sábado, 17 de novembro de 2018

Criatividade em crise



Tornou-se trivial em nosso cotidiano a prática nada original de regravar canções antigas, de fazer releituras de sucessos cinematográficos, principalmente no que tange aos heróis e aos clássicos da literatura, típicos das gerações baby boomer e X. Não obstante, o que reclama nossa atenção é que a prática de regravar, reler etc., alia-se a outra igualmente inconspícua: nada criar, e o que porventura é criado - e aqui me permito generalizar, infelizmente - carece de sentido, de bom senso, de bom gosto. Surgem sim, situações cômicas e/ou estapafúrdias que culminam em desfechos igualmente cômicos e/ou estapafúrdios, mascarados, evidentemente, pelo argumento da subjetividade.

A prática das releituras não pode reclamar a si criatividade ou genialidade, pois se filia a um grande erro conceitual. A releitura, principalmente onde há distorções no caráter dos personagens, limita-se a uma visão estritamente particularizada e distante de todo e qualquer aporte. A criação está diretamente relacionada às ideias originais, a tirar do nada, ao ineditismo, a inventar, idear, criar no pensamento. Releituras, em geral, se tornam reféns da carga valorativa do transcritor, mascarando, assim, a originalidade de um texto ou de um personagem.  

Mas, por que tal prática? Onde a criatividade das gerações Y e Z? Estamos vivendo uma crise na criatividade ou crise da criatividade? Será que a capacidade criativa está sendo simplesmente amordaçada? Poder-se-ia falar em manifestação de uma contracultura, mas o que é contracultura senão revolta contra atividades artísticas dominantes? Ora, reedições, releituras, regravações não são ações típicas de um movimento contra cultural; nem mesmo se poderia falar em aculturação. Na verdade, o que se vê é um reacionarismo cultural.

Bem, o argumento de que a arte é a expressão maior da liberdade seria conveniente. Mas que tipo de liberdade artística leva novas gerações a buscaram abrigo em gerações passadas? Poder-se-ia ainda falar na arte como catarse, mas como entendê-la? Catarse se refere à purificação de sentimentos, à liberação de emoções, à exteriorização da sensibilidade. Pergunta-se: estariam as gerações Y e Z privadas de suficientes emoções, sentimentos, sensibilidade? Ou será que atingimos o limiar da sensibilidade ou insensibilidade humanas? O que pode gerar a insensibilidade? O que faz com que os novos seres sejam privados de emoções? O que estagna os sentimentos? Seria um excesso de racionalismo? Seria o individualismo exacerbado? Seria a expansão desmedida de uma tecnologia que promove uma acomodação sistêmica? Seria a fartura do imagético que leva a um abandono do pensar? Seria a gama exorbitante de informações que condiciona e/ou reprime de modo nefasto a busca pelo inédito? Porventura, não seria a intervenção de consequências negativas advindas de gerações passadas? Ou, quem sabe, talvez, as consequências de uma ideologia cultural nefasta?

De fato, as novas gerações lutam por um criar artístico, querem exibir seus novos ideais, querem registrar suas marcas, querem ostentar uma chancela, mas o “como” não lhes foi concedido. Talvez estejamos vivendo a soma de todos os erros.

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