segunda-feira, 19 de novembro de 2018

A nocividade do discurso


É deveras impressionante o quanto o pensamento alheio é manipulado com o fito de sustentar uma circunstância totalmente repreensível. Deparamo-nos, e não raramente, com o apoderar-se do pensamento de outrem na tentativa pífia de escamotear um fenômeno, ou um conjunto deles, até então inexplicáveis. Essa sutileza busca apenas criar algo como um epifenômeno que explicaria de modo conclusivo o que antes carecia de explicação, fazendo da razão um mero instrumento de perversão. Tais maquinações podem ser observadas no que diz respeito às ideologias. Ideologias, por si mesmas, tem essa característica marcante: distorcer a razão.
Gostaria de referir-me especificamente - coeteris paribus - ao materialismo dialético e seu determinismo histórico. Por que o pensamento de Marx tornou-se tão difundido na modernidade e pós-modernidade? Simples, porque foi o pensamento encampado e tornado basilar para explicar os problemas sociais trazidos à luz no pós Revolução Francesa. A base material torna-se, então, o fulcro na explicação das relações de produção, formação de estamentos sociais, relações capital-trabalho etc. Com isso, toda produção tem como fundamento um materialismo que assim o determina.
Mas e o reducionismo subjacente? Doravante, tudo passa a ser compreendido por este “funil” arquetípico. Uma crítica que faço a Marx pauta-se exatamente nesta faceta de seu pensamento. Marx abandona a divindade e volta-se ao materialismo. Ora, a divindade seria o que faz do ser humano uma marionete em face de seus desígnios. E o materialismo seria diferente? Neste caso, todo ser humano tornar-se-ia refém de um determinismo material. Marx, assim me parece, revelou-se um apóstata.
Todavia, concentremo-nos na apropriação do discurso marxista. Parece-me que tal conjunto ordenado de frases bem construídas e constituídas serve de consolo e égide aos fracassados. Os fracassados encontraram em Marx o amparo e proteção necessários para seu fracasso. E o discurso não para aí; segue-se uma orgia retórica de cobranças e justificativas. Há um apelo à piedade, à comiseração; uma cobrança social intensa que faz do outro - o não fracassado - um réprobo.  Os que não se entregam ao fracasso ou às práticas da autocomiseração passam a ostentar o título de burgueses.
Ora, diriam os mais exaltados, mas esse fracasso tem sua origem na base material. Correto, mas seria esse mesmo determinismo que produz outros não fracassados - burgueses, para usar a terminologia preconceituosa e discriminadora. Como uma das consequências desse modus dicendi temos o banimento do mérito. Não há mais lugar para o mérito, mas somente para o pobrezinho, para o sofrido, para o hipossuficiente, para o oprimido vitimado pelo opressor, para a vítima de uma sociedade ingrata, desigual e excludente. É essa atípica conduta que sustenta a famosa “luta de classes”.
       Mas analisemos essa tão difundida “luta de classes”. As classes não privilegiadas, vítimas do determinismo materialista lutam não só para melhorar sua condição e conquistar “um lugarzinho ao Sol”, mas lutam para tomar o poder das mãos daqueles que são poderosos, igualmente “vítimas” do mesmo determinismo material, apesar do discurso enfarado de Paulo Freire. E uma vez no poder, estejais certos, comportar-se-iam ainda de maneira mais extrema e rude que seus antigos algozes, pois que a eles se vinculariam o revanchismo, a revolta, a vingança, enfim, o ressentimento.

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