quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

A visita

 

Apenas vontade? Não o saberia dizer. Talvez a rogativa de o meu coração surtira efeito: jovens surgiram e conduziram-me ao inaudito. Não, não havia movimento, mas deslocamento, e isso em grande velocidade. Meu destino? O infinito! Delíquio? Pode ser, mas lá estava eu. Procurei pelo passado... nada. Até mesmo por um futuro... Eu só via agoras: agoras que não precediam ou sucediam. Cronos deixara de existir. Nada de acontecimentos; não havia sucessões. Sem o tempo, a eternidade perdera a serventia.

Mas meu pasmo não se encerrava aí. Conduziram-me inda mais. Lugar nenhum? Somente eu na imensidão, se bem que apenas a ideia do eu; nada presencial, nada material. E o que mais? Nada! Eu visitava a imensidão; eu conhecera um nada prenhe de tudo. Urano também fora banido. O espaço só se faz necessário quando em presença de objetos. Nada havia que suscitasse dimensões.

O mais impactante de minha visita: percebo que o inexistente tem existência. Então pergunto-me pelo eu. Qual a relevância do ego em face de não haver espaço-tempo? Espaço e tempo são intuídos quando na finitude. Sábias as palavras que recomendam um “negar-se a si mesmo”. Afinal, o que conhecemos de fato?  

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Hciduw


A esposa solícita, enquanto arrumava com esmero a mesa para o nosso jantar, permitiu-se um tipo de desabafo: - “Creio que minha comida ficou sem graça”. Bem, ao sentar-me à mesa, preocupado com o que ela me confessara, buscando também demonstrar solicitude, após a primeira garfada, dei início a uma série de risadas. Gente, vós não tendes a mínima noção do que eu passei.

Pois bem, antes mesmo de emitir juízos de valor e culpar as relações, devo dizer que, a meu ver, o problema está na linguagem. Atentemos, pois: como a comunicação articulada é difícil! Considero a fala (sons articulados) algo primitivo, escabroso. A comunicação em si, exige uma substancial dose de boa vontade. Afinal, quando interpretar? Quando apelar para a literalidade? Independentemente do idioma, seres humanos vivenciam suas Babéis particulares.

Em minhas superficiais lucubrações, consegui perceber a gravidade do crime cometido por Prometeu. Por isso a punição: preso a uma pedra e ter seu fígado devorado ad aeternum por abutres. Escritos religiosos vêm corroborar a gravidade do problema ao determinarem o que seria pecado original; Adão e Eva expulsos do paraíso. E que ele, Adão, não ouse sorrir à hora das refeições!  


quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Nova subjetividade

Uma primeira questão: Tratar-se-ia, efetivamente, de subjetividade? Eu poderia até mesmo falar em narcisismo, mas creio que a coisa tem origem distante e se estende ainda mais. Não, a pessoa em questão não admira (apenas) com exagero sua própria imagem; ela quer mais, ela quer ser vista, reconhecida, idolatrada pelo outro. Isso é protocolar! Essa dependência do olhar alheio pode ser responsável, na atualidade, pelo sucesso de “influencers”, “coachs “. Estes, por sua vez, não estão preocupados com a qualidade do que divulgam, mas sim com likes, seguidores, compartilhamentos e emojis de aprovação. Atualmente, já se fala em mutação civilizacional. 

Então, abordemos os desdobramentos: Por não conseguir a atenção desejada, seres humanos lançaram mão de recursos outros, onde até mesmo a arte foi aviltada. Hodiernamente, manifestações artísticas, em geral, revelam a agressividade típica de seus criadores. O que importa é ser visto, conhecido, notado! A arte passou a ter como base simplesmente a subjetividade; conceitualmente, a arte seria apenas catarse. Não mais há preocupação com estética, pois mutilam partes do próprio corpo; rabiscos agressivos (tatuagens) se estendem por toda a pele. Bem, e quando tudo se resume a fracasso, resta o suicídio.

Essa nova subjetividade - na verdade não tão nova, a meu ver - expressa de modo óbvio um construído e nefasto individualismo. O que me causa espécie é o fato de uma sociedade pautada sobremodo numa doentia individualidade falar em respeito ao próximo, em fraternidade, em direito humanos, etc., etc., etc.      



terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Anti saussuriano


E a matéria declara o fim da língua portuguesa no Brasil. De fato? Linguistas assim o dizem: o país, em busca de sua identidade, deixará de usar a língua portuguesa e adotará um novo idioma. De início algum espanto, pois não sabia que o país ainda buscava uma identidade. Mas ... nem tudo está perdido. Todavia, preocupa-me saber a orientação ideológica dos ditos linguistas, afinal existem linguistas e linguistas. E como seria esse novo idioma? Porventura um caldo ralo de abreviaturas, estrangeirismos e corruptelas assimiladas a partir de uma farsa chamada multiculturalismo? Estai atentos: o povo brasileiro gosta da subserviência; a mentalidade é colonialista.

Voltemos aos fatos! A gramática (se houver) terá como base o método Paulo Freire, evidentemente... (risos). Creio que a nova identidade será apenas um ressurgir do tradicional: “Pelé, café e as Mulatas do Sargentelli”, isto é, “Brasil: o país do futebol e do carnaval”. Sejamos honestos: o país já não sabe mais o que é futebol e o carnaval está sob domínio do crime organizado. O povo, além da cerveja, contenta-se no sorver de uma excrecência cafeinada. Sim, só mais uma pergunta: como um país que se declara multiculturalista pode estar em busca de identidade?        

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Empedernido


Por que o desuso na linguagem? Parece-me que há grande empenho em “criar”, de forma célere, um português arcaico, pois percebo uma “língua morta” a partilhar nosso dia-a-dia. Seriam tão somente as dificuldades idiomáticas? Não creio! Dar-se-ia o mesmo com outros idiomas? Ou muito me engano, ou nossas gerações atuais desconhecem nosso idioma falado. Exacerbo? Senão, vejamos!

Em determinado concurso público, o texto apresentado na prova de português continha o termo propínquo. Pareceu-me ter ouvido - não é exagero - certo murmúrio a partir de alguns candidatos. Ao final da prova o termo propínquo era tudo em que se falava. E como a ignorância busca refúgio na galhofa, a coisa em pouco tempo virou piada. Na rua, em frente ao colégio que sediara a prova, alguém perguntou a um casal que passava: - “Ele é teu propínquo?” A mulher então, algo ofendida, respondeu: - “Propínquo é tua avó!” Não obstante a intenção ofensiva, vovós parecem-me a encarnação da proximidade. A linguagem poética, por sua vez, também é vítima do processo de degeneração. O achincalhe fez a bela mulher sentir-se ofendida com o termo pulcritude colocado pelo esposo. Sua resposta: - “Não tendo mais nada para falar, resolveste implicar com minha pulcritude!”

Peço a gentileza de corrigir-me em havendo excesso, mas, salvo melhor juízo, soa-me protocolar o processo de aviltar - degradar - o português. A língua, a norma culta não é distintivo de nenhuma classe social. Fazei-me o favor, a linguagem escorreita não envergonha, não desabona ou ofende a ninguém. A propósito, o termo empedernido não me converte em pedra ou me torna insensível, apenas declara-me não influenciável pelo discurso colonialista que dissemina a ideia do português ser uma língua periférica.           









domingo, 8 de dezembro de 2024

Certeza

 

Enfim nos encontraremos! Não, ela nunca esteve à minha espera; eu jamais a busquei... Mas nosso encontro mostra-se iminente. Mas, por que agora? E, por que não ontem ou em futuro distante? Posso afiançar-vos de que nunca lançamos mão de recursos delusórios para apressar esse tête-à-tête. Descreveram-na como alguém elegante, a fazer uso de roupagens clássicas... seria de fato? Qual nada, mera especulação; há os que a descrevem por exibir faces e petrechos estereotipados. Não obstante aconselharam-me um bem trajar; imaginai: eu um tardio handsome!

Contudo, questiono: por que Certeza? Pois foi desse modo que ela a mim se apresentou. Mas o que significa? Convicção? De fato, na Certeza não há espaço para opiniões. Teria algo a ver com o Absoluto? Dizem-no verdadeiro. O Absoluto me parece único... Certeza absoluta seria pleonasmo. Adjetivos são substantivados, substantivos surgem, adjetivos se insurgem. Hilário (por que não ridículo?) é como seres humanos se valem de eufemismos para reportarem-se ao que lhes perturbam, assustam...  

E nesse meu vaguear caótico ainda penso em apelar à lógica; busco premissas maiores e/ou menores... O silogismo carece de antecedentes, de consequentes. Fado? Falta de sorte? E ficamos à mercê de um depoimento entimemático: a tal Certeza não é outra senão a Morte!             

sábado, 30 de novembro de 2024

Aerofotogrametria


 

Em homenagem a Fernando Monteiro, meu pai e amigo

 

À espera os diapositivos. Sobre a mesa do aparelho o papel canson já com as coordenadas traçadas. O operador examina o par de fotos; aproximadamente 60% de sobreposição. No papel vegetal que recobre as fotos, alguns pontos identificados: são acidentes, postes, esquinas, algum RN (referência de nível). Sim, a escala utilizada será de 1:2000, haja vista a necessidade da prefeitura em identificar novas construções, bem como ampliar o cais na suntuosa ilha. E os diapositivos são colocados nas placas do aparelho restituidor. Agora é sentar e dar início à operação.

Para que as imagens se fundam e seja possível observar em terceira dimensão, faz-se necessário a orientação. De início aciona-se as chaves Kappa, depois as chaves Phi e então as chaves Omega. Com a orientação terminada - não mais paralaxes - busca-se colocar a imagem na escala correta; para isso deve-se lançar mão das chaves BX ou BY. Os pontos identificados nas fotografias devem coincidir com a marcação realizada no papel canson, isto é, suas coordenadas geográficas, bem como suas respectivas altitudes.

Antes de dar início à restituição, gabaritos devem ser extraídos de outras folhas já prontas do projeto. Feito isso, terá início a restituição como um todo, a começar pela hidrografia. O par a ser restituído em questão mostra uma ponta de praia com seus casarões e um pequeno pier. Então tem lugar a altimetria, com curvas de nível bem definidas e delineadas. É possível perceber-se o relevo. Depois terá lugar a planimetria, ou seja, acidentes naturais geográficos e/ou construções. E lá estão casas, ruas, estradas vicinais, postes, cercas, muros, cortes, pontes... Vez por outra uma macega, a lavoura, um córrego, um riacho... 

Mas a tecnologia acabou com tudo isso; acabou com a profissão, com a excelência do trabalho, com a seriedade dos que ao ofício de entregavam. Onde a perícia e precisão corroborados pela arte? Hoje aerofotogrametristas são páginas viradas; tornaram-se meros programadores de lacônicos hardwares e estão à mercê da banalidade dos softwares.

Infelizmente, vida que segue! 

The Jump of Cat (A new trick?)

 

E lá estava o bichano: imóvel, não miava, não rosnava... Acariciei-o e nenhuma reação. O nerd, seu tutor, o chamou pelo nome: Frodo! Frodo apenas virou a cabeça, piscou os olhos e tornou a deitar-se. Arrisquei ainda uma descabida onomatopeia e nada. O nerd, então, pegou seu Apple iPhone 16 Pro Max, digitou alguma coisa e Frodo ficou de pé; conforme ele digitava o gato punha-se a agir de diferentes formas. Pasmai! O gato em questão era apenas um amontoado de algoritmos. Com isso, o antissocial estudioso passou a exibir-se. O corpo feliforme fora esculpido por uma impressora 3D. Acreditava ele ter gerado o pet perfeito: além de não deixar pelos, nada sujar, não necessitar de vacinas, alimentos, água, não perseguir outros animais nem atacar quaisquer pássaros, ele teria bem mais que 7 vidas. Declarou-me que criara Frodo para ser um pet politicamente correto.

Pus-me a vaguear: até que ponto os seres humanos deixar-se-ão dominar por narrativas? Até quando submeter-se-ão à tecnologia? Não, não se trata de ciência; apenas tecnologia. A comodidade passou a atender pela alcunha de IA, Inteligência Artificial. Que lástima, quanto embaraço, quanto equívoco! A começar pelo conceito, pois a Inteligência Artificial não é inteligente. E como corolário, essa não-inteligência é tampouco artificial. O farsante felino agora miava de maneira ritmada e contínua. Uma loucura! O nerd, também incomodado, pressionou alguma tecla e Frodo voltou a seu antigo lugar em silêncio. Ainda atônito, despedi-me do impopular estudioso. Esperei que a porta fosse aberta com a ajuda da password digitada no aparelho celular do jovem.

Nada obstante, assim que a porta foi aberta, antes mesmo de eu sair, enorme cão da raça pastor belga invadiu intempestivamente o recinto e destroçou Frodo. Lamentei o ocorrido; controlei-me para não perguntar: - “E onde está o pulo do gato?”    

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Argumentum

 

Eis no que se resumem todas as relações, sejam elas educacionais, informacionais, sociais, tecnocientíficas, religiosas, ... Estou a falar de argumentação! Tudo não passa de recurso linguístico utilizado para defender uma opinião particular sobre qualquer assunto. Trata-se de mera ferramenta comunicacional para nos influenciar, persuadir a nós, assistentes (interlocutores?) desavisados. Mesmo a se valer de evidências, o argumento é tendencioso, pois que evidências se atêm a fatos. E o que são fatos, afinal? Verdades? Verdades são abstrações! (Atenção: não me referi a subjetividade!) Atentai: não existem fatos, mas interpretações de fatos (agora sim subjetivos). Então o argumentador nada mais faz do que defender a própria interpretação. Provas científicas incontestes? Ora, ora, fazei-me o favor; se a ciência fosse absoluta, não existiriam defensores da Teoria da Terra Plana. E assim vamos nós: Argumentos usados por educadores, argumentos usados por religiosos, argumentos como recurso político, argumentos pseudocientíficos, narrativas construídas para disseminar informações, etc., etc., etc. Enfim, só assimilamos o que é conveniente e útil a outrem.

 

Parece-me que cada argumentador polemista constrói sua torre particular dentro de um universo que atende pela alcunha de Babel.  

sábado, 9 de novembro de 2024

Tou Theoú (De Deus)

 

A natureza, o universo como um todo, é manifestação de Deus; a ubiquidade é distintiva. Por outro lado, cada ser humano, enquanto autolimitação divina, traz em si um dom, um dote natural, algo ínsito. Deus, embora transcendente, faz-se imanente - latente - em todo ser humano. E essa imanência, na verdade uma substância, em nada interfere na individualidade dos seres. A consciência humana, capaz de discernir entre o Eu e o não-Eu, percebe esse dom natural. A vontade, aliada ao livre-arbítrio, busca desenvolver esse dom, que é parte da essência humana. E a fé auxilia na tarefa. Então Deus revela-se aos que se dedicam a tal empreitada. Mesmo que o ser humano despreze sua característica distintiva, o atributo divino nele estará presente. 

Àquele a quem Deus se manifesta, experiencia a liberdade; o conhecimento de Deus é a verdade que liberta. Todavia, essa experiência não pode ser transmitida; é uma relação inefável; ser um com o Uno é intransmissível. O silêncio, portanto, é o que melhor retrata a experimentação.

Agradeçamos, louvemos ao Senhor!    

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Breve aula de etimologia

 

De início, a palavra autoridade referia-se a um autor; seria a característica, a qualidade de um autor, de um criador. Por dominar determinado assunto a pessoa (autor) falava do mesmo com autoridade. A palavra autoridade, no início do século XIII, envolvia prestígio, direito, permissão, dignidade. Do latim auctoritatem (nominativa auctoritas) podia ser entendida como invenção, conselho, opinião, influência, comando. Por auctor, compreendia-se um líder, um mestre, um autor.  

Bem, mas o tempo passou (fins do século XIV) e o significado mudou quase que radicalmente, incorporando o sentido de controle, comando, poder de impor obediência. Autoridades tornaram-se, portanto, aqueles que estão no comando (década de 1610). Pessoas que nada entendem, incapazes de criar o mínimo que seja e sem um pingo de dignidade apossaram-se deste “título” (meados do século XIX), até mesmo por satisfação pessoal. E vede bem: ficamos à mercê não só de policiais pervertidos, mas também de políticos corruptos/semianalfabetos e de iníquos ministros do Supremo Tribunal Federal.  

Ilustre Zé Ninguém


Começo por me perguntar: seria ofensivo chamar alguém de Zé Ninguém? Isso me parece nada mais que um vocativo como muitos outros, se bem que nos dias de hoje, com o ativismo do “politicamente correto”... Mas o sentir-se Zé Ninguém é bem mais grave; é uma consciente autodeterminação. O Zé Ninguém vê-se como um “zero à esquerda”, algo (não alguém) sem qualquer importância. Mesmo aqueles que conseguem algum peso social e/ou poder econômico, graças ao nome de família, favorecimento político ou algo similar, continuam por sentir-se um nada. Todavia, o Zé Ninguém, em geral, é cooptado pela vaidade. Aí estão as origens dos desmandos.  Quando trata-se de um indivíduo sem qualquer importância, ele busca a fama através do crime, podendo tornar-se, inclusive, um serial killer. Quando agraciado pelo poder econômico, mostra-se como um esbanjador; o retrato fiel da prodigalidade (crime, drogas, etc.). Agora, quando alcança peso social, independentemente de ter ou não curso superior (o plágio é usado como recurso) e desfruta do poder, torna-se um tirano. Pasmai! Graças a conluios políticos o Zé Ninguém pode tornar-se até ministro da Corte Suprema.             

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Aýpnosgnosia

 

Em face de eu ter cunhado o termo, sinto-me na obrigação de explicitá-lo. Pois bem, a palavra Aýpnosgnosia indica a incapacidade da pessoa ter consciência de que dorme. Em uma breve e superficial pesquisa, nada encontrei parecido dentro da medicina e/ou psicologia. Portanto, a partir daqui, passo a relatar os sintomas que há algum tempo me vem percorrer. 

Sou daqueles que, por vezes, proponho-me a breves caminhadas, haja vista os 72 anos de idade. Nada de bebidas, fumo ou ingestão de carnes. Entendo desfrutar de uma alimentação saudável: são verduras, legumes, raízes, grãos, frutas, leite e derivados. Costumo deitar-me por volta das 22 horas, e assim que o faço, pego no sono. Importante: são raríssimos os espasmos hipnóticos! Lá pelas 3 horas da madrugada, contudo, precisando verter águas, ergo-me da cama ainda sonolento. Satisfeita a necessidade, retorno ao leito. Então tem início a sensação: não consigo perceber que durmo; eu consigo acompanhar o lento amanhecer do dia. Mas eu durmo. E como ter certeza de que, de fato, durmo? Ora, além de sair do leito descansado, a esposa me narra acontecimentos dos quais eu não tive ciência, ou seja, choveu bastante, alguém telefonou, um vizinho qualquer gritou, a buzina de carros barulhentos, ela chamou por meu nome, etc.

Agora é chegada a hora da especulação! Seria um estado vegetativo reverso? Seria uma espécie de narcolepsia? Sei que perdemos a consciência quando dormimos, mas não perdemos a consciência de que dormimos... Seria uma modalidade de sono REM onde a entorno se transforma em sonhos lúcidos? Seriam neurônios superativos? Bem, se a coisa for por aí, doravante preocupar-me-ei em desfrutar apenas de ambientes agradáveis.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Alien incident

 

Ao ler determinado exemplar do Correio Brasiliense (23/05/2023), soube que nosso planeta estava por receber sua primeira mensagem extraterrestre. Ainda tomado de surpresa, inscrevi-me no fórum de discussão global, cuja finalidade seria decifrar a tal mensagem. Contudo, o comunicado teve origem em equipamento da Agência Espacial Europeia, localizado em Marte, com o objetivo de verificar as habilidades humanas para interpretar possíveis mensagens alienígenas.

Postei-me frente - stand by - ao meu laptop para aguardar a hora da dita comunicação. A meu lado livros sobre linguagem matemática, filologia, interpretações cabalísticas, anotações pessoais... Por fim, a tão esperada mensagem chegou com sons ruidosos, alguns silvos, um cadenciado bulício; nada fazia sentido. Depois de gravar os estrépitos e os ruídos cadenciados, dediquei-me a repeti-los exaustivamente. Horas se passaram e ninguém arriscava qualquer tradução. O sono arrebatou-me.

Despertei não sei quanto tempo depois a ouvir um sinal diferente do que recebera de início. Era um sinal sincopado que se repetia alternadamente, como se para chamar a atenção. Observei que os membros do fórum de discussão estavam off-line. Somente eu ouvia aquilo? Concentrei-me no sinal. Parecia algo como um SOS. Sim, é isso! A fazer uso de meus pouquíssimos conhecimentos acerca de linguagem matemática, tentei enviar uma resposta na frequência por mim identificada. Deu certo. Bravo! Bravíssimo!

Pois bem, após esse primeiro contato, a comunicação ficou mais fácil. Meus interlocutores pareciam dominar meu idioma. Mas, qual seria a finalidade daquela comunicação? Por que logo eu? Por que este país? Por que o idioma? E a resposta veio em pouco tempo. Simples, com o fito de conhecer melhor a raça humana, um dos aliens encontrava-se infiltrado no país, mais exatamente em Brasília, no dia 08 de janeiro. Puxa vida, o coitado fora preso e levado para a Papuda sem mandado de prisão. Assim como o vendedor, o entregador de pizza e o motorista de taxi, ele também, o alienígena, foi detido sem mesmo saber sua acusação e sem poder pagar um advogado.

A conversa nesse ponto já demonstrava a exaltação de meu interlocutor. Pude perceber que a indignação maior pairava sobre a acusação de terrorista, fascista, golpista, etc ... O alienígena chegou a perguntar quem era Bolsonaro. Eu só consegui rir. Soube que o advogado contratado por membros de uma organização social, ciente de que o processo corria em segredo de Justiça, revelou as origens do seu cliente. A coisa ficou feia, pois o ministro Alexandre de Moraes começou a desconfiar que, dentre os presos, haviam muitos alienígenas, financiados pelo velho da Havan, com intuito de agredirem o Estado Democrático de Direito.

Bem, até o momento a Folha, o Estadão, UOL ou Globo não falaram disso, mas se o fizerem, por certo dirão que  Bolsonaro aliou-se também a extraterrestres para dar um golpe. Os alienígenas, por outro lado, estão sobremodo irritados com a situação do preso em questão e falam até em ataque coordenado às sedes dos três poderes em Brasília. Oh, coisa boa! Teríamos uma sorte dessas?

O sinal foi cortado de repente... será que o Xandão censurou nossa comunicação?               

domingo, 27 de outubro de 2024

Profecia apócrifa

Não, não foi o Senhor quem falou comigo ou tornou-me arauto de Seu pensamento. Creio ter sido influenciado pela muita leitura e/ou violentado pelo excesso de informações... mas fato é que imagens vêm se formando há algum tempo em meus pensamentos. Disponho-me portanto, não só divulgá-las, mas também partilhá-las convosco, meus possíveis leitores.

Uma primeira visão revela-me alguns funerais (11, se não me engano). Mas são solenidades carregadas de pompa (as circunstâncias é que não são agradáveis); o fausto evidencia pessoas ilustres. Mas o esplendor agora é mórbido, uma magnificência sombria. E lá estão os corpos inanimados, ainda togados, dos ex-ministros (há também uma representante feminina) a ouvirem discursos repletos de elogios canhestros e serem carpidos pela hipocrisia.

Uma segunda imagem retrata o hostil, a desforra, algo próximo da vingança, acontecido uma semana após o descrito sepultamento. O povaréu chega ao cemitério em silêncio, aproxima-se das referidas 11 tumbas, e tem início o funesto ataque. Jazigos depredados. Os corpos são retirados dos sepulcros (não caiados, mas marmorizados). A putrefação é ofensiva; a fetidez provoca um regurgitar simultâneo. Cães igualmente sombrios aparecem para tomar parte naquele ritual pagão. Os manifestantes afastam-se lentamente. Os corpos, ou o que restou deles, assemelham-se, então, a esterco.

Triste fim para a arrogância, fatuidade, felonia, ganância, iniquidade, corrupção! 

sábado, 26 de outubro de 2024

Perversão cultural

 

O termo cultura pode ser entendido como conjunto de tradições, crenças, princípios morais, manifestações artísticas e/ou intelectuais que identificam um povo, uma nação ou grupo social. E a título de exemplo ao respeito pela identidade cultural de diferentes povos, cito o Império Romano, que apesar de tão vasto, nunca se imiscuiu na cultura dos povos sob seu domínio. Ora, a cultura de um povo sofre influências no convívio com forasteiros. O próprio Império Romano assimilou - e muito - a cultura grega quando sob seu domínio, haja vista a similaridade mito/religiosa. “Graecia capta ferum victorem cepit et artes intulit agresti Latio”. (Conquistada a Grécia, o conquistador selvagem levou e trouxe as artes para o Lácio selvagem).   

Todavia, observemos agora as consequências da aceitação passiva de uma cultura estranha dentre uma sociedade com sólida identidade. O que está acontecendo na Europa? O que dizer da pretensão de alguns povos islâmicos em subjugar culturalmente países como Alemanha, França, Inglaterra, etc.? O multiculturalismo, movimento social da esquerda norte-americana, apesar do discurso falacioso pautado em outra farsa, que atende pela alcunha de Direitos Humanos, tem como objetivo precípuo perverter a cultura ocidental. A tão propalada luta pelos direitos civis de grupos dominados tem por base mera narrativa que se declara a favor da igualdade. A parafrasear Nelson rodrigues: “A igualdade é burra!” Não pode haver convivência harmoniosa entre culturas e crenças tão díspares! Cidadãos de pele branca, letrados, heterossexuais e cristãos não são marginais; eles simplesmente são. E, por favor, parai com essa baboseira de diferentes concepções multiculturalistas; todos os estrangeiros querem ter sua cultura assimilada pelo povo que os recepcionou.

O Brasil, por sua vez, já com dificuldades por determinar uma identidade cultural (seja lá qual for), é nada mais que cobaia nesse experimento nefasto. O que temos então? Não só a mentalidade colonial, mas uma extremada subserviência.    

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Ativismo “Woke” e a geração “Floco de Neve”

 

A nova geração assimilou tal ativismo. Como? Busquemos as origens. Em geral, trata-se de alunos da classe média a desfrutar de vantagens sociais, como por exemplo, uma educação acima da média. Todavia, essas vantagens não lhes tornam exemplos de moralidade; há como que uma necessidade em mostrar elevado nível moral. Pois bem, além da educação doméstica pautada na superproteção, graças ao psicologismo atuante, (em tudo vê fonte de traumas), temos um engodo chamado Conselho Tutelar (um modo do Estado imiscuir-se na educação familiar). Como contraponto, observa-se que esta geração, na maioria dos casos, tem apenas um dos genitores presentes no lar. Outrossim, da escola vem a carga maior, pois a doutrina mascara-se de pensamento crítico. Uma simples operação matemática ou uma aula de ciências da natureza carrega em seu bojo questões sociais a serem discutidas. Eis aí, em síntese, as origens do pensamento crítico, se bem que o termo crítica assume novo conceito. A crítica em questão volta-se ao oponente ideológico, tendo-o como inimigo. Não se trata de discordância; a crítica quer diminuir, menosprezar, desacreditar, marginalizar... Quando na Universidade, o vício toma vulto.

Em tudo essa geração vê algo nefasto, algum tipo de injustiça social; e por conta disso acredita-se intelectual e moralmente superior. Na verdade, essa geração foi contaminada por um sentimentalismo tóxico, que destrói a capacidade de pensar e aniquila a certeza da importância do conhecimento. Conteúdos científicos são relegados a segundo plano em nome de demandas sociais. Eis o analfabetismo funcional! Ao elegerem ídolos, buscam os “ungidos”, ou seja, posições superiores desfrutadas por alguns dentro da hierarquia ideológica. Os “Flocos de Neve” por tudo se ofendem, pois educação escolar e orientação familiar fizeram deles pessoas emocionalmente vulneráveis. Sofrem de ansiedade e depressão e passam, em média, 9 horas por dia, a interagir em plataformas digitais.  

É bom ter em mente que o ativismo Woke - Justiça Social Crítica - tem suas raízes no marxismo, se bem que mesclado ao pós-modernismo. Podemos até falar em progressismo, baseado no relativismo, no não permanente, no subjetivismo. Em suas primícias está a Escola de Frankfurt, formada por dissidentes nazistas, o que não os inocenta da carga viral do nacional-socialismo. Aliás, um nazifascismo bem dissimulado nos discursos inflamados que declara preocupação com os menos favorecidos.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Talvez uma síndrome

 

O ser humano não estava, ou melhor, ainda não está preparado para o conhecimento. Eis nosso pecado original. O contágio com o conhecimento e seus efeitos está na origem de tudo, na origem da agressividade, da vaidade, da arrogância ... O “Prometeu Acorrentado” de Ésquilo (525 a 456 a.C.), na verdade, não era um semideus. Segundo Enoque (sec. III a.C.) seria um anjo decaído, talvez um deus alienígena, a metafórica serpente. O fruto proibido da árvore que faculta o diferençar entre o bem e o mal, nada mais é do que o conhecimento, conhecimento este que quando empregado desencadeia toda sorte de iniquidades. O conhecer advindo do fogo trazido por Prometeu mostra-se como a bela Pandora; em suas mãos a caixa, o presente ofertado a humanidade: a ciência! A caixa quando aberta libera todo tipo de mal.

Não só o pensar, mas o falar, o domínio da linguagem também traz atrozes consequências. Aliada ao linguajar está a hipocrisia, a malícia, o proposital engano. Babel está justificada. Seres humanos ainda carecem de preparo para pensarem e/ou transmitirem pensamentos. O que nos resta, então? A esperança, presa à tampa da caixa exibida por Pandora; exatamente o que a ciência não pode proporcionar.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Shit

 

Ambientalistas/ecologistas (oportunistas, talvez... Ato falho ou lapso de língua?) apelaram para a esquerda verde com um projeto inusitado. Após consultas à ANVISA e à SUDEMA a coisa foi parar em nossa Corte Suprema. Pasmai, depois de refrigerada discussão e o voto do relator, a decisão inefável do nosso novo órgão legislador, o STF! Decidiram Suas Excrecências que fica proibido o amassar de bananas; o fruto, portanto, deverá ser ingerido ao natural. No amassar dos frutos estar-se-á a cometer grave crime, pois em virtude das consequências oriundas da ingestão - constipação intestinal (prisão de ventre) - agride-se o Estado Gastroesofágico de Direito. O crime é considerado de natureza inafiançável, oportunizando prisão em flagrante, multa, busca e apreensão.

A propósito, essa deveria ser a preocupação ímpar da nossa Corte Constitucional, ou seja, com as merdas que são feitas!     

sábado, 20 de julho de 2024

Uma tarde em Odessa


Grande amigo, diplomata, disse-me que falar francês é fácil: deve-se começar sempre por um sonoro Bonjour, em meio a frase solta-se uns dois ou três assintomáticos Voilà e ao terminar um sincero Merci. Seria verdade? Não o saberia dizer, mas algo parecido sucedeu comigo no porto de Odessa, Ucrânia, então parte da extinta União Soviética.

Meado dos anos oitentas; janeiro, se a memória não está a me pregar peças. O Mar Negro em parte congelado. Por isso a proa bulbosa dos navios: quebrar gelo. E eu em Odessa... Não, eu não fora ali em busca de nenhum dossiê. Simplesmente minha vida de marinheiro mercante facultou-me oportunidades únicas. Creio não ser necessário dizer do frio intenso, mas é bom fazê-lo. Como suportar a temperatura daquele lugar? Alertaram-me para que saísse à tarde, pois a noite eu não aguentaria. E assim o fiz. O céu acinzentado, impassível... O impiedoso clima me incomodava. Solução? Um bar!

Adentrei o recinto não querendo parecer neófito. Qual nada; perda de tempo. E o idioma? Eu decorara, se muito, três ou quatro palavras; todas exclamações. E por incrível que pareça, foi com elas que passei uma tarde em Odessa. Minha primeira palavra: Vodka! (dispensa tradução). Assim que era servido, eu agradecia com spasibo! (obrigado). Em seguida, com o copo em riste, eu exclamava zdorov’ye! (saúde). Bem, isso se repetiu incontáveis vezes, até que o frio pareceu ter-se ido e a cabeça dar início ao penoso giro. Despesa paga, antes de abandonar o recinto, voltei-me com veemência e disparei um dasvidaniya! (adeus).

Nunca mais tive oportunidade de retornar a Odessa; ficaram apenas lembranças. Dentre estas a do companheiro de viagem que, entusiasmado pelo idioma e costumes soviéticos, e de tanto ver certo termo estampado em boletins, cartazes e documentos nos quadros de avisos, decidiu colocar o nome do filho recém-nascido de MockBa.      


quarta-feira, 10 de julho de 2024

Vivere

 


Um dia qualquer, talvez data de importância abstrata... e eu quis viajar. Para onde? Determinado lugar, algo distante; diziam-no paradisíaco. Recordei-me da amiga que morava próximo a meu intentado destino. Alguma bagagem e a viagem teve início. Então se passaram dois dias ou mais; não sei ao certo. Primeira parada: casa da amiga. Que coisa esquisita! Ela me pareceu alheia, irreconhecível, uma estranha. Onde o carinho, a atenção, a empatia? Abracei-a, mas foi tudo desconfortável. Optei por despedir-me. Assim o fiz e parti em busca do dito paraíso. Qual nada! Lugar desconfortável com poucos casebres; pessoas amargas, desconfiadas, agressivamente fleumáticas. Evadi-me. E lá deixei muito de mim, além do casaco e da pouca bagagem.

Vida é isso, ou bem mais do que isso: nem caverna platônica, Matrix ou a vaidade de vaidades salomônica. Viver é colecionar mentiras!

sábado, 23 de março de 2024

Useiro e vezeiro

 

Eu, e essa minha mania (não sei se salutar; espero que sim) de recordar. Recordemos, pois. Volto-me ao final dos anos cinquentas. Uma rua de subúrbio em desalinho com as demais. A menos de 100 metros, a primeira esquina em ferro de engomar. Nesta, o bar com pomposa mesa de sinuca (snooker). Vizinha ao bar, a então famosa loja: cama, mesa, banho e brinquedos. Lá, eu e meu irmão fomos fotografados em companhia de um conhecido casal de humoristas da época. A casa ao lado da loja abrigava numerosa família chefiada pelo motorneiro de um saudoso bonde.

Defronte, do outro lado da rua, o prédio de 3 andares que me servia de morada; construção antiga a exibir paredes de grafiato. No térreo, a loja do Sr. Oscar, uma autoescola. Era comum observar-se próximo ao calçamento exemplares automotivos do tipo Packard 1940, Oldsmobile 1942, Chevrolet Bel Air 1952, o clássico Citroën 1948 ou até mesmo um Nash 1949. À esquerda, indo em direção à praia, a Igreja Pentecostal; à direita, algumas outras casas e lojas. Sim, havia uma sapataria, um açougue e o Sr. Deusdete, o bugigangueiro, ou seja, a lojinha que vendia banalidades. Anos mais tarde, a filha dele, professora Marília, possibilitou-me o ingresso no curso ginasiano.

Ainda na mesma calçada, a loja referência da infância: o herbanário. Sim, dali saiam os remédios, as poções, as ervas, as drogas homeopatas manipuladas: hamamelis, arnica, etc. E pasmai, logo a seguir, numa segunda esquina em ferro de engomar, a farmácia alopática. Já na outra rua, quase em frente à farmácia, o cinema, no qual assisti alguns filmes de sucesso estrelado por Jerry Lewis. Na junção das 3 ruas, das 3 esquinas, o amplo espaço, e sobre a vasta e oposta calçada uma enorme pedra.

E tudo a desembocar na avenida principal. E lá ficava a padaria; o pão quentinho, o leite na leiteira, o café torrado e moído na hora. Ao atravessar a rua, o muro que corre paralelo à via férrea. Ainda ouço o apito do trem de então; algo como um lamento. Ao trem moderno falta um quê de romantismo, de sensibilidade, a ternura intransmissível. Infelizmente, a vivência não é hereditária... Aquilo se foi, desfez-se, o tempo já não é presente. O que nos resta, então? Apenas o saudável passado!  

quarta-feira, 13 de março de 2024

Sugestão

 

Que fique aqui registrada minha humilde colaboração à democracia (relativa) brasileira. Não, nada de projeto de lei; isso seria demorado, pois que submetido ao congresso, sujeito a emendas e origem de desafetos. Trata-se de uma simples sugestão. Vamos a ela! Em virtude da patente coligação PT / STF, que a abertura dos trabalhos de nossa suprema corte, bem como os do Tribunal Superior Eleitoral, sejam anunciados por um “cabaretier”. Sim, pessoa encarregada de anunciar as atrações apresentadas em um cabaré ou em um circo. Contudo, eu não poderia comparar o STF ou o TSE a um cabaré, pois isso seria desrespeito ao cabaré, haja vista o acatamento e obediência às regras que norteiam dito estabelecimento. Poder-se-ia dizer que cabarés possuem “ordenamento jurídico”. Já em comparação ao circo, permito-me ouvir um “cabaretier” (versão atualizada do Cid Moreira) com voz empostada, em alto e bom tom, preceder às sessões de nossa corte constitucional, a fazer uso da famosa anáfora: - “Respeitável Público!” Afinal, ali tudo não passa de mero espetáculo circense. A diferença é que os saltimbancos togados empenham-se em transformar toda uma nação em palhaços.          

sexta-feira, 1 de março de 2024

Ataque à democracia


O voo atrasara... e eu a vagar pelo aeroporto Presidente Kubitscheck, em Brasília. Meu destino, o nordeste, tornava-se cada vez mais distante, pois ainda teria uma conexão em Cumbica, São Paulo. A companhia aérea já nos aconselhara a tomar lugar em certo restaurante, afinal, fome e ansiedade são parceiras. Depois de muito andar, eis o estabelecimento comercial, se bem que pareceu-me um tanto sofisticado. Optei por mesa afastada, identifiquei-me e permiti-me olhar o entorno: funcionários públicos enfatuados, funcionárias com maquiagens automotivas; acolá ministros supérfluos de ministérios desnecessários. Eis o cenário que me acompanharia o repasto.

E o garçom trouxe o menu. Massa: a minha predileção. Sim, macarronada à parmegiana! Desafiador. Vamos a ela! As primeiras garfadas recordaram-me vovó: Supimpa! Delícia; o prazer inefável. Alguns goles de não suntuoso vinho rematavam o deleite. Mas minha voracidade arrefeceu com o passar do tempo. Aviso ecoou pelo sofisticado refeitório a avisar que o problema com meu voo já tinha sido solucionado; embarque iniciado no portão 16. Chamei pelo garçom e ergui-me, disposto a adentrar celeremente na já sonhada aeronave. Nada obstante, percebi ligeiro desconforto em meu ventre, uma frágil dorzinha...

Depois de enfrentar inescapável fila, apresentei o cartão de embarque e caminhei pela passarela que dava acesso ao avião. Embarque tumultuado! Muita gente a colocar os pertences nos maleiros acima das poltronas. Creio haver mais poltronas do que maleiros. Enfim meu lugar. Mas o que é isso? O que significa? Uma senhora afrodescendente ocupava o lugar a mim destinado. Temendo acusação de machismo ou racismo, com extrema cautela apresentei à passageira meu bilhete. Unbelievable, mesma poltrona! A aeromoça foi chamada. Conferiu nossos bilhetes, pediu um tempo e afastou-se. E eu de pé no corredor da aeronave em meio ao tumultuado embarque.

Alguns minutos foram suficientes para que houvesse uma solução: a comissária conduziu-me à primeira classe; seria uma cortesia da companhia aérea. Confesso que experimentei certo regozijo, muito embora a dorzinha no ventre e a crise inesperada de azia. Mas minha alegria durou pouco, pois dentre os diletos passageiros da dita primeira classe estavam dois ministros de nossa Suprema Corte. Sentei-me e busquei relaxar; coloquei o cinto de segurança. Evitei olhar para os companheiros de viagem. Após todos os avisos e procedimentos protocolares, o avião taxiou e começou a correr pela pista. Take off!

Já podíamos reclinar o assento. Assim o fiz, mas meu organismo mostrava-se relutante; teimava em fazer-se enfermo. Ânsia de vômito! Coisa desagradável. Dispus-me ir ao banheiro, soltei o cinto e pé ante pé dirigi-me ao reservado. Todavia, mesmo antes de entrar, um dos ministros tomou-me a frente. No fechar a porta da esvoaçante “casinha”, sorriu-me com deboche e deixou escapar algo como: - “Perdeu mané!” Eu relutava. Enorme esforço para não me permitir vomitar ali, na primeira classe do agitado voo. Porém, as condições do tempo não me foram solidárias. O aviso de sentar e colocar os cintos acendeu. Tentei voltar à poltrona, mas não houve tempo... regurgitei ali mesmo: aos pés do ministro que ficara sentado.

Imaginai meu embaraço. Não só por ter regurgitado, mas por tê-lo feito nos pés de um ministro; ministro esse conhecido por sua contumaz arbitrariedade. Ele era prejudicial justamente por tomar decisões intempestivas e dar sentenças pré-judiciais. Ergui os olhos e o encarei. Creio que deva sofrer de alopecia, pois sua cabeça não ostentava um fio de cabelo sequer. Olhou-me com fúria quase incontrolável. Já que sem seguranças, gritou pela comissária. A moça chegou e tentou auxiliar-me, ofereceu-me algum medicamento. Mas o ministro estava aos berros; obrigou a comissária a conduzir-me para outra classe. De imediato, pude perceber em Sua Excelência as três características clássicas de um psicopata: mentira, agressividade, dissimulação. A figura do calvo ministro estampava carência de empatia ou quaisquer sentimentos. Enfim, eu fora tão humilhado que cheguei a me sentir bem por ter vomitado em seus sapatos de verniz. 

Por incrível que pareça, depois do acontecido, meu organismo refez-se, reequilibrou-se. E o voo para São Paulo seguiu seu curso; eu aboletado nas acomodações reservadas aos tripulantes. Pensei no que comera: uma macarronada à bolonhesa, coberta de queijo e levada ao forno para gratinar. Já que distante até mesmo de uma rudimentar enologia, não poderia culpar a única taça de vinho pelo mal súbito. Ou teriam sido ambos? Intolerância à lactose? Fígado? Comida muito gordurosa? Infecção intestinal? Eu esbanjava diagnósticos quando a voz do comandante anunciou nossa chegada à Cumbica; em breve, um novo embarque levar-me-ia ao ensejado destino.

Qual nada! Assim que aterramos e as portas se abriram, entraram no avião dois agentes da Polícia Federal. Adivinhai! Sim, exatamente isso: eu estava sendo preso. O Ministério Público aceitara a denúncia enquanto voávamos? Nada me foi dito. Desembarquei algemado. Por que? Qual teria sido o meu crime? Os policiais não poupavam truculência. O ministro, quando abordado pelos policiais, disse que eu deveria ser considerado alguém muito perigoso, pois que minhas atitudes deixavam transparecer uma velada perfídia. Eu - na verdade um anti-herói -  fora considerado terrorista! E concluiu: - “Ele atentou contra a democracia!”

Enquanto desfilava algemado pelos corredores do aeroporto ladeado por policiais, pus-me a pensar: se vomitar é um atentado à democracia, o que dizer da flatulência ou da diarreia? Sim, meu celular fora confiscado; tive meus sigilos bancários e telefônicos quebrados. Segundo meu advogado, eles estão investigando para saber o que originou minha indisposição; desconfiam da ingestão de uma lata de Leite Condensado possivelmente a mim presenteada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. A pobre comissária de bordo também está sendo investigada, não só por ter-me conduzido à primeira classe, mas também pelo auxílio quando fora vitimado pelo mal-estar.          

Gente, alguém (não quero saber seu nome) declarou que vivemos em uma democracia relativa. Vou mais longe: vivenciamos uma risível democracia!


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Dançantes

 

Antigo filósofo já o dissera: “Bom governante é aquele que faz o que o povo precisa e não o que o povo quer”. Seria isso factível, principalmente nos dias atuais e no Brasil? Em face de grande verba transferida para determinada prefeitura, sua administração, na figura do prefeito, resolveu fazer uma enquete. Como utilizar tal verba? Investir em saúde? Em Educação? Segurança? Saneamento básico? Festejos? Pasmai, mas 87,39% dos entrevistados escolheram os festejos. Então, por inferência declaro: Como é difícil ser um bom governante!

É isso! A característica dançante do povo é pré-histórica. Nossos antepassados dançavam para homenagear os deuses, pedir chuvas, água, alimentos, etc. (afinal, na época não havia bolsa-família). E parece que essa faceta - eu falo de dançar - tornou-se algo como um rótulo bem tupiniquim. O país está a se acabar em problemas: inflação, aumento excessivo de gastos públicos, reoneração nas folhas de pagamento com potencial aumento de desemprego, mal estar com a Europa, com Israel, com os Estados Unidos, por conta de declarações imbecis de um ébrio descondenado... e o povo dança.

Dizem que nossa musicalidade tem origem na miscigenação índio-afro-europeia. E essa musicalidade aliada à característica dançante tornou esse povo irresponsável; bastante alegre, mas irresponsável. É pertinente relembrar que os grandes festivais tiveram lugar mesmo durante o governo militar. Dança-se samba, valsa, bolero, xote, xaxado, merengue, salsa, funk, rock and roll, hip hop, sofrência... o povo brasileiro dança até anúncio da Coca Cola. Os problemas e as dificuldades estão presentes, mas o negócio é dançar. Em uma breve adaptação posso dizer: “Quem dança seus males espanta!”

O povo não abre mão do Carnaval; o importante é saber se determinada escola sairá vencedora... Há os que defendem “Carnavais Fora de Época”. As Festas Juninas estão próximas; dança-se a quadrilha. Narrativas, as mais variadas, vinculam essa faceta musical/dançante (arte?) à uma bagagem cultural. Aqui pouco importa se a situação geoeconômico-política do país se agrava; o negócio é festejar, é continuar dançando. Não para deuses, mas para construir heróis. Alguns “eus” tornar-se-ão heróis, nem que seja por poucas horas. A dança não mais louva quem quer que seja; a dança, nesse caso, infelizmente, apenas inibe um querer ser livre. 

A arte como um todo, muito embora lenitivo, não deve servir de desculpas para o descomprometimento.    

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

O doce cheiro do lixo

 

Seres humanos, em geral, não gostam de seguir regras... Então lhes foi ensinado (para isso serve a doutrina) confundir indisciplina com liberdade. O mais curioso é que, quanto mais falam em liberdade, mais e mais assimilam o comportamento escravo; isto é: amam fazerem-se de vítimas e apontarem responsáveis por seus fracassos. O populismo vem, de certo modo, complementar o projeto, pois após identificar possíveis “vítimas” dentro de um sistema previamente moldado, cria mecanismos cujo objetivo precípuo será apenas instaurar a total dependência desses indivíduos em relação ao Estado. Esse messianismo hipócrita e danoso arrebata corações e mentes. Tal mecanismo tem nome: projetos sociais. Vamos a eles!

Na Educação, tais projetos beneficiam mais a empresários do que a possíveis alunos. O Estado preocupa-se em fazer com que o ensino superior preencha as várias lacunas deixadas pelo ensino fundamental. Mas o analfabetismo funcional é fato; estudantes sequer sabem ler e/ou realizar uma mera operação aditiva. Então a irresponsabilidade estatal faz uso de jargões populistas como “Universidade para todos”.  A hipocrisia chega a ponto de criar uma “Ciência sem Fronteiras”, onde diz promover o avanço da ciência e tecnologia. Acostumados a tudo corromper, lançaram o programa “Pé de Meia”; uma tentativa esdrúxula de evitar a evasão escolar. E a “Pátria Educadora” desfruta dos piores índices educacionais em todo o mundo.

Na área da saúde, o programa Mais Médicos propõe fortalecer o atendimento, tendo como objetivo questões emergenciais. Será? Ora, a partir do caos educacional instaurado no país, questionar-se-á a formação dos profissionais de saúde. Não seria mais uma falácia? Isso justificaria a contratação de profissionais estrangeiros... Programas como Farmácia Popular apenas reforça a dependência da população em relação ao Estado; é vilipêndio. O programa Dignidade Menstrual nada tem de digno. 

Programas de acesso à moradia e transferência direta ou indireta de renda só fazem aviltar cada vez mais a dignidade humana. E a pergunta que não quer calar: será que a população sabe o que significa dignidade? Certa frase do ex-presidente norte-americano Ronald Reagan é bem pertinente: “Acredito que o melhor programa social é o emprego!”  

Em minha fase notívaga, ao perambular por ruas elegantes, iluminadas e arborizadas, não deixava de perceber o aroma adocicado advindo de ocultas lixeiras.  

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Eu no universo kafkiano

 

E tudo teve início com uma das minhas postagens - mesmo que não muito afeito às redes sociais - na qual dispus-me discorrer, de modo superficial, diga-se de passagem, acerca da atitude não tomada por certo chefe do executivo. Pasmai, mas invocar o artigo 142 da nossa Constituição Federal revelou-se-me como crime, um golpe contra a democracia. Indiferentemente se com os poderes constitucionais à deriva; mesmo que a lei e a ordem estejam à mercê de baderneiros. Ora, então, por ilação, posso entender que nossa Constituição Federal possui certo dispositivo que pode proporcionar um golpe de Estado, de modo a afrontar, assim, a democracia que intenta defender. Em resumo: ao se invocar a Constituição estar-se-ia colocando contra a mesma; seria inconstitucional invocar a Constituição. Bem, deve ser por isso que o Supremo Tribunal Federal a agride diariamente. Talvez seja esse - aqui especulo - o resultado das indicações para os cargos de ministros da Suprema Corte (a quase totalidade deles sequer foram juízes), mas que se colocam sob a égide de um pretenso “notável saber jurídico”.

Pois bem, depois da citada postagem minha vida mudou; e não foi para melhor. Pontualmente, às 06:30 horas de uma manhã sonolenta, a Polícia Federal, ou melhor, a milícia particular do STF, chegou à minha casa. Bateram à porta, forçaram-na, arrombaram-na. Armas na mão: uns doces de pessoas. Exibiram meu mandado de prisão. Eu não resisti nem tentei fugir, mas fui algemado. Crime? Até hoje não sei. Fake News? Atentado contra a democracia? Terrorismo? Definitivamente não! Talvez por não me ter vacinado... O fato é que reviraram minha casa para cumprir mandado de busca e apreensão. O que levaram? Pasmai: um computador HP com mais de 20 anos (o qual ainda exibe com orgulho um Windows 7), meu nada sofisticado telefone celular, um boné novinho com o símbolo da cachaça Pitú, meu passaporte, um canivete suíço (arma branca?), uma máquina fotográfica Nikon e uma caixa de pomada Proctan do primo de um amigo.

Levaram-me para exame de corpo delito e depois para uma cela no prédio da Polícia Federal. Não pude contatar um advogado, mas alguns “causídicos” apareceram do nada a assediar-me psicologicamente; pediam algo em torno de 30 mil reais para pegarem meu caso. Cá entre nós, mesmo que vendesse meu carro velho não conseguiria a metade da quantia. Parece-me que somente os tais “advogados paladinos” conheciam minha acusação. Tive quebrados meus sigilos bancário e telefônico. O que descobriram? O que eu tentava esconder da família: que havia atrasado o pagamento do cartão de crédito e que minha aposentadoria não passa de um salário mínimo. Audiência de custódia! Fora preso em flagrante? Qual teria sido meu crime?  Todavia, minha prisão tornou-se preventiva. E lá fiquei por uns 40 dias: a comer mal, dormir pior ainda e com direito a apenas 20 minutos de banho de Sol por dia. Até que do nada, numa preguiçosa segunda-feira, colocaram-me uma fashion tornozeleira eletrônica e mandaram-me de volta para casa.

Bem, estou a aguardar julgamento. Continuo desconhecendo a acusação. Sei que meu processo corre em segredo de justiça. Acesso aos autos? Nem pensar! Muito embora sem foro privilegiado, serei julgado pelos ministros do STF. Quanta honra! Serei condenado? Certamente; não porque eu seja culpado, mas por saberem-me bem melhor do que eles. Eis o que se esconde por trás do discurso democrático!             

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Um teatro mambembe

 

Respeitar-vos-ei se quiserdes entender o relato a seguir como mais uma teoria da conspiração. Todavia, fontes não oficiais aliadas ao bom senso conduziram-me nesta empreitada. Vamos a ela! Perguntamo-nos por que centenas de pessoas acampadas durante tantos meses em frente ao quartel-general em Brasília resolveram, de uma hora para outra, invadirem e destruírem os prédios do governo. É bom frisar que durante o tempo decorrido no referido acampamento, jamais se observou quaisquer atitudes de agressão, desrespeito e/ou baderna. Mas chegou o 8 de janeiro e então...

Permitamo-nos, contudo, observar detalhes que a velha imprensa omite: Um ou dois dias antes (6 ou 7 de janeiro) do acontecido, autoridades, ligadas aos militares, aconselharam ao grupo de acampados que desistissem do movimento, pois nada adiantaria, haja vista as decisões tomadas e o governo já em transição. Então o grupo começou a dissolver-se. Mas o governo recém eleito e seus pares não gostaram da pretendida dissolução, até porque algumas “medidas” (???) já haviam sido tomadas. Coincidentemente, o presídio da Papuda fizera recente licitação e acabara de receber 1000 colchões dias antes do dia 8 de janeiro. De repente, os acampamentos que estavam em fase de desconstrução experimentaram o recebimento de novos “apoiadores”, que incitavam maior empenho e uma “visita” aos prédios dos três poderes. E a visita teve lugar. Os novos “patriotas”, além de camisas em verde e amarelo, usavam máscaras ao estilo Black Blocs; outros usavam máscaras contra gases e luvas de proteção. Fato curioso é que militares semi fardados (sem identidade ou posto) participaram do quebra-quebra. E a polícia chegou ostentando truculência, a usar balas de borracha e gás de efeito moral. Os militares presentes nos palácios aconselhavam aos manifestantes a não saírem das dependências, pois que ali estariam seguros. Bem, mas a polícia reconheceu e capturou apenas os manifestantes que NÃO (o grifo é meu) usavam máscaras. Prendeu crianças e pessoas de idade avançada; cidadãos que sequer estiveram nas dependências dos palácios foram também encarceradas.  Dias antes, em 12 de dezembro, dia da antecipada posse do atual presidente - quando prenderam o índio Serere Xavante - estavam presentes os tardios “patriotas” do acampamento, só que desta feita sem o uso de máscaras. Eles foram reconhecidos pelos verdadeiros manifestantes (os poucos que se livraram da milícia do STF).

Fazia-se mister a abertura de uma CPMI para averiguar os estranhos eventos ocorridos no 8 de janeiro, mas o governo, a princípio o principal interessado em apurar os fatos, declarou-se totalmente contra a criação da referida Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Por que seria? Mistérios! Em face da enorme pressão exercida pelos representantes de oposição, a esquerda deu-se por vencida. Contudo, arrumou um “jeitinho” para que a presidência e a relatoria da CPMI ficasse a cargo de seus paus-mandados, a ensejar assim, um teatro mambembe.

A propósito: os saltimbancos de esquerda, na verdade uma trupe de mercenários, também carregam partes dos seus cenários, figurinos e maquiagens às costas; recebem inescrupuloso financiamento, são especializados em disseminar o pânico e têm como marca o vandalismo.   

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Ardil

 

De certo modo, grande número de estudiosos - não todos - e até mesmo leigos, costumam encantar-se com a filosofia de Sócrates, esta amplamente divulgada por seu discípulo Platão. Contudo, em melhor se observando o pensamento destes dois grandes filósofos, percebemos, e de modo claro, as reflexões e conceitos de alguém que os precedera: Pitágoras. Sim, mestre Sócrates e seu discípulo difundem exaustivamente o pensamento pitagórico, inclusive os princípios religiosos do orfismo, do qual Pitágoras foi um reformador. Mas não o fazem abertamente... Por quê? Uma perfunctória pesquisa revela-me que eles, Sócrates e Platão, assim agiam porque receavam uma perseguição da democracia. Hum? Como?

Perdoai-me o embaraço. Aqui tem início a minha reflexão. A democracia de então já perseguia? Então não se tratava de uma “democracia de então”, haja vista a atualidade deste “procedimento democrático”. Volto-me aos textos: Sim, foi a democracia, através de um tribunal ateniense, quem condenou Sócrates ao suicídio. Poxa, quanta coincidência, em dias atuais um outro Tribunal também condenaria Sócrates e a sentença seria cumprida na Papuda.  Ocorre-me que, talvez, isso explique o porquê dos grandes filósofos gregos apontarem a aristocracia como o melhor forma de governo.  

E minha pesquisa vai ainda mais longe. Imaginai que dentre os membros deste insigne Tribunal Ateniense, um personagem destacava-se. Seu nome? Eu não saberia dizer, mas era conhecido como Μεγάλος (Megalos), grandioso. Será que a alcunha expressaria, de fato, o seu caráter? Ora, a megalomania, termo consequente, retrata o transtorno psicológico de alguém que tem de si uma imagem exageradamente supervalorizada, e que por isso, busca cada vez mais ostentar poder. Taxavam-no também de manipulador; dono de discurso canhestro e hipócrita que dizia prezar pela democracia, mas que, em verdade, tinha como objetivo perseguir e eliminar os opositores de seus pares e interesses. Meu Deus, já vi isso em algum lugar!

Estai atentos, possíveis leitores: democracia rima com demagogia; mesmo número de sílabas. Democracia = demo (povo) e kratos (poder); Demagogia = demos (população) e agogos (liderar, liderança). Depois de breve análise, eis aqui minha conclusão: a população (demos) queria liderar (agogos). Então, por que não criar um conceito falacioso para que o populacho pensasse ter algum poder? Democracia é um dos conceitos mais bem construídos em toda história universal; não que seja factível, porque não é, mas sim porque está sempre acompanhado de uma empolgante falácia. É ardil. Na verdade, a fazer uso de metáforas, declaro que a democracia é como o voo da galinha (instável, desiquilibrado, cômico, rasteiro); é como tentar pegar um sabonete espumoso para lavar-se as mãos untadas de óleo.


domingo, 7 de janeiro de 2024

Hieros Logos (Palavra Divina)

 

Tenhamos como ponto de partida as considerações pitagóricas. Da relação com a realidade surgem dois elementos primordiais: palavra e número. A palavra teria como função apresentar a verdade daquilo que é; essa mesma verdade manifestaria certa relação matemática. Assim se explica, parece-me, a necessidade imposta pela totalidade das nações, no que tange ao aprendizado do idioma e da matemática como fundamentos educacionais. Todavia, palavra e número deixaram de lado a característica da apresentação para assimilarem característica meramente funcional, isto é, representacional. O número, mais pontualmente, passou a primar pelo quantitativo. Ora, toda e qualquer representação é funcional.

A tentativa por abandonar o mito e suas representações funcionais, ou seja, sua ortodoxia e tautegoria, encontra na cabala uma solução possível no resgate da instância fusional. A cabala - ligada à mística - literalmente, significa “receber” ou “algo recebido”. Santo Agostinho, por sua vez, no século IV de nossa era, teria proferido algo como: “A ininteligibilidade dos números impede o entendimento de muitas passagens figuradas e místicas das Escrituras”. Bem, a título de exemplo, abordo algumas passagens das escrituras que envolvem sempre o mesmo arithmós (número), enquanto qualidade, relação, função, lei, ordem, regra, processo, fluxo, ritmo e proporção.

Senão vejamos: o dilúvio demorou 40 dias; os hebreus, depois do êxodo, passaram 40 anos a vagar no deserto; Moisés passou 40 dias em recolhimento também no deserto; tanto Saul, quanto Davi e seu filho Salomão governaram por 40 anos. Se nos voltarmos ao Novo Testamento, Jesus Cristo sofreu tentações e jejuou por 40 dias no deserto; foram 40 o número de chibatadas aplicadas ao nazareno; a Quaresma, período do ano litúrgico em algumas religiões cristãs, corresponde a 40 dias compreendidos entre a Quarta-feira de Cinzas e o Domingo de Páscoa. Em verdade, o número 40 aparece 133 vezes nos textos bíblicos. Voltemo-nos, portanto, a entender o arithmós 40.   

O algarismo 4 pode significar provação, transformação, preparação, estabilidade, método, realismo, perseverança, calma, ordem. Já o 0, após um numeral qualquer, tem a função precípua de potencializá-lo. Logo, o dilúvio pode ser entendido como provação; o êxodo como transformação; os reinados de Saul, Davi e Salomão como método, ordem; os dias de tentação como preparação; as chibatadas como realismo; a Quaresma como estabilidade. Não obstante, pode-se perceber que o termo deserto é algo muito presente nos textos bíblicos, isto porque o deserto simboliza a busca interior e lugar ideal para o relacionar-se com a divindade.

A instância fusional (relativa a fusão) das palavras desempenha papel fundamental para o entendimento dos textos bíblicos. A Bíblia nos fala de que não só Sara, esposa de Abraão, mas também Rebeca, esposa de Isaac, e Raquel, esposa de Jacob, eram estéreis. Justamente eles, os patriarcas responsáveis pela descendência do povo hebreu. Não, não há contradição, pois a palavra esterilidade implica o não provimento; na simbologia da esterilidade, contudo, reside todo o potencial da ação salvadora de Deus; Deus torna-se, então, o símbolo para provimento de um povo.

Outro exemplo, a meu ver o de mais difícil compreensão segundo a literalidade, trata-se de uma possível imolação de Isaac. Sara não conseguia engravidar (esterilidade simbólica), o que permitiu que Agar, a criada, gerasse um filho para dar descendência a Abraão. Nasceu Ismael, Yishma’el - “Deus ouve”. Sim, Deus ouvira as súplicas do casal. Mas Sara, muito embora idosa, conseguiu engravidar. Nasceu Isaac, Yitzhak, que significa “ele irá rir”, “como Deus ri”, “filho da alegria”. Com o nascimento de Isaac, Agar e o filho Ismael foram expulsos do acampamento, isto porque Agar passara a desprezar sua senhora Sara. A meu ver o nó górdio para justificar a rivalidade entre muçulmanos e judeus.

A dificuldade maior, no entanto, está em entender o pedido de Deus para que Abraão sacrificasse o pequeno Isaac. A cabala judaica diz-nos que a “Tora fala por metáforas, por enigmas muito particulares”. Na verdade, o Isaac a ser sacrificado seria o “filho interior de Abraão”, pois o patriarca, apesar do filho do riso, dera origem a um herdeiro íntimo, “nascido não só do riso, mas também da mágoa, da cólera, dos medos e sonhos não realizados”, afinal Ismael, de fato seu primogênito, fora banido, segundo sua decisão pessoal. Deus pede a Abraão que “renunciasse a isso, a suas emoções e pensamentos” negativos, “que desatasse os nós do seu espírito, que extinguisse uma parte de si próprio”, até porque Deus prometera a Ismael uma descendência igualmente numerosa.  

Em suma, feliz ou infelizmente, a interpretação de textos sagrados, através do estudo da simbologia, da vera apresentação (não representação) e da instância fusional vem dirimir dúvidas, explicar lendas, milagres e extinguir mistérios. Seria isso "saudável" para os religiosos?  

 

As partes entre parênteses no penúltimo parágrafo foram extraídos do livro O Último Cabalista de Lisboa de Richard Zimler.