quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

O Presidenciável



Chico andava de um lado para outro, meneava a cabeça de modo cômico, recolhia as enormes gengivas ao ensaiar um sorriso, emitia alguns gritos curtos e lançava o corpo para trás numa pirueta engraçada. Sim, Chico era um chimpanzé, um chimpanzé-comum, um Pan Troglodytes, primata do gênero Pan, da família Hominidae, da subfamília Homininae. Nosso personagem aguardava impaciente o alfaiate de renome que lhe tiraria as medidas e lhe faria um terno de ocasião. Não, não esperem que o simplório chimpanzé manifeste elegância em um Giorgio Armani, afinal já faz bastante tempo que nosso país carece de um representante que exteriorize alguma elegância, seja ela no falar, no pensar ou no agir. A vestimenta, contudo, fazia-se necessária, pois não é todo dia que temos um pequeno primata lançado como candidato à Presidência da República. 

Aqui os senhores e as senhoras, não necessariamente nesta ordem, leitores em potencial, exclamarão: Um chimpanzé! Sim, a estupefação é compreensível e nada vinculada a qualquer preconceito. Igualmente baseados em uma inconfessada estupefação, mas com a abundância de motivos preconceituosos, diversos partidos envolvidos na corrida presidencial entraram com recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral, TSE, objetivando a impugnação da candidatura de Chico.

Bem, ciente de que a temática envolve uma série de dúvidas, permito-me antecipadamente esclarecer-vos acerca das mesmas. Diz-nos a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 14, §3º, as condições necessárias para a candidatura à Presidência da República. Ei-las: 1- Ser brasileiro nato. Ora, Chico tem sua brasilidade reconhecida em cartório, posto que a família que o adotou, não só exigiu seu Pedigree, mas também sua Certidão de Nascimento expedida pela autoridade notarial. 2- Ter mais de 35 anos completados antes do pleito. Perfeito; Chico tem 35 anos e 4 meses, segundo ainda a mesma Certidão de Nascimento. Chimpanzés vivem em média 40 anos, mas Chico deve transcender tal limite, pois não bebe, não fuma e é adepto do Fitness. 3- Ter o exercício de seus direitos políticos. Ora, segundo o Art. 15 da mesma Constituição Federal, os óbices que impedem o exercício dos direitos políticos são: a) cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado. Fiquemos calmos, pois Chico nunca foi naturalizado; vide Certidão de Nascimento anexa. b) incapacidade civil absoluta. Ora, Chico conduz-se com autonomia, independência e eficiência na vida; ele rege seus bens pessoais. Tente surrupiar, mesmo que a título de galhofa, uma banana de Chico e saberás, in loco, o que é, de fato, reger os próprios bens. c) condenação civil transitada em julgado. Bem, Chico, diferentemente de alguns outros candidatos a cargos públicos, não ostenta qualquer acusação, e, portanto, qualquer condenação. d) recusa a cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa. Chico, de fato, não serviu a pátria, mas por conta do excesso de contingente. Mesmo assim, Chico prestou grande serviço à comunidade quando o pequeno vilarejo onde nasceu e viveu foi invadido por um sem número de serpentes. Ele ficava em cima das árvores e punha-se a fazer enorme escarcéu quando divisava qualquer coisa rastejante; inegavelmente foi de grande utilidade pública. e) improbidade administrativa. Nunca se soube de qualquer deslize de Chico no que tange à coisa pública. Portanto, satisfeitas tais exigências, podemos continuar dando sustentação à candidatura de Chico. 4- Ser eleitor e ter domicílio eleitoral no Brasil. Bem, domicílio eleitoral é algo inegável. Quanto a ser eleitor, faz já uns 14 anos que um dos candidatos de certo partido com orientação esquerdista, na época muito popular, visando a uma das cadeiras na Câmara de Vereadores da cidade, e desconhece-se a que preço, conseguiu conferir a Chico um Título de Eleitor. Nosso personagem, primata zeloso, aprendeu a digitar o número do candidato escolhido e premer o botão de Confirme. 5- Ser filiado a uma agremiação ou partido político. O mesmo candidato que lhe conferiu o Título de Eleitor, tratou de sua filiação ao partido. Mas Chico depois foi cooptado por outros partidos, haja vista sua atuação e boas relações com todos os habitantes da comunidade. Hoje, podemos dizer, que Chico é membro de um partido de centro, tendendo mais para o liberalismo do que para qualquer socialdemocracia ou para um contraditório socialismo-cristão.

Bem, os advogados dos partidos que entraram com recurso no TSE entenderam que seria melhor unificarem a representação, e, para tanto, deixaram como responsável para gerir a causa o causídico do partido de esquerda, o mesmo partido que conferira a Chico o Título de Eleitor e que o aceitara como membro. O advogado, Dr. Incredulano Chinfrim, sujeito branquelo, calvo, parecendo um suricato, aceitara a causa não por considerá-la procedente, mas apenas para ficar conhecido; ele buscava tornar-se celebridade. Ele queria o reconhecimento público, e para alcançar tal desideratum não mediria esforços: ele faria apelações aberrantes, expenderia recursos os mais esdrúxulos, usaria de chicanas protelatórias, etc.

Não obstante, o relator do processo do TSE, acompanhado por unanimidade pelos seus pares, entendeu que a candidatura de Chico seria não só pertinente, bem como estaria amparada pela Constituição Federal. O eminente relator embasou-se nos Direitos Humanos dos Animais. O que???!!! Calma, muita calma nessa hora. Como diria Jack, O Estripador, “vamos por partes”. Segundo alguns de nossos mais preclaros juristas, “os animais não têm natureza jurídica diferente dos humanos”. A Constituição da República, em seu Art. 225, entende que o meio ambiente, e por extensão os animais são considerados bens de uso comum do povo. Já o Art. 32 da Lei 9.605/98 esclarece-nos que o termo “abuso” não deve ser relacionado apenas à violência contra a integridade física dos animais; o vocábulo “abuso” é bem amplo e incorpora pressões psicológicas. Ora, além do Ordenamento Pátrio - advogados, juízes e ministros adoram usar este termo - nosso relator entende que os animais não são propriedades; nosso entendimento deve evoluir no sentido de que os animais tenham acesso aos direitos fundamentais, o que implica autonomia, liberdade, etc. Ora, impedir Chico de candidatar-se seria uma agressão a sua cidadania, uma agressão a sua liberdade, um abuso, o que, portanto, feriria um preceito constitucional.

Incredulano Chinfrim entrou com recurso no mesmo TSE na tentativa de revogar a decisão, mas tal expediente foi negado; os embargos foram igualmente recusados. Enfim, Chico teve sua candidatura homologada depois de julgamento em segunda instância por órgão colegiado. Mas, como meu público leitor conhece a realidade brasileira, apesar do mérito já ter sido julgado, ainda cabe recurso ao STF. Enquanto isso, Chico prepara-se para sua aparição em público, com direito a marqueteiro, carreata e tudo mais. Sim, seu slogan de campanha é: Não pague Mico, vote em Chico! Porque isto aqui não é mais uma republiqueta de bananas. 

domingo, 16 de dezembro de 2018

O leilão




A informação chegou-me de modo espontâneo, porém com apoio de recursos documentais. Sim, eu e esta minha mania de vasculhar papeis velhos em bibliotecas. Imaginai que eu buscava informações acerca de fósseis no Brasil, ou possíveis vestígios deles, na patente demonstração de paleontólogo amador, quando vi-me requestado por uma pilha de papeis jogados a um canto de uma das muitas salas mofadas da biblioteca municipal. Sim, a biblioteca estava literalmente entregue às traças, pois encontrava-se refém de funcionários incompetentes, presa fácil de jovens mal informados, chefiados por burocratas sisudos e empolados.

Debrucei-me sobre a pilha e comecei a manusear os papeis: eram jornais antigos, amarelecidos, borrados. Em um dos exemplares encontrei a data: 10 de fevereiro de 1842. Sim, a Carta Constitucional fora restabelecida. Mas havia notícias outras, se bem que uma em especial reclamou-me a atenção: trazia o aviso de que determinado navio aportaria aquela tarde no Rio de Janeiro, e que em quatro dias teria lugar o leilão de escravos. Muito embora a notícia ainda hoje me constranja e acuse asco, devo observar que para a realidade de então a informação seria corriqueira. Todavia, como adendo à notícia, o inusitado: o jornal informava que junto com os escravos seria também leiloada uma turma de intelectuais da época, filósofos na verdade, que por conta de uma série de desmandos exibiam o adjetivo de malta.

A nota jornalística mostrava-se sui generis; em toda a história da filosofia, a não ser no caso de Platão, que preso por Dion de Siracusa, tornou-se escravo, foi posto à venda e depois arrematado pelos discípulos, não tivera ciência de nenhum outro caso, principalmente no Brasil imperial, ainda mais com número tão expressivo de representantes. Certifiquei-me desalentado que Diógenes Laércio estava ultrapassado. A notícia serviu-me de estímulo ao mesmo tempo em que deixava-me assaz desanimado: onde encontrar as notícias daquele singular leilão? Como encontrar o jornal do dia 14 ou 15 de fevereiro de 1842? Irritei-me: estava, de fato, aborrecido; a notícia acabara por fazer-me mal. Sentei-me ao chão, próximo à pilha de matutinos; os “funcionários” da fúngica biblioteca torceram o nariz, afinal o fim do expediente aproximava-se célere. Mas a perspectiva de ser bem sucedido açodou-me. Eu examinava um por um os jornais amarelados e puídos em busca de qualquer notícia acerca de leilões. O tempo passava; eu já me coçava de modo impertinente, não sei se por conta do contato com a abundância de fungos que dos noticiários deviam emanar, ou por conta de minha incontida inquietação.

Quase gritei: 15 de fevereiro de 1842. Meus olhos percorriam as letras, os trechos, as sentenças impressas. As frases buscavam se esconder de mim; eu ávido por consumi-las, por investigá-las. Eu observava coluna por coluna; eu esquadrinhava página a página. Opa, lá estava: o resumo do dito leilão! Curioso, o autor do artigo especificava, inclusive, os critérios utilizados pelos possíveis compradores de escravos: observavam dentes, o corpo, o aspecto saudável, habilidades profissionais, procedência, etc. No final do evento, todos os escravos tinham sido vendidos, mas ninguém quis comprar sequer um intelectual. Por quê? A pergunta não queria calar. Não, a partir daquele momento despi-me da faceta paleontológica e assumi minha desdita filosófica. “Por quê?”, eu repetia insistentemente de mim para comigo.

Dobrei-me, portanto, aos ditames da filosofia e pus-me a buscar conceitos. Enfim, o que é um escravo? Ser humano privado de liberdade e sujeito a alguém que dele desfruta como um bem, passível de ser explorado e negociado. O que é um intelectual? Alguém que declara-se livre de toda e qualquer sujeição e pensa por si mesmo. Será? Conversa fiada! Luciano, um jornalista da Mesopotâmia, antes mesmo do advento do cristianismo, comparara os intelectuais a colecionadores de moscas; dissera ele que, se levados a leilão como escravos, ninguém se interessaria em arrematar criaturas tão inúteis. Mesmo ao se descontar os excessos de Luciano, ficamos entregues a seres estranhos. Afinal, o que e quem são esses filósofos, essa dita intelectualidade? De onde veem? Como vivem? De que se alimentam? No Brasil, pelo menos, intelectuais são aqueles que, apesar de todo o discurso, submetem-se a outrem, ou por interesse ou por mau-caratismo; passam a defender legados estranhos e tornam-se torpes ideólogos; revelam-se simples arautos de pensamentos alheios, repetindo slogans e chavões a exaustão. A filosofia mesma é difundida através de máximas. Os intelectuais brasileiros submetem-se ao academicismo e investem-se de uma fatuidade que abeira a repugnância. Ser filósofo e/ou intelectual no Brasil é malbaratar a dignidade proporcionada pelo conhecimento em prol de reconhecimento ou de um lugarzinho ao Sol.

Ensandecido, rasguei o dito matutino.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Aliteração atípica.



Diz-se da aliteração ser uma figura de linguagem, caracterizada pela repetição consecutiva de sons consonantais idênticos ou parecidos. O texto abaixo pode ser entendido como aliteração, se bem que os sons consonantais e idênticos não se façam através de uma repetição consecutiva. 
 
Vamos a ele:

A título de PREâmbulo, adianto que a escolha das letras PRE, por não se tratar de sigla, não tem vinculação a qualquer partido político, apenas nos PREdispomos a ministrar breve aula de português, até por PREcaução ou PREvenção, haja vista a PREcariedade do ensino no Brasil. PREvino-vos, porém: evitais serdes PREmaturos em vossas PREvisões, pois não nos limitaremos a falar de PREfixos, ou seja, sílaba ou sílabas que PREcedem a raiz de uma palavra. Encerrada, portanto, nossa PREfaciação, tentaremos PREconizar aos PREclaros leitores a importância do PREdomínio desta parcela lexical, pois que além do interesse PREcípuo, o uso do termo PRE aliado a um complemento qualquer está muito presente em nosso cotidiano.

Não é PREcoce introduzirmos o tema político, afinal desde nossa PRÉ-história que vimos PREsenciando o PREjuízo não só da nação, mas principalmente do povo. E aqui não faço PREito a seu ninguém, seja PRElado, seja PRElecionador, seja PRÉ-letrado, PREposto, PREpotente, PREsbiteriano ou PREtor. Não, e não se trata de PREgação pautada em PREconceito. O fato é que, vítima de bem engendrada PRÉdica, o povo cedeu aos rogos do PREcito e o elegeu PREsidente, muito embora hoje a ele seja conferido o status de PREsidiário. E não foram poucos os PREterdolos. A coisa não ficou na PREsunção de inocência, na PREssuposição; foi muito além da PREvaricação. E como não houve PREscrição, PREponderou o peso da lei. 

Mas não ficamos por aí. Veio a sucessora, apesar das PREvisões e PREdições. A PREsidenta, que tinha por PREmissa render homenagens à macaxeira e estocar vento, PREgava de modo PREsto lisura e compromisso com a democracia. Esquecemo-nos, todavia, de examinar sua vida PREgressa: também fora PREsa, uma dica PREmonitória do caos que nos tornaria reféns. Nossa economia ruiu; a única coisa que ela PREfixou foi o modus operandi para atender aos interesses socialistas. E recebeu apoio de diversas esferas, desde humildes PREfeituras a PREeminentes figuras ligadas não só a política, mas às artes e à intelectualidade.

Por fim, chega-nos o ilustre PREterido, PREpotente, algo PREtencioso, algo indecoroso, um PREpóstero, PREssagiando o pior, o derradeiro PREjudicador. Tentou reformar a PREvidência, mas o intento foi a burla, foi a farsa. Para fugir também do PREsídio como tantos outros de seus afetos, PREsenteou-os com a liberação de PREcatórios, levando o país à condição de PRÉ-falência.

E eu, nesta fase PRÉ-natalina, PREtendo ofertar-vos um novo alento: alguém de fato PREstimoso, PREocupado com os rumos da nação, homem PREzado, umPREvisor, enfim, um PREfigurado salvador.          

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Subserviência



Eis que no momento venho vos falar acerca da subserviência, bem como de suas possíveis causas e desdobramentos. Ora, a subserviência está diretamente ligada àqueles que têm propensão a obedecer cegamente; o servilismo típico dos que se fazem voluntariamente escravos. E a primeira pergunta invade nossas mentes: Por que? Percebei, este tipo de pessoa não se vê como escravo; ela é capaz, inclusive, de verter incansável oratória em defesa da liberdade. A subserviência oculta-se à percepção do subserviente; ela - a subserviência - é capaz de mostrar-se transcendente ao entendimento daquele que a expõe e publiciza. E uma segunda questão se nos torna incômoda: e qual seria sua origem? Simples, as pessoas que manifestam tal faceta, personalíssima, em geral, têm ciência de sua própria inépcia, muito embora sejam igualmente vitimados por excessiva vaidade. Ora, a excessiva vaidade aliada à escassa inteligência, revela-se como mistura explosiva e engendra a falta de dignidade. A falta de dignidade conduz seu detentor por caminhos, eu diria ... tortuosos. O indigno busca criar situações em que possa ser contemplado, e para isso não tem qualquer escrúpulo; ele busca apenas a realização de seus desejos. Ele bajula, ele adula, ele abusa da lisonja. E o pior de tudo é quando faz uso destes expedientes com um declarado apedeuta. Ao conseguir seu intento, - seja uma posição de destaque na sociedade ou cargo que lhe confira grande autoridade - o subserviente passa a nutrir pelo seu protetor uma obediência cega, algo bem próximo do fanatismo. Eis porque ele não consegue perceber-se subserviente; a baixeza provoca uma espécie de bloqueio cognitivo, onde não há lugar para uma mínima autocrítica.

Lançando mão de mero recurso didático para que melhor seja assimilado o conceito, passo, agora, ao exemplo. Eu vos reclamo atenção para o fato de que não se trata de hipótese, mas sim de exemplo. Ei-lo: Ricardo Lewandowski. A pessoa em questão tornou-se Ministro do Supremo Tribunal Federal sem nunca ter sido aprovado em qualquer concurso público. Ele propôs-se ficar à espera de nomeações durante toda a vida, adulando aqui, bajulando ali, até culminar no STF. Sim, ele é o exemplo vivo de subserviência, pois foi nomeado pelo ex-presidente e atual presidiário Luís Inácio da Silva. O que ele é deve-se à política rasteira de políticos inescrupulosos, o que por si só explica a subserviência. A subserviência esteve presente na votação do impeachment, quando, em conluio com o presidente do senado e a escória representativa, rasgou a Constituição; documento que como ministro deveria defender e preservar. O STF, pelo menos oficialmente, nunca se pronunciou a respeito. A subserviência está sempre presente nas seções do STF, principalmente quando a pauta envolve nomes e interesses do PT. E são atitudes de provocar o pasmo e o risível, dada às suas estroinices acintosas que, em vão, buscam amparo numa hermenêutica jurídica claudicante. Mas a subserviência é também eivada de arrogância. Vamos a mais um exemplo: semana passada, um advogado também passageiro do mesmo voo que o pândego ministro, ao exercer seu direito de livre expressão, declarou que o STF era uma vergonha, que sentia-se envergonhado pelo que lá ocorria. Então o papalvo, do auto de sua empáfia, do cimo do que ele julga ser autoridade incontestável, deu ao verdadeiro cidadão voz de prisão. No entanto, ele se empenha para que o ilustre presidiário de Curitiba, condenado em segunda instância, possa dar entrevistas a jornais e TVs, com o argumento que defende a liberdade de expressão. Durma-se com um barulho desses! E o pior é que recebe de outros ministros apoio e solidariedade. Amizade, respeito, admiração ou corporativismo?

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A maldição



O texto abaixo foi baseado em fatos reais


Houve uma data, e já faz alguns anos, que eu, este que redige a presente missiva, declarei estar dando início ao processo de publicação, através de um blog para isso especialmente criado, daquilo que julgava, então, ser meus “dejetos” universais. Se os pouquíssimos leitores assim o consideraram, eu não saberia dizê-lo. Contudo, foram poucos os que se propuseram a lê-lo; e a cada dia percebo o reduzido número apequenar-se. Os possíveis comentários também se mostram mais e mais escassos. Pois bem, desta feita, venho vos participar a interrupção, senão a extinção de tais “bobagens”. Sem embargo, posso vos adiantar que se trata de algo como que um suicídio intelectual. E como o termo suicídio pode vir a suscitar um sem número de dúvidas e preocupações de ordem escatológica, buscarei de modo sucinto explicá-lo.

O que seria um suicídio intelectual? Bem, comecemos pelo suicídio. Suicidar é usado apenas como verbo pronominal. Ora, suicidar é tirar a própria vida; ou seja é reflexivo. Se suicidar for pronominal, então suicidar-se é matar-se a si mesmo, o que revela total redundância! Seria possível alguém suicidar a outro que não a si mesmo? Logo, o verbo é reflexivo, pois o ato de suicidar implica tirar a própria vida. Mas deixemos de lado estas questiúnculas gramaticais a cargo dos acadêmicos e voltemo-nos ao X da questão: suicidar é tirar a própria vida. Pois bem senhores, esta é a minha vida; eu amo escrever. E vou abdicar da mesma.

Mas o simples fato de escrever não satisfaz ao que escreve. Aliás, como toda arte, ela inicia pela visão particular do autor, algo subjetivo, se bem que guarde em si a pretensão de universalizar-se, de tornar-se objetiva, isto é, de ser assimilada por todos os que com ela travem contato. Estaríamos nós, artistas, autores, fadados a um anonimato existencial? Sim, anonimato existencial porque é contumaz os grandes artistas, pensadores e até cientistas obterem reconhecimento ou bem tardiamente ou numa condição post mortem. E, por favor, não me rotuleis de pretensioso por considerar-me grande artista ou autor. Sabeis por que? Porque eu o sou, e não pretendo arrastar para o túmulo a epígrafe de falsa modéstia.

Conseguis perceber? Até bem antes de optar pelo meu suicídio intelectual, vós já havíeis contribuído para tal sentença; vós outros - e aqui o universo é bem amplo - não mais cultivais o hábito de ler. Preferis, é claro, estar diante de um aparelho celular a ver e ouvir as patranhas que abarrotam as redes sociais ou a fazer selfies que tendem a vos enodoar com a perspectiva de tornar-vos celebridades. E eu que pensava ter conhecido a fundo a vaidade humana!

É isso, meu suicídio intelectual não é fake. Continuarei escrevendo; apenas nada mais será divulgado. Bem, e quanto a vós, fica aqui registrado o meu amaldiçoar. Não, não se trata da “vingança maligna” de um vampiro brasileiro. Não, pois até para se prever maldições faz-se necessário estudar, ler, informar-se. Caso vos falte o conhecimento, o que é evidente, ainda posso ser de algum modo útil: recentes pesquisas confirmaram que o hábito da leitura afasta e previne o mal de Alzheimer. A leitura não é só informação, formação e cultura, é prática terapêutica. Portanto, fica aqui o meu alerta, que a depender de vossa aceitação, poderá ser entendido como medicamento ou maldição.

Eu não ficaria realizado ou experimentaria qualquer satisfação em observar toda uma geração acometida de precoce demência.      

domingo, 9 de dezembro de 2018

Eleútheros




Alguns conceitos, por se fazerem amplos, acabam por transcender o entendimento humano. O conceito de liberdade é exemplo disso. Uma singela definição nos diz que liberdade é o direito de agir de acordo como nosso entendimento, contanto que esse direito não interfira e avilte o direito de outrem. Mas se temos o direito de proceder de acordo com nossa intelecção, por que a preocupação com o direito do outro? Afinal, o simples fato de não poder agir em conformidade com nossa razão para não ferir o direito de outrem, fere nossa liberdade. Em verdade, por se tratar de um direito, estamos na presença de regras, normas, leis. Ora, mas as leis tem por finalidade por limites à liberdade. Neste caso a liberdade assimila a condição de dever e não mais um direito. Eis um primeiro obstáculo em face da amplidão do conceito.

No entanto, gozar de liberdade é ser livre? Então perguntemo-nos: o que é ser livre? Ora, ser livre é poder dispor de si, é propor-se, é resolver-se, é resignar-se. Nesse caso, podemos nos sentir livres sem dispormos de nós mesmos. Percebei? Ser livre é um sentir. Ser livre não é um direito, mas sim uma condição, uma circunstância, uma autodeterminação, algo de foro íntimo; sentir-se livre estaria vinculado à idiossincrasia. A sabedoria estoica diz-nos que apesar de escravizados, os cidadãos podem sentir-se livres. O sentir-se livre independe da liberdade, pois que liberdade é conduta social. A liberdade deve e tem que passar pelo controle social para que não culmine no absoluto, no libertário, no anarquismo.

Nossa sociedade, no entanto, em face dos desmandos e da busca incessante por uma liberdade que desconhece qualquer responsabilidade, já transpôs o anarquismo. Nossa sociedade, e graças ao messianismo jurídico, aliado aos discursos escamoteados por uma retórica irritante da esquerda, já prescinde das regras e adentra o orbe da libertinagem. Sim, nosso comportamento social é totalmente desregrado, o povo mostra-se como dissoluto, devasso, licencioso, indisciplinado, negligente, imorigerado. Mas, curiosamente, a esquerda continua brandindo seu gládio, instando por liberdade, liberdade, liberdade...

E Eleútheros revelou-me em sussurro: “quando a verdadeira liberdade abrir suas asas sobre nós, ficaremos, enfim, libertos desta esquerda doentia e leviana”.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Correção de rumos




Em um primeiro momento, reclamo vossa atenção para o fato de que nossos jovens, estudantes do ensino médio e do ensino superior, manifestam-se sempre, e de modo homogêneo, a favor das militâncias de esquerda, bem como de movimentos ditos “democráticos”, que declaram preservar liberdades e direitos. Importante frisar, no entanto, que tais manifestações mascaram verdadeiros interesses. Se questionados, os jovens, independente da região do país, do poder aquisitivo, da orientação religiosa ou cultural, responderão com os mesmos slogans, os mesmos chavões, os mesmos clichês. Coincidência? Evidente que não. O que temos são gerações jovens vitimadas por um protocolo de doutrinamento, que vem sendo colocado em prática desde a chegada da esquerda ao poder. O referido processo, observado pelo campo da psicologia, tem por desiderato o bloqueio cognitivo, o que popularmente é conhecido como “lavagem cerebral”, pois prima pela repetição constante dos princípios que norteiam as ideologias de esquerda, inclusive exercendo uma espécie de patrulhamento ideológico, sem olvidar a perseguição ostensiva aos opositores. Não obstante, este processo de doutrinamento não foi forjado nas Universidades, Faculdades ou Centros Universitários; eles advém do ensino médio, pois lá tiveram sua origem.

Historicamente, podemos identificar a fonte de semelhante “empreendimento”. Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República, em 1995, sociólogo e de orientação socialista, observou-se na LDB de 1996, a “sugestão” do retorno das disciplinas Sociologia e Filosofia ao currículo do ensino médio, disciplinas estas retiradas pelo governo militar. Pois bem, em 2008, já sob o governo de Luís Inácio da Silva, o artigo 36 da Lei nº 9.394/96 foi alterado, tornando, então, tais disciplinas obrigatórias. A lei nº 11.684/2008 é bem explícita. A chegada de Michel Temer à Presidência e a emissão da MP 746/2016 manifestaram claramente a intenção de mudar esta realidade. Todavia, com a celeuma criada pela Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência - SBPC, a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação - ANPED e o Movimento em Defesa do Ensino Médio - ABECS, a coisa culminou no Projeto de Lei de Conversão - PLC - nº 34/2016, a partir do qual as disciplinas Sociologia e Filosofia perdem o caráter de obrigatoriedade.

Em face do exposto, venho, através deste, instar junto às autoridades, bem como a seus auxiliares, urgência no sentido de criar lei e/ou dispositivo que impeça terminantemente o ensino da Filosofia e Sociologia no ensino médio, pois que, como busquei demonstrar acima, é a fonte de doutrinamento de nossos jovens. Além do mais, o tempo que seria utilizado para ministrar as citadas disciplinas, pode ser ocupado para se ministrar conteúdos de Português, Matemática, Física, Química, Biologia, etc., matérias que têm deixado muito a desejar no que tange ao desempenho de nossos alunos do ensino médio.

Em se tratando de Ensino Superior, sugiro a extinção dos cursos de graduação em Filosofia e Sociologia das Universidades. O ensino da Filosofia limitar-se-ia a alguns outros cursos e de maneira bem pontual, como por exemplo do curso de Direito, com a Filosofia do Direito, ou no curso de Educação, com a Filosofia da Educação. Mister observar que universidades famosas e consideradas as melhores do mundo - Harvard e Yale, por exemplo - têm apenas departamentos de Filosofia, pois que parecem ter confirmado a ausência de utilidade prática para a Filosofia. A Filosofia, portanto, é aplicada a diversas áreas específicas no intuito de potencializar conhecimentos; e só. O curso de Filosofia, em si, é ministrado unicamente em nível de pós-graduação. E aqui permito-me sugerir a leitura do artigo “Estudar filosofia para pensar melhor: um caso de publicidade falsa?”, de Neven Sesardic, publicado na revista “Quillette” em 01 de julho de 2017. No Brasil, o curso de graduação em Filosofia, além de criar falsa expectativa no alunado, porque os leva a pensar em arrumar emprego com facilidade e tornarem-se “filósofos” profissionais, serve somente para dar continuidade ao projeto de poder instaurado pela esquerda, e isso tem, evidentemente, um alto custo, porque vem financiando pesquisas que nada acrescentam. Entendo que a educação superior brasileira deve objetivar o crescimento e o reconhecimento científico no panorama mundial. Somente assim seremos respeitados como uma grande nação.         

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Carta de sugestões




O presidente eleito tem mostrado grande preocupação em não cometer erros, pois que, segundo suas próprias declarações, isso possibilitaria o retorno dos partidos de esquerda, e, consequentemente, a reinstalação da instabilidade sócio-político-econômica, tão nociva ao país. Percebe-se igualmente, uma desmedida pressão das instituições que deveriam dar sustentação ao novo governo, isso porque o então candidato assimilou a fama de fascista, radical de direita, ditador, misógino, preconceituoso, racista, etc., estimulada pela esquerda que negava-se em abrir mão do antigo projeto de poder. O líder da esquerda, embora cumprindo pena, quer se manter no limbo, quer se perpetuar como cidadão exemplar, vítima de um conspiração que visava afastá-lo de concorrer ao cargo de chefe do executivo. Em não conseguindo o intento, tenta desacreditar o judiciário, alegando ser prisioneiro político. Todavia, buscou lançar, pela segunda vez, seu candidato estilo Linha Maginot, ou seja, alguém de sabida ineficiência, mas pronto para desempenhar o papel que lhe foi conferido. Com isso, o líder acreditava manter sob controle sobre seus correligionários e o destino do país.

Nada obstante, o que me causa espécie é a posição das instituições em relação ao futuro presidente, haja vista os discursos da PGR, do presidente do STF, das manobras difamatórias alimentadas pelo TSE, a atitude do presidente do Senado Federal e demais políticos não reeleitos. Como o então candidato não costurou alianças e declarou-se contra a prática de loteamento de cargos para conseguir apoio, as velhas e matreiras raposas da política, viciadas no detestável fisiologismo, e isso amparado pela falácia de “governo de coalisão”, declaram-se oposição. Atentai para um detalhe: em momento algum alguém citou, mesmo que por alto, preocupação com os rumos da nação. O que se observa são os mesmos discursos exaltados que versa sobre os direitos de alguém ou de determinado grupo. 

Minha sugestão ao novo presidente eleito faz-se no sentido de que ele observe somente o compromisso que ele tem consigo mesmo, compromisso este que fez questão de partilhar com o povo que o elegeu. Quanto à preocupação em cometer erros, cito o insuperável Hegel: “o medo de errar já pressupõe o próprio erro”. Que seja fiel aos seus princípios e valores que nortearam sua vida legislativa e sua campanha; o resto virá por acréscimo. Quanto àqueles que se dizem oposição, fica aqui mais uma sugestão: “mantenha os amigos por perto, mas os inimigos mais perto ainda”. Isso não quer dizer absolutamente em lhes dar qualquer cargo ou dispensar confiança; mantenha-os sob o olhar e controle. E tem cuidado com as velhas raposas que se dizem amigos e apoiadores; destes poderá vir o inesperado. Tende cautela em receber sugestões para compor os ministérios, afinal, um adágio popular me vem à mente: “dize-me com quem andas que eu te direi quem és”.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Petitionem contra legem



Eu gostaria que alguém me auxiliasse a entender o Art. 648 do CPP, no que tange ao limite de pedidos de Habeas Corpus num mesmo processo. Ciente e consciente de minha laicidade, depreendo que o inciso I atem-se unicamente à possibilidade de não haver justa causa. Ora, o mérito já foi julgado por órgão colegiado em segunda instância; a justa causa, portanto, foi corroborada. O inciso II trata tão somente de alguém estar privado de sua liberdade por mais tempo do que determina a lei, o que também não se aplica ao caso, haja vista nem mesmo a décima parte da pena foi cumprida. O inciso III volta-se para o caso da falta de competência daquele que ordenou a coação. Ora, a decisão do juiz de primeira instância foi acatada, reconhecida e corroborada pelos membros de órgão colegiado em segunda instância. O fato de ter abandonado suas funções no judiciário para exercer cargo no poder executivo não o descaracteriza como pessoa idônea e honrada. O inciso IV trabalha com a possibilidade de ter cessado o motivo que autorizou a prisão, evidentemente sem aplicação ao nosso caso. O inciso V discorre sobre fiança, o que igualmente não se aplica ao caso em tela. O inciso VI preocupa-se na possibilidade de o processo for público e notoriamente nulo, o que também fica sem aplicação ao presente caso. E por fim, o inciso VII, que se volta a uma extinta punibilidade, fundamento identicamente inaplicável. Onde está o equívoco em minha hermenêutica?

O que temos, então? Ou melhor: O que pretendem, então? Atentai, isso não tem nada a ver com “devido processo legal”; este tipo de procedimento não se afina com o discurso fastidioso da “ampla defesa e do contraditório”; o recurso não se identifica com a “presunção de inocência”. Trata-se tão somente de conluio jurídico-político para colocar em liberdade alguém publicamente corrupto e corruptor. Os advogados tentam criar uma situação em que o réu torna-se vítima de perseguição política, mas sabemos que tal afirmação não se aplica, pois não é verídica. O conluio do judiciário mostra-se relevante pelo simples fato de propor-se a levar à apreciação dos ministros a estratégia espúria da defesa em impetrar mais um habeas corpus. E onde está a PGR para se pronunciar a respeito dessa aberração? Afinal, qual o limite para tamanho desmando? Sou levado a crer que o judiciário mostra-se empenhado em instaurar uma crise institucional de dimensões ainda desconhecidas.

Mais uma vez, peço a alguém, mesmo que algures, para me auxiliar a compreender esta nauseante e enfadonha odisseia judicial. Sim, até porque já não mais suporto olhar para certo advogado, um “anjinho barroco”, de atitudes e expressões estudadas, extremamente superficial e afetado, que faz da ciência jurídica um trampolim para alcançar notoriedade. No entanto, assim o creio, e é preciso ter fé, ao final desta maratona, o “anjinho barroco” e seu constituinte chegarão ao mesmo lugar, isto é: nenhures!

Mau-caratismo educacional



O presente texto poderia ter por título “Procedimentos Antipedagógicos”, ou talvez “Paideia da Indiferença”. No entanto, parece-me que todos os títulos se revelam como sinônimos em face da deplorável realidade no que concerne à educação no país. 

Uma primeira observação diz respeito à mercantilização do ensino. Sim, neste caso não há outro termo para definir tal realidade. Desde o ensino fundamental até o terceiro grau, não há rígidos critérios para se autorizar o funcionamento de instituições educacionais. Tanto na pré-escola como na alfabetização existe todo um discurso, no qual as instituições se autodeclaram fiel seguidoras do construtivismo. Balela; mera retórica. A maioria não sabe sequer de que trata o processo cognitivo. No ensino fundamental não é diferente, os modelos educacionais obedecem, via de regra, aos padrões estabelecidos por “educadores” vinculados à ideologia marxista, onde tem início a linha de montagem do “analfabetismo funcional”. O ensino médio vem dar um primeiro arremate ao que já fora iniciado na etapa precedente, ou seja, intensifica-se o processo de manipulação comportamental, no qual se busca alimentar a adolescência com forte carga ideológica, e, mais uma vez, olvidando os conteúdos necessários à boa formação.

No nível superior, quando em universidades públicas, o processo chega a seu auge, principalmente nos cursos das áreas humanísticas, artísticas e educacionais. As matrizes curriculares são montadas de tal forma que os conteúdos sempre abrangem os mesmos aspectos e os mesmos autores. Não há espaço para pensadores que divirjam nem para pensamentos dialéticos. A cobrança nas avaliações, apesar de todo um discurso que diz contemplar o raciocínio crítico e a liberdade de pensar, pauta-se em analisar apenas o nível de assimilação doutrinária, onde mais uma vez, conteúdos fundamentais são deixados de lado. Eis o pensamento crítico, isto é, aquele que desconhece qualquer antítese. E este processo que difama a própria educação tem continuidade no mestrado e doutorado. Projetos são analisados à luz de “linhas de pesquisa”, ou seja, dos interesses de alguns em dar continuidade à farsa educativa. Um dos critérios ocultos nos processos seletivos para os cursos de pós-graduação é o paternalismo, o nepotismo. Não há espaço para o ineditismo, para o genuíno, pois ao final de tudo ainda existe uma CAPES ou um CNPq. Não vos espanteis, pois é comum “doutores” falarem mal o português coloquial. Escrever, então ... Outro idioma? Para que?
   
Quando o ensino superior é proporcionado por instituição privada, o que se vê, por um lado, é a preocupação do Estado em fabricar uma população “culta”, portadora de diplomas de graduação; por outro, o empresário que visa apenas o lucro. Não há o menor comprometimento em proporcionar ensino de boa qualidade. Os discentes são tratados como clientes, e a conduta comercial é seguida à risca, ou seja: “o cliente tem sempre razão”. Não há critérios para avaliações; o importante é o “cliente” ficar satisfeito. Os professores são “orientados” (estou fazendo uso de um eufemismo) a não reprovarem, a “facilitarem” a vida dos alunos. Aqui eu lhes reclamo a atenção para a “Paideia da Indiferença”, pois a quase totalidade dos professores acatam as exigências das instituições sem o menor questionamento. Na verdade, as orientações pedagógicas se amoldam às demandas dos clientes. Não se reprovam alunos por falta de comparecimento às aulas; as avaliações devem ser as mais simples e objetivas possíveis; os conteúdos devem se adequar à capacidade de assimilação do alunado; devem ser empregados todos os recursos possíveis para se ter 100% de aprovação. Sim, importante: estes "brilhantes" alunos avaliam seus professores, algo que recebe acompanhamento da psicopedagoga. Este lindo título é ostentado por aquele (a) que tem como papel fundamental defender os interesses dos empresários; não se pode perder alunos, afinal o FIES é garantidor de boa parte dos recursos das empresas. Professores preocupados com suas avaliações e, dessarte, em manter o emprego, tornam-se indiferentes às práticas profissionais.

Estes “Procedimentos Antipedagógicos” - esta perversão - tem início ainda na época do vestibular, ou melhor, no não vestibular. Em grande parte destas instituições não se realizam provas; em algumas delas somente uma redação. Pasmai! A mor parte das redações são escritas em um dialeto totalmente estranho ao português. Os alunos não sabem juntar sujeito, verbo e predicado numa mesma oração. Tudo lhes é facilitado para o ingresso nas instituições, bem como sua permanência até o final do curso. Na verdade, o que temos? As pessoas compram seus diplomas a crédito, e a maior parte delas custeadas pelo governo federal.  

Houve uma época, e isso faz muito tempo, que ao final do curso de graduação tinha lugar uma banca para realizar arguição oral no formando. Recentemente, as bancas se reuniam para arguir sobre o trabalho monográfico apresentado pelo discente. Mas as reclamações dos alunos fez com que as ações pedagógicas se adaptassem: não mais bancas, nem mais trabalhos monográficos; agora bastam artigos. Os alunos reclamavam de que não se sentiam à vontade diante das bancas, sentiam-se envergonhados, etc. Ora, tentai imaginar, alunos formandos em Direito ou Pedagogia mas envergonhados no falar em público.

Bem, por último, pretendo abordar o “Mau-caratismo Educacional”. O aluno pode, desde que sob pagamento, encomendar via internet seu trabalho de conclusão de curso, indiferente se artigo ou monografia para graduação, se dissertação de mestrado ou se tese de doutorado. Todavia, qualquer professor pode - pois que deveria conhecer o potencial de seus alunos - reconhecer, através do trabalho apresentado, o plágio ou a não autoria do mesmo. Não, não há qualquer referência a este tipo de atitude no código penal; não há crime. O que existe, de fato, em todo o nosso processo educativo é apenas a manifestação de um enredo macabro que conta não apenas com o biltre que oferece a confecção de semelhantes trabalhos pela internet, mas com a canalha que contrata os referidos trabalhos e a patifaria de professores que fazem vista grossa a toda esta pedagogia teratoide.

Eis a pátria educadora!

sábado, 1 de dezembro de 2018

E se for o andar de baixo?



Estamos a viver um momento ímpar; além das preocupações cotidianas devemos nos voltar às possíveis consequências das circunstâncias que se nos apresentam: Trump desacata e ofende a Kim Jong-Un; escândalos de corrupção grassam por todo o mundo; depois do Zica vírus, da Chicungunha, da Dengue, nos vimos às voltas com uma nova epidemia de Febre Amarela; os temporais, as nevascas, os tornados, as secas, a miséria, a fome, o desemprego, a depressão, o pânico, a violência por parte ou dos estudantes norte-americanos, ou da marginalidade brasileira, ou dos terroristas islâmicos. Sim, as balas perdidas tão contumazes no Rio de Janeiro. Em suma: sentimo-nos cada vez mais frágeis e desamparados. A preocupação com a ameaça à vida torna-se imperativa. Ou seria preocupação com a morte? Bem, uma das poucas coisas que consegui aprender em filosofia foi “o homem é um ser para a morte”. E este clichê motiva o presente texto. Sim, no Brasil - não nos enganemos ou façamos o gênero hipócrita - ensina-se filosofia a partir de clichês.

Curioso é que as pessoas, em geral, ao se referirem à própria morte, partem do pressuposto que existe uma outra dimensão a ser vivida e falam em céu, paraíso e até mesmo em “andar de cima”. Mas eu vos pergunto: e se for o “andar de baixo”? Atenção: não aceito qualquer dimensão intermediária como proposta inicial; a região límbica só deve ser aceita como solução dialética. Portanto, insisto na pergunta: e se for o andar de baixo? Este seria mais a nossa “cara”, pois é bem mais popular, mais pé-no-chão, menos elitista e/ou menos oligárquico. Defendo a tese de que o Inferno nos é mais propício; Dante Alighieri já o demostrou na Divina Comédia. Em uma de suas frases lapidares, diz-nos o autor: “No inferno, os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. E é exatamente isso o que fazemos: mostramo-nos neutros nos momentos de crise. Algumas vezes somos incapazes de identificá-las, outras mostramo-nos indiferentes às mesmas, outras ainda permitimo-nos enganar por políticos ou ideólogos que nos manipulam, corrompem e subornam a atestar a inexistência de crises. Logo, por uma exigência lógica, o inferno nos é bem-vindo. 

Todavia, o fato de, futuramente, ter que habitar o andar de baixo não me causaria tanta espécie; o problema estaria na convivência obrigatória com um sem número de figuras que ter-me-iam povoado a existência. Exemplifico. Imaginemos Gilmar Mendes a sofrer uma penalidade bem nos moldes de Dante: na bocarra ele ficaria eternamente entalado com a Constituição Federal. Eu poderia antever o magote de advogados perambular de cá para lá a buscar auxílio, mas sem nada conseguir porque a língua lhes fora arrancada; eu veria políticos rotos, esmolambados, sujos, feridentos, famintos, sedentos a serem perseguidos por enormes ratos; eu veria a desfaçatez estampada na cara de mulheres seminuas em busca de aventuras sexuais, sem, contudo, encontrarem qualquer macho que lhes quisesse satisfazer, pois que estes, quando em vida, foram por elas marginalizados, acusados, inclusive, de assédio. Mas o que mais me chamaria a atenção seria o espectro de Karl Marx; ele trajaria o manto púrpura de algum pároco e mostrar-se-ia coberto de joias; pelo que pude inferir neste meu devaneio, ele recebera a pior acusação: Apostasia! 

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Depressão




Por vezes, deparamo-nos com situações que se nos revelam como epidêmicas. O fenômeno da depressão é uma dessas. Entendo a depressão como fenômeno porque limitar-me-ei em discorrer sobre a mesma tendo como ponto de partida o modo como ela se apresenta e no limite do que se apresenta.

A depressão revela profunda tristeza, imensurável desamor, melancolia, mágoa, algo de inquietação, de angústia, de aflição. E nos perguntamos: Por que? Os seres humanos perderam a confiança nos seus semelhantes; a decepção tomou tal proporção que os seres humanos já não confiam nem em si mesmos. A vida se lhes apresenta como algo negativo; houve uma desintegração entre os seres e seus respectivos envolvimentos com o mero viver. O simples existir carece dos estímulos necessários ao tentâmen de vencer os desafios propostos; o ser humano já se vê derrotado. Onde estão as amizades? Não são mais dignas de confiança. Onde o apoio inestimável da família? As relações familiares estão arruinadas; uma ruína provocada, insuflada, sugerida por uma ideologia espúria que tem como único “deus” as bases materiais. E por falar em deuses, onde está o suporte religioso? Foram igualmente banidos, banalizados, execrados.

Todavia, alguém poderia argumentar que grande número de pessoas não apresentam qualquer sintoma depressivo. Correto, são aquelas que ainda podem contar com o apoio da família, dos amigos e com algum aporte religioso; são os ultrapassados, os reacionários, os tradicionalistas. Mas também encontramos facilmente os alienados, a massa de manobra, incapazes de pensar de modo autêntico; são aqueles que, por desconhecerem a si mesmos com entidades individuadas, mergulham nas drogas, agridem o próprio corpo com tatuagens as mais bárbaras e aceitam com passividade o que o meio social lhes impõe. Incapazes de pensar de modo genuíno, permitem-se submeter a discursos arrojados que pregam total liberdade, se bem que uma liberdade isenta de qualquer responsabilidade; um discurso que prega o respeito ao outro mas que leva ao absurdo o culto do eu, do ego, do individualismo.

O que podemos inferir, então? Que quando a sensibilidade sobrevive a esta orgia de rotos valores, fatalmente exterioriza-se a depressão.  

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Alcouce democrático



Inicio este meu libelo com uma justificativa. Na verdade, gostaria de me valer do termo cabaret, algo bem francês, mais sofisticado. Porém, observei que o verbete aqui não seria bem empregado, pois cabaré (agora em português) é o lugar onde os clientes podem se embriagar enquanto assistem espetáculos artísticos ou satíricos. Em nosso caso, posso vos afiançar, nada há de espetaculoso, mesmo que se apresentado satiricamente. Tendo-se em vista, portanto, a temática abordada, o termo exato seria bordel, pois voltamo-nos mais uma vez a falar deste grande prostíbulo chamado Brasil. Sim, mas um Brasil como lupanar rigidamente democrático, porque apesar de prescindir de toda e qualquer dignidade, de manifestar sobejamente desonra e corrupção, pauta-se em uma Constituição “Cidadã’, prima pelo devido processo legal, observa rigidamente a ampla defesa e o contraditório, a presunção de inocência, sem falar na atenção dispensada aos acordos dos quais é signatário e que privilegiam os direitos humanos.

Agora dou início à narrativa dos fatos. Depois do acordo infamante - o que por si já demonstra o escárnio que as instituições têm pelos cidadãos - entre o quase ex-presidente Michel Temer e o atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, pudemos confirmar a falta de escrúpulos que habita dentre aqueles que vagueiam pelas vacâncias do poder. E tudo pode ser resumido em uma singela equação matemática: o fim do auxílio-moradia em troca do reajuste salarial, reajuste este que redundará em aumento de todo o funcionalismo público, onerando em alguns bilhões de reais os gastos de um governo patentemente deficitário. Nada obstante, o acordo também se estende à esfera da política rasteira, pois o Supremo Tribunal Federal deve aprovar a redução do limite de cumprimento da pena para só 20%, onde o se enquadraria o indulto presidencial. E o decreto vai mais longe: crimes do colarinho branco entrariam na lista daqueles passíveis do perdão presidencial, bem como o indulto ao pagamento de multas. Evidentemente que todo esse empenho tem por escopo livrar não só as próprias peles, mas também as de seus sequazes.

Atentai: tudo estará dentro da lei. E eu vos pergunto? É essa a democracia que perseguimos? Onde ficam os interesses do Estado, já repleto de problemas das mais diversas ordens? Quais os argumentos convincentes para que continuemos sendo representados por essa escória de rábulas e igualmente politiqueira? Por que nos vergarmos aos caprichos desta caterva de aventureiros que se auto rotula de autoridade, e por conta da imensa fatuidade esconde-se sobre a égide de uma toga? Quem são eles para exigirem de nós, cidadãos, respeito, já que em momento algum demonstram um mínimo apreço pelos que pagam seus opulentos salários? E ainda, como se isso não bastasse, legislam tornando crime qualquer crítica ou ofensa à classe política.

Infelizmente, detecto que o problema maior do país é uma falta de caráter de proporções epidêmicas, que contagiou, principalmente, os poderes que deveriam ser a base de qualquer estado democrático. Bem, já que detectamos a doença, erradiquemo-la! Confinemos os contaminados; coloquemo-los em quarentena, e se isso não for suficiente, prolonguemos o isolamento. Tentemos administrar alguma substância, droga, medicamento. Não, nada de componentes neutros, nossas leis já se revelaram como placebos. E se o mal se manifestar como autoimune, apelemos para a radicalização da panaceia, afinal ela nos livrará não só deste, mas de outros muitos males.    

A falar de traças



Tomado de curiosidade - ou seria espírito de investigação científica? - voltei-me ao estudo das traças. Sim, aqueles bichinhos que sobem pelas paredes e preocupam-me bastante no tocante aos livros; a meus livros. A averiguação revelou-me a classificação científica: o reino, suas divisões, a classe, a ordem, a família, gênero e espécie. Informou-me também acerca de seus hábitos, da estrutura do casulo, de sua alimentação, etc. No entanto, tal pesquisa foi incapaz de responder-me o porquê do bichinho, quando no casulo, subir lentamente pelas paredes. Minhas pesquisas ensinaram-me que a traça, antes de transformar-se em mariposa, dentro do casulo, carece de visão. Mas por que, já que nada enxerga, não se move paralelamente ao chão? Por que ela sobe as paredes, sempre em direção aos tetos?

Aqui arrisco-me em abandonar o viés científico. Alguns diriam que ela - a traça - busca frestas na parede, pois trata-se de um bichinho assaz “retraído”. Sim, mas as frestas poderiam ser encontradas em toda a extensão da parede, e não apenas no sentido vertical. E qual o limite da parede? O teto, ou a cobertura, ou a telha, por mais alta que a parede seja. Então, por que esse eterno movimento de subida? Outros ainda diriam que a Phereoeca uterella, seu nome científico, anda em busca de alimentos, ou seja, fragmentos de pelos, de penas, de couro, de pele morta, de cabelos e papel, enfim, fragmentos que se assemelham a poeira. Contudo, essa busca por alimentos não é aleatória; a subida sempre se faz presente. Com muita razão, haveriam aqueles que, acuradamente, diriam que o bichinho é atraído pela luz, afinal trata-se de uma mariposa. Curiosamente, devo alertar-vos de que este tipo de mariposa não tem como característica a fotofilia. E a pergunta permanece: por que?

Bem, já que a pesquisa científica não foi capaz de extinguir o questionamento, tentarei respondê-lo de modo especulativo. O ascender é característica imposta pela própria natureza, não importa o nível - se é que há nível - do desenvolvimento animal. Assim como todo corpo em queda livre é atraído para o centro da terra, o modelo animal, incluindo as alimárias, artrópodes, insetos, lepidópteros, sempre executam o movimento ascensional. Uns poderiam atestar que este movimento atende a imposição de uma natureza evolutiva, e que tal ascensão apenas é a busca por algo maior que si mesmo; um Deus, quem o sabe?

Em se tratando do movimento ascensional, o ser humano não difere das traças; ele apenas, ao lançar mão de recursos os mais infames busca efetuar sua promoção, sua elevação e pisar naqueles que lhes cruza o caminho. Neste caso, a ascensão mostra-se como perversão, pois que torna-se fundamento ao poder. O ser humano não quer apenas o que o outro quer; ele quer mostrar-se como obstáculo ao desejo do outro; ele quer anular o outro; sua maneira de projetar-se é o não permitir que o outro se eleve.
 
Não seria exagerado afirmar, portanto, que os imbecis - homo stultos - similares às traças pela incapacidade de enxergar e igualmente de abstrair - bichinhos humanoides que não buscam apenas alimentar-se, desfiguram um postulado natural, pois amiúde encontramos exemplares desta “prestigiada casta” empenhados em elevar-se pelos modos mais torpes, mais vis, mais espúrios. Prezados leitores, estai certos: pior do que identificar esse tipo de praga é não poder erradicá-la.

A orgia no tempo



Pergunto-me por um início, uma origem, um princípio que me determine, e não só como espécie, mas também como indivíduo. Reviro a história, debruço-me sobre tratados de antropologia, de biologia, de zoologia. Permito-me um mergulhar no inconsciente, no consciente, no transcendente. Pesquiso a evolução, a involução, o pertencimento. Observo a corrupção, a degeneração, a morte. Volto-me aos paradigmas associados aos seres humanos: racionalidade, sociabilidade, egoísmo, altruísmo... Que nada! E só depois de muito penar percebo que meu manancial acaba por criar essa orgia no tempo. Há, sou, fui, simplesmente. Ontem eu ainda serei; amanhã fui o que sou: natureza!

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Um coma seduzido


                                         
Pascoal estava em coma! A notícia caiu como uma bomba em meio à comunidade projeciologista. Os mais próximos, mesmo que estranhos a tal comunidade - bem poucos por sinal, e eu era um deles - também ficaram pasmos diante do acontecido. Pascoal sempre fora saudável, sem quaisquer sintomas de epilepsia, diabetes, ou algo que o valha. Era um sujeito estranho, arredio, é verdade, mas jovem, inteligente e determinado. Desde que o conheci, sempre se mostrou um aficionado em experimentos de o tipo projetar sua consciência para fora do corpo.

Corri a sua casa. Ele morava só; a faxineira encontrara-o deitado em seu leito com uma expressão serena, mas sem apresentar reação a qualquer estímulo. Gritou, desesperou-se, benzeu-se, apelou para a vizinhança. Meu número de telefone estava entre outros na agenda sobre a mesinha de cabeceira. Ela ligou; ligou para mim e para outros. Um médico conhecido foi acionado; examinou-o e ordenou que chamassem a ambulância, pois Pascoal deveria ser removido para um hospital. Cruzei com o dito médico à entrada do pequeno apartamento repleto de curiosos. Passeei pela sala, esperando a oportunidade para olhar o amigo. No quarto de dormir aquele entra-e-sai característico. Deixei-me ficar pela sala vasculhando seus livros de projeciologia.

Azáfama: a ambulância chegara e a equipe adentrou correndo o recinto. Não mais que 15 minutos haviam se passado quando Pascoal recobrou a consciência e ergueu-se do leito totalmente refeito. Surpreendemo-nos e folgamos em vê-lo recuperado, mas isso não foi o suficiente para impedir que certa especulação tivesse início dentre a vizinhança. Uns atribuíram o acontecimento à overdose de alguma droga, outros falavam em abdução por ETs, reduzido grupo discorria sobre os mais escabrosos diagnósticos. Limitei-me a cumprimentar Pascoal e saí, deixando-o entregue aos cuidados de uma turba inquieta e inoportuna.

Dias mais tarde encontrei-me com o convalescente. Estava como de costume, isto é, ensimesmado, muito embora ter-me surpreendido com um convite para o café. Aquiesci ao pedido e acabei por ouvir o relato detalhado de sua experiência. Na verdade Pascoal não ficara em coma, ou melhor, não no estado comatoso descrito pela ciência médica, mas em dimensão bem próxima. O tal estado, como eu previra, adviera de uma experiência projeciologista. Segundo o próprio Pascoal, a experiência permite que a consciência renuncie ao sôma - o corpo, e adentre uma dimensão de pura percepção.

Pascoal, antes de abandonar seu corpo, foi precedido por um estado letárgico. Ao despertar nessa outra “dimensão”, disse ter-se sentido muito bem e sem a menor vontade de retornar à condição precedente. Não, nada de luzes, espectros, fantasmas, entidades, antepassados visitantes. A consciência de Pascoal pairava acima do próprio corpo; apenas o completo bem-estar oriundo de uma apreensão não mediatizada por qualquer veículo neuronal, cerebral ou sensível. Não havia linguagem; poder-se-ia dizer a condição ideal de apercepção, relação e transmissão, algo que transcende o logos. Um estado de paz semelhante ao pari-nirvana e não o êxtase místico. Pascoal quis permanecer assim. Ouvia vozes chamando por seu nome, o entra e sai em seu quarto, a chegada do médico, a ambulância, etc. Mas eram impressões distantes, confusas, e que lhe soavam como agressivas, incômodas. E nada, absolutamente nada lhe despertava a vontade de retomar o corpo. Nesse momento fui levado a classificar seu coma como seduzido. Sim, na verdade Pascoal provocara tal condição e viu-se fascinado pela circunstância inefável e igualmente prazerosa, dispondo-se a permanecer no limbo. Até que alguém lhe aplicou uma droga qualquer e Pascoal, mesmo contra sua vontade, descerrou os olhos.

Parece-me que nos dias de hoje temos a obrigação de ficar vivos. Estar vivo, ser saudável, bem disposto, “sarado”, tornou-se paradigma social; uma necessidade, uma determinação. A longevidade manifesta-se como apanágio de mito pós-moderno, sendo cultuado indiferentemente se por esclarecidos ou por néscios. O valor que a sociedade atribui à vida culminou no abandono, na afronta a uma liberdade que a própria sociedade defende com garras e dentes. Viver deixou de ser um direito e passou a ser uma obrigação, se bem que o viver exigido obedece a um cânon protocolar prenhe de superficialidade. E Pascoal despediu-se com um lacônico adeus, assegurando-me que sua experiência estava apenas começando.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Περί Ιδεολογία - Acerca da Ideologia



Por vezes partilhamos o dia-a-dia com vocábulos que, muito embora repetidos à exaustão, continuam a nos soar estranhos. O termo ideologia, exigido pelo poeta Cazuza como mister para viver, é um desses exemplos. Então perguntamo-nos: o que é de fato ideologia? Permito-me uma definição de certo modo ortodoxa: Conjunto de ideias fundada em princípios sócio-político-filosóficos, e que se reveste de argumentos para justificar interesses individuais ou de grupos, tendo em vista, evidentemente, o momento e a conjuntura social. E o que se pode depreender da definição acima? a) Que a ideologia vai depender do indivíduo ou grupo. Ora, se indivíduos e grupos carecerem de sólidos valores, fica evidente que o conjunto de argumentos daí advindos carecerão igualmente de valores; b) se, de fato, levar em conta o momento e a estrutura social, torna-se patente que um povo socialmente desestruturado mostrar-se-á incapaz de oportunizar uma saudável ideologia.

Talvez aí esteja a dificuldade em se entender com clareza o que significa ideologia. Bem, valendo-me do recurso da metáfora e como profundo conhecedor da mentalidade brasileira, posso afiançar-vos: ideologia é o tipo de discurso que convence o ávido a degustar um alimento que já apresenta indícios de putrefação; o argumento nessa primeira fase pautar-se-á em negar o estado de apodrecimento, alegando que tudo foi criado para fazê-lo crer na corrupção alimentar. E se o comilão dissipador vier a óbito, a segunda fase do discurso ideológico terá como objetivo convencer os circunstantes de que o glutão faleceu por morte natural.   

domingo, 25 de novembro de 2018

Hidrografia pós-existencial



Inegavelmente, a vida do ser humano é pautada em dúvidas, medos, apreensões. E isso graças ao deus Logos que, em face do inapreensível, ou se revolta, ou se cala, ou se entrega a crenças ou investiga. Tememos as doenças, as relações, as consequências das atitudes e o desfecho de tudo que se revela através da morte. É nesta última, pontualmente, que reside o medo maior, muito embora já ter sido dito que o “ser é ser para a morte”. Mas da morte nenhum medo, apenas o que viria após a mesma, isto é, o desconhecido. O fato de temermos o desconhecido funda-se tão somente na impossibilidade de perseguir o permanecer em si, o conatus de Spinoza.

É a possível impossibilidade que nos leva ao escapismo. Ao temor se soma a consciência moral: valores determinantes que prescrevem o certo e o errado. Assimiladas estas noções, o ser humano se pune, se horroriza, se castiga, se auto imola. Nossos semelhantes criaram, criam e continuarão criando algo como um código penal moral, e, consequentemente, um tribunal particular: a má consciência. Baseiam-se unicamente em valores interiorizados e manipulados, graças à imposição de uma crença estranha, alheia, exógena, alienígena.

Os egípcios falavam em Anúbis, o deus que acompanhava o fenômeno da morte e colocava o coração dos mortos em uma balança, tendo a verdade como referencial no outro prato. Depois de pesados os corações, e se estes fossem mais pesados que a verdade, a pena seria arbitrada por Maat, a deusa da justiça e consorte de Anúbis. Corações mais pesados que a verdade eram devorados por Ammit. Em caso da leveza dos corações, o defunto seria encaminhado ao paraíso. Homero, por sua vez, fala no Hades, um inferno mitológico, e também nos pesados desafios que aguardam as almas que para lá se dirigem.

Mas foi Dante Alighieri, em sua Divina Comédia, que estabeleceu uma divisão tripartite para a possibilidade da vida pós-morte. Não há balanças na visão dantesca, mas rios que devem ser cruzados a título de ordálios, estes em parceria com a mitologia grega. Caronte, um barqueiro mal-encarado e o primeiro capitalista selvagem de quem se tem notícia, pois cobrava para executar seu trabalho - na verdade uma economia informal - conduzia os recém-chegados às portas do Hades, o círculo mais rasteiro, mais famoso e mais acessível à raça humana. Aquele que não tivesse uma moeda, sequer seria sepultado e estaria condenado a vagar na condição de alma penada. Aí começo a perceber certa discriminação social. Mas continuemos. O primeiro desafio a ser vencido é navegar, sob o comando do capitão Caronte, nas águas imundas do Cócito.

O Cócito é conhecido como o rio das lamentações. De início a alma lamenta por estar morta, lamenta também pelas condições de navegabilidade das águas, lamenta pelo odor das mesmas, lamenta por seu passado terreal, por sua conduta, por seus pecados. Algumas ainda lamentam por não saber nadar. Depois das lamentações e arrependimentos o morto muda de águas e adentra Aqueronte, o rio do infortúnio. Neste, a alma do morto experimenta a desgraça, o sofrimento, e na mesma medida em que causou danos e desditas aos semelhantes quando ainda vivo.  E só então chega às portas do Hades.

Dependendo se o viajante prosseguirá em seu tour, Aqueronte espontaneamente se transforma no Estige, o rio da invulnerabilidade. Ali as almas experimentam regozijo, afinal não mais ficará exposta ao sofrimento, à dor. Pelo Estige se chega ao purgatório - o nível intermédio da vida post mortem - e lá a alma descansa e se prepara para a próxima e última etapa do cruzeiro mítico-metafísico. Há uma mudança de águas, não por sua característica, mas por sua finalidade. Eis o Lethe, o rio do esquecimento. Desta água a alma tocará e beberá para poder experimentar total esquecimento; o defunto olvida quem foi, o que fez, o que deixou de fazer. Bem, aos que em relação à morte se mostram preconceituosos, devem folgar, pelo menos, com este aspecto positivo. E limpos, límpidos, cristalinos e diáfanos chegamos ao céu, o mais alto grau da comédia pós-existencial.

Meus leitores podem até estranhar esta minha declaração, pois embora não familiarizado com os esportes aquáticos, quero bem nadar para vencer no menor tempo possível as agruras nas travessias do Cócito, do Aqueronte, do Estige. Feito isso, beberei à larga do Lethe e ocupar meu lugar no céu. Quem sabe ainda possa encontrar minha Beatriz?

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Pós-guerra



O ano é 2072. Estamos no pós-guerra; a 3ª Guerra Mundial, de fato, aconteceu. Sim, mas não nos moldes da guerra que até então conhecêramos. Vivenciou-se uma guerra digital, disputada palmo a palmo, com mãos sobre o teclado, com olhos aflitos e fixos em telas, em vídeos. Hackers? Os grandes heróis foram os grandes derrotados. Aliás, como em toda e qualquer guerra não existem vencedores. As redes, os sistemas, os programas se foram; tudo perdido. O que estava nas nuvens evolou-se. Nada mais de interfaces, de bluetooth, de pixels, de gigabytes; tal terminologia caiu de moda, deixou de ser pertinente. Não mais comunicação digital. É imprescindível retornar às ligações telefônicas convencionais e fazer uso da piezoeletricidade; temos que resgatar o código morse. Documentos, dados, informações de valor inestimáveis perdidas. Onde foi parar nosso desenvolvimento científico? Estavam armazenados em arquivos ditos seguros, invioláveis. Qual nada! Qual a segurança em uma guerra? É difícil recomeçar sem um ponto de partida. Onde nossa história? Não mais existem anotações; o papel tornou-se obsoleto. Temos que reinventar o papel; reelaborar a comunicação via missivas. Poucas obras de arte restaram, e isso graças a colecionadores considerados reacionários e ultrapassados. A juventude não mais sabe escrever, pois apenas se comunicavam via redes sociais; as relações e interações davam-se apenas quando conectados. Até a deflagração da guerra, os jovens acreditavam que o fato de estar online seria suficiente para dizerem-se informados. Para fugirem da mesmice e ainda estimulados por uma vaidade gritante praticavam crossfit. A nova geração não mais sabe expressar-se; precisa passar por um processo de ressocialização, inclusive atentando para o retorno presencial às escolas. Mas o que mais me causa espanto, me revolta e entristece, é que os jovens desconhecem o que é um livro.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Demografia carcerária



Era uma vez um senhor, alguém muito equilibrado e preocupado em manter a família em harmonia, coesa e com hábitos sadios. Entretanto, certa feita, ao chegar em casa, deparou-se com uma cena, no mínimo grotesca, pois sua filha estava a fazer sexo bizarro no sofá da sala com o namorado. Tal senhor, vencida as primeiras impressões que muito lhe constrangeram, resolveu tomar uma atitude, de modo que tais práticas jamais se repetissem. Pois bem, ele vendeu o sofá.

Neste momento meus possíveis leitores devem estar rindo à larga, mas posso vos afiançar que não foi este meu propósito. Não, definitivamente não, pois, mutatis mutandis, decisão parecida deve ser tomada pelo nosso eminente Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli. Pasmem! Recentemente, ao mostrar-se assaz preocupado com a superpopulação carcerária no Brasil, declarou que as penas devem ser abrandadas de modo a se observar um esvaziamento substancial nas prisões. Pior do que isso foi a justificativa dada pelo preclaro ministro. Disse ele que nem na Idade Média haviam tantos condenados com pena privativa de liberdade. Aqui, então, dirijo uma questão direta a Sua Excelência: Qual era a população do planeta na Idade Média? Posso antecipar-me: no ano 1000, a população mundial estava em torno de 265 milhões de pessoas; ao final da Idade Média, a densidade demográfica do planeta era em torno de 425 milhões de pessoas. A população no Brasil hoje é de 208,5 milhões de habitantes, ou seja, praticamente a população do planeta na alta Idade Média. Nada obstante, deve-se ter em conta que grande parte dos apenados na época sofriam a pena capital. É pertinente recordar ainda da Inquisição iniciada na baixa Idade Média, pois que esta levou muita gente para a fogueira.

Em resumo, e por inferência, posso dizer que nosso Ministro pretende vender o sofá. E a partir de sua hábil premissa, dou início a algumas orientações aos insignes leitores: a) se o rendimento advindo de atividade laboral não for suficiente para garantir a mínima subsistência, pedi demissão! b) se o quadro no estado de saúde mostrar algum desarranjo, mesmo que passageiro, suicidai! c) se as visitas constantes de familiares e vizinhos te causam tanto desconforto, ide morar nas ruas.

A esquerda e a síndrome de Procrusto.



Antes de tudo, mergulhemos a fundo na sábia mitologia grega. Lá encontraremos Procrusto, bandido que habitava a montanha Elêusis e aterrorizava a polis de Coridalos. Narra o mito que Procrusto convidava os viajantes a repousarem em sua casa, em sua cama. Acontece que a cama deveria ter exatamente o tamanho do anfitrião. Se os hóspedes tivessem altura maior que a cama, ele amputava parte de seus membros para ajustá-los à cama; se fossem menor que a cama, Procrusto esticava seus membros até que ficassem na medida exata do leito referência. Aqui, longe de fazer piada, poder-se-ia dizer que a cama de Procrusto era, de fato, um leito de morte.

Como a fama do assassino espalhara-se por toda a Hélade, Palas Atena, deusa guerreira e símbolo da sabedoria, resolveu investigar. Em lá chegando, ouviu do celerado a justificativa de que agia conforme a justiça e a razão, pois que as diferenças eram injustas e permitiam que uns se sobressaíssem e subjugassem os demais.  Aqui abro um parêntese na narrativa mítica, com intuito de chamar vossa atenção para o fato de que as argumentações dos cínicos têm sido as mesmas, haja vista a retórica esbanjada pelos acusados na “Operação Lava Jato”. Bem, de volta ao mito, encontramos um Procrusto bem à vontade, pois que findou sua declaração à deusa com o argumento de que sua cama acabava com a diferença, igualando todos os homens. Não obstante, deparamo-nos com o inusitado, pois Palas Atena, diante da justificativa do pária, emudecera. E mais uma vez vejo-me obrigado a abandonar o mito para tecer breve comentário: a atitude de Palas Atena remeteu-me celeremente ao nosso STF, pois nossos ministros se vergam e se mostram apáticos, senão omissos, frente às mais esdrúxulas alegações realizadas pelos acusados e seus advogados. Racionalidade?

Na tentativa de absorver o logos - a explicação - referente ao mito, devemos ter em mente que a questão da igualdade era tema recorrente dentre os povos da antiguidade. No entanto, Aristóteles pode vir em nosso socorro quando nos fala de sua Justiça Distributiva, isto é, o tratamento isonômico implica tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, na exata medida de suas desigualdades. Aristóteles e depois Nelson Rodrigues ainda nos prega: “a igualdade é burra”. Mas por que Palas Atena emudecera? Por que a Sabedoria omitira-se? Simples: questões como igualdade não são tratadas unicamente pela razão, muito pelo contrário, a razão tem participação mínima; esses temas são do orbe da paixão. Seres humanos são seres eminentemente piegas, passionais e não racionais; a razão é nada mais que um artifício da própria paixão.

Neste momento seria pertinente vossa pergunta: “E o que a esquerda tem a ver com isso?” Calma, muita calma nessa hora! De fato, o apelo à igualdade experimenta sua retomada e conhece grande impulso na Revolução Francesa. Não devemos esquecer o lema: Liberté, Egalité, Fraternité, pois isso seria uma grosseria com nossos amigos franceses. Contudo, percebeis vós que tais princípios se excluem? Sim, a liberdade proposta é uma liberdade de propriedade, para se colocar contra a exploração e a expropriação dos bens do povo. Como, pergunto-vos, esta liberdade pensará em igualdade e fraternidade? Como um mesmo tratamento imposto a iguais e a desiguais pode se revelar fraterno? Não, de fato houve grave equívoco na assertiva, o que talvez explique o fracasso das propostas da modernidade.

Sim, e vós ainda insistis na pergunta: “E a esquerda?” E eu vos respondo: Quem mais dissemina o culto à igualdade senão a esquerda? Ela, a esquerda, para atingir seus objetivos, traveste-se de “politicamente correto”, de “direitos humanos”, de “democracia”, de “liberdade de expressão”, de “respeito às diferenças”, e evidentemente, fala todo o tempo em igualdade. Bem, aqui peço desculpas e pratico uma espécie de mea culpa, pois devo retornar ao mito para complementá-lo, e isso graças à esquerda. Procrusto não tinha só uma cama; a outra cama ficava oculta. Quando alguém se ajustava perfeitamente a uma delas, ele lançava mão da outra, e isso com o fino propósito de mutilar, de afastar os que a ele se equiparava. Eis, enfim a esquerda: não há apenas um padrão, mas pesos e medidas diferentes para se tratar não os desiguais, mas os assemelhados que não partilham de seus hábitos, de seus afazeres, de suas preocupações, de suas vilezas.