me com um fato ocorrido na Índia, se não me falha a memória. No interior do país, em distante região agrícola, os moradores perceberam a presença de expressivo número de serpentes numa plantação de batatas. Reuniram-se, e preocupados com o “bem estar dos agricultores”, resolveram declarar verdadeira guerra aos répteis rastejantes. Pois bem, e assim foi feito: as serpentes foram dizimadas. A colheita daquele ano? Total fracasso; os tubérculos foram totalmente devorados pela população de lebres.  

Bem, se falar acerca de aracnídeos e serpentes soa sobremodo deselegante aos detentores de sensibilidade, podemos discorrer sobre outro protagonista considerado “praga”, pois que este assumiu péssima fama no convívio com os ditos “racionais”. Ao assistir pela TV uma reportagem sobre as comemorações dos 500 anos da Universidade de Coimbra, dediquei maior atenção no que dizia respeito à Biblioteca Joanina, afinal, lá podem ser encontrados exemplares com mais de 800 anos. Todavia, pasmai, enquanto acontecia a entrevista com o ínclito bibliotecário, certo morcego fazia malabarismo dentre os circunstantes. Interrogado acerca do “intruso”, o entrevistado esclareceu que os morcegos habitam as bibliotecas; ele enalteceu a importância do mamífero voador para o ambiente, pois que estes se alimentam de traças e outros parasitas prejudiciais aos livros.

Desculpem-me, mas sou levado a encerrar esta brevíssima crônica com uma ilação grotesca: os morcegos têm mais apreço pelos livros do que a grande maioria dos discentes que conheci. Talvez isso explique, em parte, nossa primitividade.    

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