É deveras impressionante o
quanto o pensamento alheio é manipulado com o fito de sustentar uma
circunstância totalmente repreensível. Deparamo-nos, e não raramente, com o
apoderar-se do pensamento de outrem na tentativa pífia de escamotear um
fenômeno, ou um conjunto deles, até então inexplicáveis. Essa sutileza busca
apenas criar algo como um epifenômeno que explicaria de modo conclusivo o que
antes carecia de explicação, fazendo da razão um mero instrumento de perversão.
Tais maquinações podem ser observadas no que diz respeito às ideologias.
Ideologias, por si mesmas, tem essa característica marcante: distorcer a razão.
Gostaria de referir-me especificamente
- coeteris paribus - ao materialismo
dialético e seu determinismo histórico. Por que o pensamento de Marx tornou-se
tão difundido na modernidade e pós-modernidade? Simples, porque foi o
pensamento encampado e tornado basilar para explicar os problemas sociais
trazidos à luz no pós Revolução Francesa. A base material torna-se, então, o
fulcro na explicação das relações de produção, formação de estamentos sociais,
relações capital-trabalho etc. Com isso, toda produção tem como fundamento um
materialismo que assim o determina.
Mas e o reducionismo
subjacente? Doravante, tudo passa a ser compreendido por este “funil”
arquetípico. Uma crítica que faço a Marx pauta-se exatamente nesta faceta de
seu pensamento. Marx abandona a divindade e volta-se ao materialismo. Ora, a
divindade seria o que faz do ser humano uma marionete em face de seus
desígnios. E o materialismo seria diferente? Neste caso, todo ser humano
tornar-se-ia refém de um determinismo material. Marx, assim me parece,
revelou-se um apóstata.
Todavia, concentremo-nos na
apropriação do discurso marxista. Parece-me que tal conjunto ordenado de frases
bem construídas e constituídas serve de consolo e égide aos fracassados. Os
fracassados encontraram em Marx o amparo e proteção necessários para seu
fracasso. E o discurso não para aí; segue-se uma orgia retórica de cobranças e
justificativas. Há um apelo à piedade, à comiseração; uma cobrança social
intensa que faz do outro - o não fracassado - um réprobo. Os que não se entregam ao fracasso ou às
práticas da autocomiseração passam a ostentar o título de burgueses.
Ora, diriam os mais
exaltados, mas esse fracasso tem sua origem na base material. Correto, mas
seria esse mesmo determinismo que produz outros não fracassados - burgueses,
para usar a terminologia preconceituosa e discriminadora. Como uma das
consequências desse modus dicendi
temos o banimento do mérito. Não há mais lugar para o mérito, mas somente para
o pobrezinho, para o sofrido, para o hipossuficiente, para o oprimido vitimado
pelo opressor, para a vítima de uma sociedade ingrata, desigual e excludente. É
essa atípica conduta que sustenta a famosa “luta de classes”.
Mas analisemos essa tão difundida “luta de
classes”. As classes não privilegiadas, vítimas do determinismo materialista
lutam não só para melhorar sua condição e conquistar “um lugarzinho ao Sol”,
mas lutam para tomar o poder das mãos daqueles que são poderosos, igualmente “vítimas”
do mesmo determinismo material, apesar do discurso enfarado de Paulo Freire. E
uma vez no poder, estejais certos, comportar-se-iam ainda de maneira mais
extrema e rude que seus antigos algozes, pois que a eles se vinculariam o
revanchismo, a revolta, a vingança, enfim, o ressentimento.
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