quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A falar de traças



Tomado de curiosidade - ou seria espírito de investigação científica? - voltei-me ao estudo das traças. Sim, aqueles bichinhos que sobem pelas paredes e preocupam-me bastante no tocante aos livros; a meus livros. A averiguação revelou-me a classificação científica: o reino, suas divisões, a classe, a ordem, a família, gênero e espécie. Informou-me também acerca de seus hábitos, da estrutura do casulo, de sua alimentação, etc. No entanto, tal pesquisa foi incapaz de responder-me o porquê do bichinho, quando no casulo, subir lentamente pelas paredes. Minhas pesquisas ensinaram-me que a traça, antes de transformar-se em mariposa, dentro do casulo, carece de visão. Mas por que, já que nada enxerga, não se move paralelamente ao chão? Por que ela sobe as paredes, sempre em direção aos tetos?

Aqui arrisco-me em abandonar o viés científico. Alguns diriam que ela - a traça - busca frestas na parede, pois trata-se de um bichinho assaz “retraído”. Sim, mas as frestas poderiam ser encontradas em toda a extensão da parede, e não apenas no sentido vertical. E qual o limite da parede? O teto, ou a cobertura, ou a telha, por mais alta que a parede seja. Então, por que esse eterno movimento de subida? Outros ainda diriam que a Phereoeca uterella, seu nome científico, anda em busca de alimentos, ou seja, fragmentos de pelos, de penas, de couro, de pele morta, de cabelos e papel, enfim, fragmentos que se assemelham a poeira. Contudo, essa busca por alimentos não é aleatória; a subida sempre se faz presente. Com muita razão, haveriam aqueles que, acuradamente, diriam que o bichinho é atraído pela luz, afinal trata-se de uma mariposa. Curiosamente, devo alertar-vos de que este tipo de mariposa não tem como característica a fotofilia. E a pergunta permanece: por que?

Bem, já que a pesquisa científica não foi capaz de extinguir o questionamento, tentarei respondê-lo de modo especulativo. O ascender é característica imposta pela própria natureza, não importa o nível - se é que há nível - do desenvolvimento animal. Assim como todo corpo em queda livre é atraído para o centro da terra, o modelo animal, incluindo as alimárias, artrópodes, insetos, lepidópteros, sempre executam o movimento ascensional. Uns poderiam atestar que este movimento atende a imposição de uma natureza evolutiva, e que tal ascensão apenas é a busca por algo maior que si mesmo; um Deus, quem o sabe?

Em se tratando do movimento ascensional, o ser humano não difere das traças; ele apenas, ao lançar mão de recursos os mais infames busca efetuar sua promoção, sua elevação e pisar naqueles que lhes cruza o caminho. Neste caso, a ascensão mostra-se como perversão, pois que torna-se fundamento ao poder. O ser humano não quer apenas o que o outro quer; ele quer mostrar-se como obstáculo ao desejo do outro; ele quer anular o outro; sua maneira de projetar-se é o não permitir que o outro se eleve.
 
Não seria exagerado afirmar, portanto, que os imbecis - homo stultos - similares às traças pela incapacidade de enxergar e igualmente de abstrair - bichinhos humanoides que não buscam apenas alimentar-se, desfiguram um postulado natural, pois amiúde encontramos exemplares desta “prestigiada casta” empenhados em elevar-se pelos modos mais torpes, mais vis, mais espúrios. Prezados leitores, estai certos: pior do que identificar esse tipo de praga é não poder erradicá-la.

Um comentário:

  1. Não é à toa que se diz popularmente, "jogado às traças". Este portanto é o sentimento do povo brasileiro dos últimos governos.

    ResponderExcluir