quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Depressão




Por vezes, deparamo-nos com situações que se nos revelam como epidêmicas. O fenômeno da depressão é uma dessas. Entendo a depressão como fenômeno porque limitar-me-ei em discorrer sobre a mesma tendo como ponto de partida o modo como ela se apresenta e no limite do que se apresenta.

A depressão revela profunda tristeza, imensurável desamor, melancolia, mágoa, algo de inquietação, de angústia, de aflição. E nos perguntamos: Por que? Os seres humanos perderam a confiança nos seus semelhantes; a decepção tomou tal proporção que os seres humanos já não confiam nem em si mesmos. A vida se lhes apresenta como algo negativo; houve uma desintegração entre os seres e seus respectivos envolvimentos com o mero viver. O simples existir carece dos estímulos necessários ao tentâmen de vencer os desafios propostos; o ser humano já se vê derrotado. Onde estão as amizades? Não são mais dignas de confiança. Onde o apoio inestimável da família? As relações familiares estão arruinadas; uma ruína provocada, insuflada, sugerida por uma ideologia espúria que tem como único “deus” as bases materiais. E por falar em deuses, onde está o suporte religioso? Foram igualmente banidos, banalizados, execrados.

Todavia, alguém poderia argumentar que grande número de pessoas não apresentam qualquer sintoma depressivo. Correto, são aquelas que ainda podem contar com o apoio da família, dos amigos e com algum aporte religioso; são os ultrapassados, os reacionários, os tradicionalistas. Mas também encontramos facilmente os alienados, a massa de manobra, incapazes de pensar de modo autêntico; são aqueles que, por desconhecerem a si mesmos com entidades individuadas, mergulham nas drogas, agridem o próprio corpo com tatuagens as mais bárbaras e aceitam com passividade o que o meio social lhes impõe. Incapazes de pensar de modo genuíno, permitem-se submeter a discursos arrojados que pregam total liberdade, se bem que uma liberdade isenta de qualquer responsabilidade; um discurso que prega o respeito ao outro mas que leva ao absurdo o culto do eu, do ego, do individualismo.

O que podemos inferir, então? Que quando a sensibilidade sobrevive a esta orgia de rotos valores, fatalmente exterioriza-se a depressão.  

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Alcouce democrático



Inicio este meu libelo com uma justificativa. Na verdade, gostaria de me valer do termo cabaret, algo bem francês, mais sofisticado. Porém, observei que o verbete aqui não seria bem empregado, pois cabaré (agora em português) é o lugar onde os clientes podem se embriagar enquanto assistem espetáculos artísticos ou satíricos. Em nosso caso, posso vos afiançar, nada há de espetaculoso, mesmo que se apresentado satiricamente. Tendo-se em vista, portanto, a temática abordada, o termo exato seria bordel, pois voltamo-nos mais uma vez a falar deste grande prostíbulo chamado Brasil. Sim, mas um Brasil como lupanar rigidamente democrático, porque apesar de prescindir de toda e qualquer dignidade, de manifestar sobejamente desonra e corrupção, pauta-se em uma Constituição “Cidadã’, prima pelo devido processo legal, observa rigidamente a ampla defesa e o contraditório, a presunção de inocência, sem falar na atenção dispensada aos acordos dos quais é signatário e que privilegiam os direitos humanos.

Agora dou início à narrativa dos fatos. Depois do acordo infamante - o que por si já demonstra o escárnio que as instituições têm pelos cidadãos - entre o quase ex-presidente Michel Temer e o atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, pudemos confirmar a falta de escrúpulos que habita dentre aqueles que vagueiam pelas vacâncias do poder. E tudo pode ser resumido em uma singela equação matemática: o fim do auxílio-moradia em troca do reajuste salarial, reajuste este que redundará em aumento de todo o funcionalismo público, onerando em alguns bilhões de reais os gastos de um governo patentemente deficitário. Nada obstante, o acordo também se estende à esfera da política rasteira, pois o Supremo Tribunal Federal deve aprovar a redução do limite de cumprimento da pena para só 20%, onde o se enquadraria o indulto presidencial. E o decreto vai mais longe: crimes do colarinho branco entrariam na lista daqueles passíveis do perdão presidencial, bem como o indulto ao pagamento de multas. Evidentemente que todo esse empenho tem por escopo livrar não só as próprias peles, mas também as de seus sequazes.

Atentai: tudo estará dentro da lei. E eu vos pergunto? É essa a democracia que perseguimos? Onde ficam os interesses do Estado, já repleto de problemas das mais diversas ordens? Quais os argumentos convincentes para que continuemos sendo representados por essa escória de rábulas e igualmente politiqueira? Por que nos vergarmos aos caprichos desta caterva de aventureiros que se auto rotula de autoridade, e por conta da imensa fatuidade esconde-se sobre a égide de uma toga? Quem são eles para exigirem de nós, cidadãos, respeito, já que em momento algum demonstram um mínimo apreço pelos que pagam seus opulentos salários? E ainda, como se isso não bastasse, legislam tornando crime qualquer crítica ou ofensa à classe política.

Infelizmente, detecto que o problema maior do país é uma falta de caráter de proporções epidêmicas, que contagiou, principalmente, os poderes que deveriam ser a base de qualquer estado democrático. Bem, já que detectamos a doença, erradiquemo-la! Confinemos os contaminados; coloquemo-los em quarentena, e se isso não for suficiente, prolonguemos o isolamento. Tentemos administrar alguma substância, droga, medicamento. Não, nada de componentes neutros, nossas leis já se revelaram como placebos. E se o mal se manifestar como autoimune, apelemos para a radicalização da panaceia, afinal ela nos livrará não só deste, mas de outros muitos males.    

A falar de traças



Tomado de curiosidade - ou seria espírito de investigação científica? - voltei-me ao estudo das traças. Sim, aqueles bichinhos que sobem pelas paredes e preocupam-me bastante no tocante aos livros; a meus livros. A averiguação revelou-me a classificação científica: o reino, suas divisões, a classe, a ordem, a família, gênero e espécie. Informou-me também acerca de seus hábitos, da estrutura do casulo, de sua alimentação, etc. No entanto, tal pesquisa foi incapaz de responder-me o porquê do bichinho, quando no casulo, subir lentamente pelas paredes. Minhas pesquisas ensinaram-me que a traça, antes de transformar-se em mariposa, dentro do casulo, carece de visão. Mas por que, já que nada enxerga, não se move paralelamente ao chão? Por que ela sobe as paredes, sempre em direção aos tetos?

Aqui arrisco-me em abandonar o viés científico. Alguns diriam que ela - a traça - busca frestas na parede, pois trata-se de um bichinho assaz “retraído”. Sim, mas as frestas poderiam ser encontradas em toda a extensão da parede, e não apenas no sentido vertical. E qual o limite da parede? O teto, ou a cobertura, ou a telha, por mais alta que a parede seja. Então, por que esse eterno movimento de subida? Outros ainda diriam que a Phereoeca uterella, seu nome científico, anda em busca de alimentos, ou seja, fragmentos de pelos, de penas, de couro, de pele morta, de cabelos e papel, enfim, fragmentos que se assemelham a poeira. Contudo, essa busca por alimentos não é aleatória; a subida sempre se faz presente. Com muita razão, haveriam aqueles que, acuradamente, diriam que o bichinho é atraído pela luz, afinal trata-se de uma mariposa. Curiosamente, devo alertar-vos de que este tipo de mariposa não tem como característica a fotofilia. E a pergunta permanece: por que?

Bem, já que a pesquisa científica não foi capaz de extinguir o questionamento, tentarei respondê-lo de modo especulativo. O ascender é característica imposta pela própria natureza, não importa o nível - se é que há nível - do desenvolvimento animal. Assim como todo corpo em queda livre é atraído para o centro da terra, o modelo animal, incluindo as alimárias, artrópodes, insetos, lepidópteros, sempre executam o movimento ascensional. Uns poderiam atestar que este movimento atende a imposição de uma natureza evolutiva, e que tal ascensão apenas é a busca por algo maior que si mesmo; um Deus, quem o sabe?

Em se tratando do movimento ascensional, o ser humano não difere das traças; ele apenas, ao lançar mão de recursos os mais infames busca efetuar sua promoção, sua elevação e pisar naqueles que lhes cruza o caminho. Neste caso, a ascensão mostra-se como perversão, pois que torna-se fundamento ao poder. O ser humano não quer apenas o que o outro quer; ele quer mostrar-se como obstáculo ao desejo do outro; ele quer anular o outro; sua maneira de projetar-se é o não permitir que o outro se eleve.
 
Não seria exagerado afirmar, portanto, que os imbecis - homo stultos - similares às traças pela incapacidade de enxergar e igualmente de abstrair - bichinhos humanoides que não buscam apenas alimentar-se, desfiguram um postulado natural, pois amiúde encontramos exemplares desta “prestigiada casta” empenhados em elevar-se pelos modos mais torpes, mais vis, mais espúrios. Prezados leitores, estai certos: pior do que identificar esse tipo de praga é não poder erradicá-la.

A orgia no tempo



Pergunto-me por um início, uma origem, um princípio que me determine, e não só como espécie, mas também como indivíduo. Reviro a história, debruço-me sobre tratados de antropologia, de biologia, de zoologia. Permito-me um mergulhar no inconsciente, no consciente, no transcendente. Pesquiso a evolução, a involução, o pertencimento. Observo a corrupção, a degeneração, a morte. Volto-me aos paradigmas associados aos seres humanos: racionalidade, sociabilidade, egoísmo, altruísmo... Que nada! E só depois de muito penar percebo que meu manancial acaba por criar essa orgia no tempo. Há, sou, fui, simplesmente. Ontem eu ainda serei; amanhã fui o que sou: natureza!

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Um coma seduzido


                                         
Pascoal estava em coma! A notícia caiu como uma bomba em meio à comunidade projeciologista. Os mais próximos, mesmo que estranhos a tal comunidade - bem poucos por sinal, e eu era um deles - também ficaram pasmos diante do acontecido. Pascoal sempre fora saudável, sem quaisquer sintomas de epilepsia, diabetes, ou algo que o valha. Era um sujeito estranho, arredio, é verdade, mas jovem, inteligente e determinado. Desde que o conheci, sempre se mostrou um aficionado em experimentos de o tipo projetar sua consciência para fora do corpo.

Corri a sua casa. Ele morava só; a faxineira encontrara-o deitado em seu leito com uma expressão serena, mas sem apresentar reação a qualquer estímulo. Gritou, desesperou-se, benzeu-se, apelou para a vizinhança. Meu número de telefone estava entre outros na agenda sobre a mesinha de cabeceira. Ela ligou; ligou para mim e para outros. Um médico conhecido foi acionado; examinou-o e ordenou que chamassem a ambulância, pois Pascoal deveria ser removido para um hospital. Cruzei com o dito médico à entrada do pequeno apartamento repleto de curiosos. Passeei pela sala, esperando a oportunidade para olhar o amigo. No quarto de dormir aquele entra-e-sai característico. Deixei-me ficar pela sala vasculhando seus livros de projeciologia.

Azáfama: a ambulância chegara e a equipe adentrou correndo o recinto. Não mais que 15 minutos haviam se passado quando Pascoal recobrou a consciência e ergueu-se do leito totalmente refeito. Surpreendemo-nos e folgamos em vê-lo recuperado, mas isso não foi o suficiente para impedir que certa especulação tivesse início dentre a vizinhança. Uns atribuíram o acontecimento à overdose de alguma droga, outros falavam em abdução por ETs, reduzido grupo discorria sobre os mais escabrosos diagnósticos. Limitei-me a cumprimentar Pascoal e saí, deixando-o entregue aos cuidados de uma turba inquieta e inoportuna.

Dias mais tarde encontrei-me com o convalescente. Estava como de costume, isto é, ensimesmado, muito embora ter-me surpreendido com um convite para o café. Aquiesci ao pedido e acabei por ouvir o relato detalhado de sua experiência. Na verdade Pascoal não ficara em coma, ou melhor, não no estado comatoso descrito pela ciência médica, mas em dimensão bem próxima. O tal estado, como eu previra, adviera de uma experiência projeciologista. Segundo o próprio Pascoal, a experiência permite que a consciência renuncie ao sôma - o corpo, e adentre uma dimensão de pura percepção.

Pascoal, antes de abandonar seu corpo, foi precedido por um estado letárgico. Ao despertar nessa outra “dimensão”, disse ter-se sentido muito bem e sem a menor vontade de retornar à condição precedente. Não, nada de luzes, espectros, fantasmas, entidades, antepassados visitantes. A consciência de Pascoal pairava acima do próprio corpo; apenas o completo bem-estar oriundo de uma apreensão não mediatizada por qualquer veículo neuronal, cerebral ou sensível. Não havia linguagem; poder-se-ia dizer a condição ideal de apercepção, relação e transmissão, algo que transcende o logos. Um estado de paz semelhante ao pari-nirvana e não o êxtase místico. Pascoal quis permanecer assim. Ouvia vozes chamando por seu nome, o entra e sai em seu quarto, a chegada do médico, a ambulância, etc. Mas eram impressões distantes, confusas, e que lhe soavam como agressivas, incômodas. E nada, absolutamente nada lhe despertava a vontade de retomar o corpo. Nesse momento fui levado a classificar seu coma como seduzido. Sim, na verdade Pascoal provocara tal condição e viu-se fascinado pela circunstância inefável e igualmente prazerosa, dispondo-se a permanecer no limbo. Até que alguém lhe aplicou uma droga qualquer e Pascoal, mesmo contra sua vontade, descerrou os olhos.

Parece-me que nos dias de hoje temos a obrigação de ficar vivos. Estar vivo, ser saudável, bem disposto, “sarado”, tornou-se paradigma social; uma necessidade, uma determinação. A longevidade manifesta-se como apanágio de mito pós-moderno, sendo cultuado indiferentemente se por esclarecidos ou por néscios. O valor que a sociedade atribui à vida culminou no abandono, na afronta a uma liberdade que a própria sociedade defende com garras e dentes. Viver deixou de ser um direito e passou a ser uma obrigação, se bem que o viver exigido obedece a um cânon protocolar prenhe de superficialidade. E Pascoal despediu-se com um lacônico adeus, assegurando-me que sua experiência estava apenas começando.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Περί Ιδεολογία - Acerca da Ideologia



Por vezes partilhamos o dia-a-dia com vocábulos que, muito embora repetidos à exaustão, continuam a nos soar estranhos. O termo ideologia, exigido pelo poeta Cazuza como mister para viver, é um desses exemplos. Então perguntamo-nos: o que é de fato ideologia? Permito-me uma definição de certo modo ortodoxa: Conjunto de ideias fundada em princípios sócio-político-filosóficos, e que se reveste de argumentos para justificar interesses individuais ou de grupos, tendo em vista, evidentemente, o momento e a conjuntura social. E o que se pode depreender da definição acima? a) Que a ideologia vai depender do indivíduo ou grupo. Ora, se indivíduos e grupos carecerem de sólidos valores, fica evidente que o conjunto de argumentos daí advindos carecerão igualmente de valores; b) se, de fato, levar em conta o momento e a estrutura social, torna-se patente que um povo socialmente desestruturado mostrar-se-á incapaz de oportunizar uma saudável ideologia.

Talvez aí esteja a dificuldade em se entender com clareza o que significa ideologia. Bem, valendo-me do recurso da metáfora e como profundo conhecedor da mentalidade brasileira, posso afiançar-vos: ideologia é o tipo de discurso que convence o ávido a degustar um alimento que já apresenta indícios de putrefação; o argumento nessa primeira fase pautar-se-á em negar o estado de apodrecimento, alegando que tudo foi criado para fazê-lo crer na corrupção alimentar. E se o comilão dissipador vier a óbito, a segunda fase do discurso ideológico terá como objetivo convencer os circunstantes de que o glutão faleceu por morte natural.   

domingo, 25 de novembro de 2018

Hidrografia pós-existencial



Inegavelmente, a vida do ser humano é pautada em dúvidas, medos, apreensões. E isso graças ao deus Logos que, em face do inapreensível, ou se revolta, ou se cala, ou se entrega a crenças ou investiga. Tememos as doenças, as relações, as consequências das atitudes e o desfecho de tudo que se revela através da morte. É nesta última, pontualmente, que reside o medo maior, muito embora já ter sido dito que o “ser é ser para a morte”. Mas da morte nenhum medo, apenas o que viria após a mesma, isto é, o desconhecido. O fato de temermos o desconhecido funda-se tão somente na impossibilidade de perseguir o permanecer em si, o conatus de Spinoza.

É a possível impossibilidade que nos leva ao escapismo. Ao temor se soma a consciência moral: valores determinantes que prescrevem o certo e o errado. Assimiladas estas noções, o ser humano se pune, se horroriza, se castiga, se auto imola. Nossos semelhantes criaram, criam e continuarão criando algo como um código penal moral, e, consequentemente, um tribunal particular: a má consciência. Baseiam-se unicamente em valores interiorizados e manipulados, graças à imposição de uma crença estranha, alheia, exógena, alienígena.

Os egípcios falavam em Anúbis, o deus que acompanhava o fenômeno da morte e colocava o coração dos mortos em uma balança, tendo a verdade como referencial no outro prato. Depois de pesados os corações, e se estes fossem mais pesados que a verdade, a pena seria arbitrada por Maat, a deusa da justiça e consorte de Anúbis. Corações mais pesados que a verdade eram devorados por Ammit. Em caso da leveza dos corações, o defunto seria encaminhado ao paraíso. Homero, por sua vez, fala no Hades, um inferno mitológico, e também nos pesados desafios que aguardam as almas que para lá se dirigem.

Mas foi Dante Alighieri, em sua Divina Comédia, que estabeleceu uma divisão tripartite para a possibilidade da vida pós-morte. Não há balanças na visão dantesca, mas rios que devem ser cruzados a título de ordálios, estes em parceria com a mitologia grega. Caronte, um barqueiro mal-encarado e o primeiro capitalista selvagem de quem se tem notícia, pois cobrava para executar seu trabalho - na verdade uma economia informal - conduzia os recém-chegados às portas do Hades, o círculo mais rasteiro, mais famoso e mais acessível à raça humana. Aquele que não tivesse uma moeda, sequer seria sepultado e estaria condenado a vagar na condição de alma penada. Aí começo a perceber certa discriminação social. Mas continuemos. O primeiro desafio a ser vencido é navegar, sob o comando do capitão Caronte, nas águas imundas do Cócito.

O Cócito é conhecido como o rio das lamentações. De início a alma lamenta por estar morta, lamenta também pelas condições de navegabilidade das águas, lamenta pelo odor das mesmas, lamenta por seu passado terreal, por sua conduta, por seus pecados. Algumas ainda lamentam por não saber nadar. Depois das lamentações e arrependimentos o morto muda de águas e adentra Aqueronte, o rio do infortúnio. Neste, a alma do morto experimenta a desgraça, o sofrimento, e na mesma medida em que causou danos e desditas aos semelhantes quando ainda vivo.  E só então chega às portas do Hades.

Dependendo se o viajante prosseguirá em seu tour, Aqueronte espontaneamente se transforma no Estige, o rio da invulnerabilidade. Ali as almas experimentam regozijo, afinal não mais ficará exposta ao sofrimento, à dor. Pelo Estige se chega ao purgatório - o nível intermédio da vida post mortem - e lá a alma descansa e se prepara para a próxima e última etapa do cruzeiro mítico-metafísico. Há uma mudança de águas, não por sua característica, mas por sua finalidade. Eis o Lethe, o rio do esquecimento. Desta água a alma tocará e beberá para poder experimentar total esquecimento; o defunto olvida quem foi, o que fez, o que deixou de fazer. Bem, aos que em relação à morte se mostram preconceituosos, devem folgar, pelo menos, com este aspecto positivo. E limpos, límpidos, cristalinos e diáfanos chegamos ao céu, o mais alto grau da comédia pós-existencial.

Meus leitores podem até estranhar esta minha declaração, pois embora não familiarizado com os esportes aquáticos, quero bem nadar para vencer no menor tempo possível as agruras nas travessias do Cócito, do Aqueronte, do Estige. Feito isso, beberei à larga do Lethe e ocupar meu lugar no céu. Quem sabe ainda possa encontrar minha Beatriz?

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Pós-guerra



O ano é 2072. Estamos no pós-guerra; a 3ª Guerra Mundial, de fato, aconteceu. Sim, mas não nos moldes da guerra que até então conhecêramos. Vivenciou-se uma guerra digital, disputada palmo a palmo, com mãos sobre o teclado, com olhos aflitos e fixos em telas, em vídeos. Hackers? Os grandes heróis foram os grandes derrotados. Aliás, como em toda e qualquer guerra não existem vencedores. As redes, os sistemas, os programas se foram; tudo perdido. O que estava nas nuvens evolou-se. Nada mais de interfaces, de bluetooth, de pixels, de gigabytes; tal terminologia caiu de moda, deixou de ser pertinente. Não mais comunicação digital. É imprescindível retornar às ligações telefônicas convencionais e fazer uso da piezoeletricidade; temos que resgatar o código morse. Documentos, dados, informações de valor inestimáveis perdidas. Onde foi parar nosso desenvolvimento científico? Estavam armazenados em arquivos ditos seguros, invioláveis. Qual nada! Qual a segurança em uma guerra? É difícil recomeçar sem um ponto de partida. Onde nossa história? Não mais existem anotações; o papel tornou-se obsoleto. Temos que reinventar o papel; reelaborar a comunicação via missivas. Poucas obras de arte restaram, e isso graças a colecionadores considerados reacionários e ultrapassados. A juventude não mais sabe escrever, pois apenas se comunicavam via redes sociais; as relações e interações davam-se apenas quando conectados. Até a deflagração da guerra, os jovens acreditavam que o fato de estar online seria suficiente para dizerem-se informados. Para fugirem da mesmice e ainda estimulados por uma vaidade gritante praticavam crossfit. A nova geração não mais sabe expressar-se; precisa passar por um processo de ressocialização, inclusive atentando para o retorno presencial às escolas. Mas o que mais me causa espanto, me revolta e entristece, é que os jovens desconhecem o que é um livro.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Demografia carcerária



Era uma vez um senhor, alguém muito equilibrado e preocupado em manter a família em harmonia, coesa e com hábitos sadios. Entretanto, certa feita, ao chegar em casa, deparou-se com uma cena, no mínimo grotesca, pois sua filha estava a fazer sexo bizarro no sofá da sala com o namorado. Tal senhor, vencida as primeiras impressões que muito lhe constrangeram, resolveu tomar uma atitude, de modo que tais práticas jamais se repetissem. Pois bem, ele vendeu o sofá.

Neste momento meus possíveis leitores devem estar rindo à larga, mas posso vos afiançar que não foi este meu propósito. Não, definitivamente não, pois, mutatis mutandis, decisão parecida deve ser tomada pelo nosso eminente Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli. Pasmem! Recentemente, ao mostrar-se assaz preocupado com a superpopulação carcerária no Brasil, declarou que as penas devem ser abrandadas de modo a se observar um esvaziamento substancial nas prisões. Pior do que isso foi a justificativa dada pelo preclaro ministro. Disse ele que nem na Idade Média haviam tantos condenados com pena privativa de liberdade. Aqui, então, dirijo uma questão direta a Sua Excelência: Qual era a população do planeta na Idade Média? Posso antecipar-me: no ano 1000, a população mundial estava em torno de 265 milhões de pessoas; ao final da Idade Média, a densidade demográfica do planeta era em torno de 425 milhões de pessoas. A população no Brasil hoje é de 208,5 milhões de habitantes, ou seja, praticamente a população do planeta na alta Idade Média. Nada obstante, deve-se ter em conta que grande parte dos apenados na época sofriam a pena capital. É pertinente recordar ainda da Inquisição iniciada na baixa Idade Média, pois que esta levou muita gente para a fogueira.

Em resumo, e por inferência, posso dizer que nosso Ministro pretende vender o sofá. E a partir de sua hábil premissa, dou início a algumas orientações aos insignes leitores: a) se o rendimento advindo de atividade laboral não for suficiente para garantir a mínima subsistência, pedi demissão! b) se o quadro no estado de saúde mostrar algum desarranjo, mesmo que passageiro, suicidai! c) se as visitas constantes de familiares e vizinhos te causam tanto desconforto, ide morar nas ruas.

A esquerda e a síndrome de Procrusto.



Antes de tudo, mergulhemos a fundo na sábia mitologia grega. Lá encontraremos Procrusto, bandido que habitava a montanha Elêusis e aterrorizava a polis de Coridalos. Narra o mito que Procrusto convidava os viajantes a repousarem em sua casa, em sua cama. Acontece que a cama deveria ter exatamente o tamanho do anfitrião. Se os hóspedes tivessem altura maior que a cama, ele amputava parte de seus membros para ajustá-los à cama; se fossem menor que a cama, Procrusto esticava seus membros até que ficassem na medida exata do leito referência. Aqui, longe de fazer piada, poder-se-ia dizer que a cama de Procrusto era, de fato, um leito de morte.

Como a fama do assassino espalhara-se por toda a Hélade, Palas Atena, deusa guerreira e símbolo da sabedoria, resolveu investigar. Em lá chegando, ouviu do celerado a justificativa de que agia conforme a justiça e a razão, pois que as diferenças eram injustas e permitiam que uns se sobressaíssem e subjugassem os demais.  Aqui abro um parêntese na narrativa mítica, com intuito de chamar vossa atenção para o fato de que as argumentações dos cínicos têm sido as mesmas, haja vista a retórica esbanjada pelos acusados na “Operação Lava Jato”. Bem, de volta ao mito, encontramos um Procrusto bem à vontade, pois que findou sua declaração à deusa com o argumento de que sua cama acabava com a diferença, igualando todos os homens. Não obstante, deparamo-nos com o inusitado, pois Palas Atena, diante da justificativa do pária, emudecera. E mais uma vez vejo-me obrigado a abandonar o mito para tecer breve comentário: a atitude de Palas Atena remeteu-me celeremente ao nosso STF, pois nossos ministros se vergam e se mostram apáticos, senão omissos, frente às mais esdrúxulas alegações realizadas pelos acusados e seus advogados. Racionalidade?

Na tentativa de absorver o logos - a explicação - referente ao mito, devemos ter em mente que a questão da igualdade era tema recorrente dentre os povos da antiguidade. No entanto, Aristóteles pode vir em nosso socorro quando nos fala de sua Justiça Distributiva, isto é, o tratamento isonômico implica tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, na exata medida de suas desigualdades. Aristóteles e depois Nelson Rodrigues ainda nos prega: “a igualdade é burra”. Mas por que Palas Atena emudecera? Por que a Sabedoria omitira-se? Simples: questões como igualdade não são tratadas unicamente pela razão, muito pelo contrário, a razão tem participação mínima; esses temas são do orbe da paixão. Seres humanos são seres eminentemente piegas, passionais e não racionais; a razão é nada mais que um artifício da própria paixão.

Neste momento seria pertinente vossa pergunta: “E o que a esquerda tem a ver com isso?” Calma, muita calma nessa hora! De fato, o apelo à igualdade experimenta sua retomada e conhece grande impulso na Revolução Francesa. Não devemos esquecer o lema: Liberté, Egalité, Fraternité, pois isso seria uma grosseria com nossos amigos franceses. Contudo, percebeis vós que tais princípios se excluem? Sim, a liberdade proposta é uma liberdade de propriedade, para se colocar contra a exploração e a expropriação dos bens do povo. Como, pergunto-vos, esta liberdade pensará em igualdade e fraternidade? Como um mesmo tratamento imposto a iguais e a desiguais pode se revelar fraterno? Não, de fato houve grave equívoco na assertiva, o que talvez explique o fracasso das propostas da modernidade.

Sim, e vós ainda insistis na pergunta: “E a esquerda?” E eu vos respondo: Quem mais dissemina o culto à igualdade senão a esquerda? Ela, a esquerda, para atingir seus objetivos, traveste-se de “politicamente correto”, de “direitos humanos”, de “democracia”, de “liberdade de expressão”, de “respeito às diferenças”, e evidentemente, fala todo o tempo em igualdade. Bem, aqui peço desculpas e pratico uma espécie de mea culpa, pois devo retornar ao mito para complementá-lo, e isso graças à esquerda. Procrusto não tinha só uma cama; a outra cama ficava oculta. Quando alguém se ajustava perfeitamente a uma delas, ele lançava mão da outra, e isso com o fino propósito de mutilar, de afastar os que a ele se equiparava. Eis, enfim a esquerda: não há apenas um padrão, mas pesos e medidas diferentes para se tratar não os desiguais, mas os assemelhados que não partilham de seus hábitos, de seus afazeres, de suas preocupações, de suas vilezas.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Estímulo à servidão



Minha homenagem a Aldous Huxley

Independente da forma ou sistema de governo, pode-se identificar facilmente um traço em comum: a preocupação, pelo menos no discurso, em promover o bem estar da população - o Welfare State - na verdade, o típico estado assistencial, no qual esteja garantido um padrão mínimo de educação, saúde, habitação, salário e segurança. Mesmo em se tratando de um único Estado, tal fenômeno poderá ser percebido dentre as diversas ideologias e partidos. Então surgem algumas questões: Essa seria uma exigência das populações em si mesmas nos diferentes Estados? Por que a semelhança não só nos discursos, mas também nos procedimentos? O que leva políticos de diferentes correntes e orientações demonstrarem detalhe de pensamento tão homogêneo?

Vejamos! Toda e qualquer ideologia ou corrente de pensamento político compromete-se com a segurança econômica de seus cidadãos, e, ipso facto, do Estado. Por que? De início a pergunta pode parecer retórica, mas não o é. Em verdade, a segurança econômica tornou-se algo aceito como “normal”. Todavia, ela, a segurança econômica, apesar do status de “normalidade”, é refém de diversas variáveis, o que foge ao controle dos estadistas. Logo, para que a lacuna tida por “normal” seja suprida, recursos outros são acionados e disponibilizados. Na verdade, os recursos substitutivos se instalaram e provocaram uma profunda revolução pessoal na mente humana. E a revolução nas mentes, por sua vez, teve outros suportes.

Neste momento os senhores e senhoras, por certo, perguntar-me-ão: Como? A princípio fizeram-se necessárias descobertas científicas. Seres humanos passaram a se preocupar com tudo que promovesse ou contemplasse sua comodidade. E, destarte, se voltaram para conquistar e /ou adquirir todas essas benesses científicas. Evidentemente, que a ciência econômica vem contribuindo sobremodo com o incentivo ao crédito. Aliadas às descobertas científicas somaram-se aperfeiçoadas técnicas de sugestão, voltadas, evidentemente, ao condicionamento infantil, nas quais pode-se observar o culto ao imaginário, ao lúdico, etc.

As ciências humanas, e aqui me reporto à filosofia, à sociologia, à antropologia e à psicologia, muito embora o nímio verborrágico, nada mais fazem do que estabelecer e afixar os indivíduos em seus devidos lugares na hierarquia social, pois que, pessoas mal adaptadas se revelam como problemas. Percebestes que, ao nos depararmos com uma situação/circunstância atípica ao ambiente social, a primeira providência a ser tomada, com o apoio inequívoco da mídia, é apresentar um “especialista” para discorrer sobre a temática que, ao colocá-la em discussão, termina por banalizá-la?  

Faz-se mister também realizar a substituição dos vícios por coisas mais prazerosas e menos nocivas, afinal, trata-se do bem-estar social. Que tal os fast foods em lugar do álcool? Que tal o sexo em lugar das drogas? Comer em demasia e fazer sexo não se opõe ao politicamente correto. O mais importante, contudo, é a padronização do ser humano. Devo evocar fato, no mínimo curioso: temos manuais para tudo! Temos manuais para alcançar a felicidade, manuais para sermos saudáveis (tanto em ternos de alimentação quanto de exercícios físicos), temos uma vasta leitura de autoajuda, em como se livrar da depressão, etc. Lembrar-vos-ei, contudo, que existem diversos modelos a serem seguidos, seja o imperativo estético, seja a submissão aos desmandos da moda, seja no tocante aos comportamentos, seja no que tange ao próprio pensar, muito embora a “empolgante” bravata da liberdade de expressão, e isso tudo sujeito a uma espécie de patrulhamento. Este patrulhamento, algo de cunho tipicamente ideológico, na verdade, trabalha com a possibilidade de uma “eugenia social”.

Bem, cumpridas as etapas acima descritas, estamos diante de uma sociedade perfeita. Seria? O que temos, então? A realização de uma utopia ou o quadro degenerado de uma distopia? Não, mas nada disso importa. Os seres humanos têm ou detêm, seja o que for. Eles buscam apenas ajustarem-se a um quadro social mesmo que desumanizado. Suas preocupações tornaram-se mínimas, irrisórias; eles seguem manifestamente a um protocolo, e nada mais. Por que questionar o prazer? Sim, e se perguntados, dir-se-ão felizes. E, nós outros, enfim, poderemos entender o porquê da hegemônica “atuação” de insignes políticos: eles conseguem fazer com que a humanidade ame sua condição de servidão.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Demagogia do Irreprimido



Inicio fazendo uso da educação bancária, pois os possíveis leitores, já que oprimidos, adoradores de Paulo Freire, por certo não conhecerão o conceito de demagogia, muito embora a demagogia faça parte do mundo e também se mostre como um correlato da consciência. Na qualidade de opressor, portanto, reclamo vossa atenção! Vamos ao conceito (não precisa decorar!) Demagogia: a) pode ser uma forma de governo onde o povo prepondera, ou seja, exerce influência superior; b) pode ser uma forma abusada de democracia (abusada = forma errada, inconveniente; agir para que somente seus interesses sejam atendidos); c)  pode tratar-se de facções populares (integrantes de partidos; bando político que trama a ruina de seus adversários) exercendo uma dominação tirânica, isto é, um domínio injusto, opressivo; d) pode ser também, e o mais provável no nosso caso, discurso que tem por objeto manipular paixões e sentimentos para conquistar mais facilmente o poder político.

Bem, o irreprimido é aquele que não tem inibição, não é tímido e não conhece limites. O famoso “cara de pau”. Em termos de uso vernacular ou mesmo norma culta, pode-se usar o termo cínico. Nesta oportunidade, não pretendo discorrer sobre o possível plágio ao missionário Frank Charles Lauback, nem mesmo a provável cópia ao método do Marquês de Condorcet. (vide “Cinco memórias sobre a instrução pública”, publicado pela editora Unesp). Nada obstante, surge uma primeira questão: como o irreprimido - o cínico - (que não conhece qualquer tipo de repressão) pode identificar oprimidos e defender seus interesses? É onde se justifica o termo demagogia.

Aos que não se submetem, entretanto, aos conchavos da “intelectualidade humanizadora”, pergunto: percebestes como as diversas maneiras de se entender a demagogia acabam por se somar e nos fornecer uma ideia ampla do que foi tramado para o Brasil e outros países que se permitiram encantar por Paulo Freire? Conseguiste atentar que o discurso freireano, bem como sua pedagogia, atendem direta e descaradamente aos propósitos comunistas? Sim, o processo é o mesmo, a começar pela vitimização. O segundo passo é apontar o algoz, o opressor, ou melhor, o professor. Terceiro passo é disseminar a retórica messiânica, com a promessa de tudo resolver. “Não mais haverá oprimidos ?????; todos usufruirão da liberdade????” Blábláblá. Depois disso, basta conduzir a manada, isto é, os oprimidos - exatamente como o opressor, que ele tanto critica. Enfim, o novo modelo pedagógico, doravante, também manipulará, também castrará, também dará origem ao ser menos.

Curioso é que mesmo citando Sartre em abundância, nosso “Patrono” não vincula liberdade à responsabilidade (o gripo é meu). O que um dito oprimido entenderá por liberdade, já que a liberdade deverá se apresentar “espontaneamente” em seu convívio para ser descoberta, trabalhada e então desfrutada? Não seria esse conceito, adquirido não através da educação bancária, mas pela educação como “prática de liberdade”, o responsável pelo expressivo número de analfabetos funcionais, pela banalização e descrédito do magistério e pelo crescente número de agressões aos docentes em sala de aula?

Ao falar de Hegel, na Fenomenologia do Espírito, capítulo IV, independência e dependência da consciência de si - a dialética do Senhor e do Escravo - parece-me, salvo melhor juízo, que nosso Irreprimido Confessor adaptou (adaptação seria um eufemismo) o pensamento hegeliano a seu bel-prazer e com o propósito de dar embasamento a sua estúrdia teoria: Oprimidos versus Opressores. Segundo Hegel, entre senhor e escravo há uma dupla dependência e uma dupla submissão. O senhor só é senhor porque existe escravo; ele precisa do escravo para realizar-se como senhor e através de seu trabalho, portanto, o senhor é dependente do escravo. O escravo, por sua vez, o que domina e transforma a natureza, mesmo que sob as ordens de seu senhor, percebe-se como o único capaz de fazê-lo (dominar e transformar a natureza), e isso o deixa em vantagem em relação ao seu senhor. É onde ele conhece a liberdade. Senhor e escravo, portanto, são correlativos necessários. A relação é indestrutível. Na “educação como prática de liberdade”, Paulo Freire, denotando um ingênuo ou proposital desconhecimento, fala em revolução - coisa tipicamente marxista - para eliminar os “imaginados opressores”. Nós, os opressores, cultores da educação bancária, tão odiados, repelidos, refutados, somos até mesmo acusados de hipócritas quando demonstramos qualquer laivo de generosidade. Não, nem pensais, portanto, em solidarizar-se com os que são identificados como oprimidos, pois qualquer generosidade nossa seria um embuste para que nos regozijássemos da situação deles. 
  
Paulo Freire também faz uso do método fenomenológico. Seres humanos e mundo - Das Lebenswelt, “o mundo da vida” - postulação de Edmund Husserl - devem estar em íntima relação para que o conhecimento se torne possível. Os objetos cognoscíveis dão-se espontaneamente aos sujeitos cognoscentes.  O importante é a intencionalidade da consciência, ou seja, a consciência é sempre a consciência de algo que não ela mesma. O fundamental para o conhecimento é, portanto, o ato intencional da consciência, ou seja, a vontade de conhecer, o querer conhecer. Logo, dialogicidade na educação é mera falácia. A dialogicidade olvida e manifesta indiferença à especificidade conceitual. O capítulo III da Pedagogia do Oprimido discorre sobre situações limites e temas geradores, que nada mais são do que as preocupações dos camponeses. Os “pesquisadores”, da mesma maneira que os defensores da “educação bancária”, tornam-se os novos “hóspedes” da classe oprimida. Na verdade, os ideólogos de esquerda, depois da codificação e descodificação postulam uma “ação cultural libertadora” ou “ação educativa”, ou seja, despejam a rodos toda uma ideologia caquética, visando, evidentemente, a manipulação comportamental campesina, haja vista a atuação do MST e seus assemelhados. 

Como o nefasto método se emprega na alfabetização de adultos, sugiro a vós outros, problematizadores, politizadores e libertadores da educação - até para mitigar minha culpa em face do status de opressor - não um quefazer revolucionário, mas algo que extraia os ainda oprimidos da “imersão”. Não, não vos preocupeis em apresentá-los a Beethoven, afinal isso é música das elites, de opressores. Apresentai-os apenas a um humilde dicionário, pois, já que tão politizados, sejam capazes de escrever algumas éclogas. Quem sabe, em meio às criações aberrantes que vós, intelectuais de esquerda, rotulais de populares, não venha surgir uma referência artístico-cultural inovadora?

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

A nocividade do discurso


É deveras impressionante o quanto o pensamento alheio é manipulado com o fito de sustentar uma circunstância totalmente repreensível. Deparamo-nos, e não raramente, com o apoderar-se do pensamento de outrem na tentativa pífia de escamotear um fenômeno, ou um conjunto deles, até então inexplicáveis. Essa sutileza busca apenas criar algo como um epifenômeno que explicaria de modo conclusivo o que antes carecia de explicação, fazendo da razão um mero instrumento de perversão. Tais maquinações podem ser observadas no que diz respeito às ideologias. Ideologias, por si mesmas, tem essa característica marcante: distorcer a razão.
Gostaria de referir-me especificamente - coeteris paribus - ao materialismo dialético e seu determinismo histórico. Por que o pensamento de Marx tornou-se tão difundido na modernidade e pós-modernidade? Simples, porque foi o pensamento encampado e tornado basilar para explicar os problemas sociais trazidos à luz no pós Revolução Francesa. A base material torna-se, então, o fulcro na explicação das relações de produção, formação de estamentos sociais, relações capital-trabalho etc. Com isso, toda produção tem como fundamento um materialismo que assim o determina.
Mas e o reducionismo subjacente? Doravante, tudo passa a ser compreendido por este “funil” arquetípico. Uma crítica que faço a Marx pauta-se exatamente nesta faceta de seu pensamento. Marx abandona a divindade e volta-se ao materialismo. Ora, a divindade seria o que faz do ser humano uma marionete em face de seus desígnios. E o materialismo seria diferente? Neste caso, todo ser humano tornar-se-ia refém de um determinismo material. Marx, assim me parece, revelou-se um apóstata.
Todavia, concentremo-nos na apropriação do discurso marxista. Parece-me que tal conjunto ordenado de frases bem construídas e constituídas serve de consolo e égide aos fracassados. Os fracassados encontraram em Marx o amparo e proteção necessários para seu fracasso. E o discurso não para aí; segue-se uma orgia retórica de cobranças e justificativas. Há um apelo à piedade, à comiseração; uma cobrança social intensa que faz do outro - o não fracassado - um réprobo.  Os que não se entregam ao fracasso ou às práticas da autocomiseração passam a ostentar o título de burgueses.
Ora, diriam os mais exaltados, mas esse fracasso tem sua origem na base material. Correto, mas seria esse mesmo determinismo que produz outros não fracassados - burgueses, para usar a terminologia preconceituosa e discriminadora. Como uma das consequências desse modus dicendi temos o banimento do mérito. Não há mais lugar para o mérito, mas somente para o pobrezinho, para o sofrido, para o hipossuficiente, para o oprimido vitimado pelo opressor, para a vítima de uma sociedade ingrata, desigual e excludente. É essa atípica conduta que sustenta a famosa “luta de classes”.
       Mas analisemos essa tão difundida “luta de classes”. As classes não privilegiadas, vítimas do determinismo materialista lutam não só para melhorar sua condição e conquistar “um lugarzinho ao Sol”, mas lutam para tomar o poder das mãos daqueles que são poderosos, igualmente “vítimas” do mesmo determinismo material, apesar do discurso enfarado de Paulo Freire. E uma vez no poder, estejais certos, comportar-se-iam ainda de maneira mais extrema e rude que seus antigos algozes, pois que a eles se vinculariam o revanchismo, a revolta, a vingança, enfim, o ressentimento.

sábado, 17 de novembro de 2018

Criatividade em crise



Tornou-se trivial em nosso cotidiano a prática nada original de regravar canções antigas, de fazer releituras de sucessos cinematográficos, principalmente no que tange aos heróis e aos clássicos da literatura, típicos das gerações baby boomer e X. Não obstante, o que reclama nossa atenção é que a prática de regravar, reler etc., alia-se a outra igualmente inconspícua: nada criar, e o que porventura é criado - e aqui me permito generalizar, infelizmente - carece de sentido, de bom senso, de bom gosto. Surgem sim, situações cômicas e/ou estapafúrdias que culminam em desfechos igualmente cômicos e/ou estapafúrdios, mascarados, evidentemente, pelo argumento da subjetividade.

A prática das releituras não pode reclamar a si criatividade ou genialidade, pois se filia a um grande erro conceitual. A releitura, principalmente onde há distorções no caráter dos personagens, limita-se a uma visão estritamente particularizada e distante de todo e qualquer aporte. A criação está diretamente relacionada às ideias originais, a tirar do nada, ao ineditismo, a inventar, idear, criar no pensamento. Releituras, em geral, se tornam reféns da carga valorativa do transcritor, mascarando, assim, a originalidade de um texto ou de um personagem.  

Mas, por que tal prática? Onde a criatividade das gerações Y e Z? Estamos vivendo uma crise na criatividade ou crise da criatividade? Será que a capacidade criativa está sendo simplesmente amordaçada? Poder-se-ia falar em manifestação de uma contracultura, mas o que é contracultura senão revolta contra atividades artísticas dominantes? Ora, reedições, releituras, regravações não são ações típicas de um movimento contra cultural; nem mesmo se poderia falar em aculturação. Na verdade, o que se vê é um reacionarismo cultural.

Bem, o argumento de que a arte é a expressão maior da liberdade seria conveniente. Mas que tipo de liberdade artística leva novas gerações a buscaram abrigo em gerações passadas? Poder-se-ia ainda falar na arte como catarse, mas como entendê-la? Catarse se refere à purificação de sentimentos, à liberação de emoções, à exteriorização da sensibilidade. Pergunta-se: estariam as gerações Y e Z privadas de suficientes emoções, sentimentos, sensibilidade? Ou será que atingimos o limiar da sensibilidade ou insensibilidade humanas? O que pode gerar a insensibilidade? O que faz com que os novos seres sejam privados de emoções? O que estagna os sentimentos? Seria um excesso de racionalismo? Seria o individualismo exacerbado? Seria a expansão desmedida de uma tecnologia que promove uma acomodação sistêmica? Seria a fartura do imagético que leva a um abandono do pensar? Seria a gama exorbitante de informações que condiciona e/ou reprime de modo nefasto a busca pelo inédito? Porventura, não seria a intervenção de consequências negativas advindas de gerações passadas? Ou, quem sabe, talvez, as consequências de uma ideologia cultural nefasta?

De fato, as novas gerações lutam por um criar artístico, querem exibir seus novos ideais, querem registrar suas marcas, querem ostentar uma chancela, mas o “como” não lhes foi concedido. Talvez estejamos vivendo a soma de todos os erros.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Fascista recém-criado



Gente, vós não podeis imaginar, mas descobri-me um fascista. Sim, é sério - não só o fato da descoberta, como também as implicações da descoberta. Com efeito, apresento algumas de suas características. No entanto, acredito piamente que me tenham forjado um fascista. Seria isso possível? Vejamos! Eu valorizo muito o meu país; posso e vós podeis também afirmar que sou um patriota. Curioso é como outras nações, há muito tempo, vêm revelando ao mundo seus vieses patriotas e nunca tais povos foram rotulados de fascistas. Exemplo disso é o povo norte-americano. Difícil assistir qualquer filme norte-americano e não ter diante dos olhos o tremular da bandeira dos Estados Unidos. E o hino nacional dos Yankees? Executado até mesmo no sepultamento de cães policiais. O que me deixa mais abismado em tudo isso é o fato de grande parte do povo brasileiro ser incapaz de cantar - porque desconhece a poesia - o hino da própria pátria.

Contudo, isso não foi casual; foi algo estimulado, induzido, semeado, pois houve época em que a bandeira brasileira era repudiada, renegada; cantar o hino nacional era motivo de chacota e repulsa. Engano-me? Não! Tratava-se de uma forma de retaliar o governo militar que tornou obrigatória a disciplina OSPB. Mas meu patriotismo é exacerbado no sentido de desejar ver meu país reverenciado por outros povos; ser destaque na área tecnológica e nas demais ciências. Meu patriotismo não se satisfaz simplesmente em ver minha pátria reconhecida como celeiro de craques de futebol ou por ser encarado como paraíso tropical de fabricada e aviltante sensualidade, o que empresta à mulher brasileira fama de prostituta. Meu patriotismo não quer ver o país achincalhado no panorama mundial, e isso graças à fama de impunidade ou paraíso de corruptos, que a escória política empenhou-se em modelar. 

Outra característica seria minha ênfase no militarismo. Por que? Afinal, o que temos assistido e de modo passivo? Insegurança em todos os níveis com permanentes riscos para os cidadãos e seus patrimônios, crianças e jovens indisciplinados e desrespeitosos para com os pais e professores - graças não só ao despreparo dos pais, mas também aos Conselhos Tutelares e aos psicologistas de plantão que os impede de educar seus rebentos, quando assim pretendem - baixíssimo rendimento escolar, promiscuidade, drogas, ausência de valores, desconhecimento de limites, etc. A polícia não pode interferir, pois quando o faz é acusada de uso excessivo da força, além dos slogans vomitados a rodos pela mídia, por movimentos sociais e por políticos que se dizem de esquerda e preocupados com os rumos da sociedade, direitos humanos, blá, blá, blá. Pura balela! E o povo, a juventude mais exatamente, acabou por assumir essa face sinistra, esse viés dissimulado, essa distorção de caráter que a coloca na condição de barbaria. De qualquer sorte, isso não foi fruto de qualquer fatalidade ou coincidência; foi igualmente algo estimulado, semeado; foram ações previamente engendradas e protocolares. E pergunto-vos: como seguir o lema positivista de nossa bandeira? Como alcançar o Progresso sem a Ordem?

Insto do mesmo modo pela Segurança Nacional. Justificativa? Segurança nacional é atribuição fundamental do Estado moderno. Tem por objeto assegurar a integridade de seu território em qualquer circunstância, a qualquer momento, bem como proteger a população e preservar seus interesses. Podeis mensurar, a partir da extensão de nossas fronteiras, a quantidade de riquezas que nos são furtadas diariamente? E a facilidade com que adentram e percorrem nosso território armas e drogas provindas de países fronteiriços? Temos que nos preservar, inclusive, de espionagem industrial e de ataques cibernéticos tão em moda nos dias atuais. Pelo Tratado de Westfália, em 1648, ao Estado é facultado o uso da força para estabelecimento e manutenção da paz social e da ordem. Seria absurda minha preocupação em constatar o clima de guerra civil que se observa em cidades como o Rio de Janeiro?

Bem, e agora o que me faz muito mal (embora não desejasse pensar assim): Tomei ojeriza à grande parte da classe artística, bem como aos intelectuais. Explico-me. Infelizmente, a classe artística brasileira, formada em sua maioria por pessoas despreparadas, infantilizadas, que cedo conheceram a fama e a emancipação financeira, deixou-se manipular e conduzir pelo pensamento de esquerda enraizado em nosso cultura, algo bem ao jeito de Gramsci. Os integrantes da classe artística são incapazes de terem uma atitude e/ou externarem um pensamento que seja original; são incapazes, inclusive, de perceberem isso, pois que de tal modo foram doutrinados que se tornaram antidialéticos; eles repetem os mesmos chavões, e o fato de repetirem as mesmas baboseiras não lhes desperta a atenção; eles não conseguem perceber que esse “consenso” é fabricado. Consenso é conceito vazio; a unanimidade é burra. É impressionante o ponto de bloqueio cognitivo a que chegaram algumas pessoas.

Bem, quanto aos intelectuais, em sua maioria, são os encarregados de todo este mecanismo; são eles que disseminam, através de processo doutrinário, esta torpe ideologia. Todavia, assim agem porque também foram vítimas de uma academia pervertida e trajada de esquerda. Nas várias academias, invariavelmente, aprenderam e repetiram a exaustão os mesmos slogans baratos e caquéticos que assolam as universidades. Infelizmente, a maioria dos que se julgam intelectuais, são nada mais do que analfabetos funcionais elitizados, pois que só conseguem palrar, tornarem-se repetitivos e monótonos em determinados assuntos que lhes são afins. Nossa academia só estuda e só divulga o que lhes é de interesse. Principalmente na área de humanas, só se lê o que a academia francesa decide. Não conseguem perceber que isso limita o conhecimento e depõe não apenas contra a própria academia, mas contra os interesses da nação. Eis a nossa classe intelectualizada; pobres coitados, pobres diabos! E são exatamente eles, por saberem-me acerbo crítico, rotulam-me de fascista. Fazer o que? A ignorância é de tal monta que, por certo, ignoram que o fascismo teve início com o bolchevismo, que originou essa esquerda parasitária da qual fazem parte e tanto defendem.

Bem, já que graças aos nossos intelectuais me descobri fascista, não abrirei mão de trazer a público as baixezas intelectualizadas.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Oração a Robespierre


E quando, e se tudo vos parecer perdido, ore! Mas uma oração diferenciada; uma rogativa exacerbada, férrea, revoltada. Ei-la! 

Senhor, criterioso e incorruptível,
em face de tanto desmando,
roubo, desfaçatez e hipocrisia,
dá-nos a obstinação contra a aleivosia.

Senhor, torna-nos a visão para além do alcance;
revela-nos tramas urdidas no manto da legalidade;
auxilia-nos a banir de vez a falácia, a facécia,
os discursos ímprobos, vileza e imoralidade.

Insta-nos a dizer não ao conluio,
à canalha que se revela sã.
Ressuscita, se possível, o carrasco,
o preterido Monsieur Guillotin.

Ensina-nos a desmascarar os omissos;
matemos os Dantons, os moderados!
Execremos os vis, os detratores, os paladinos;
os jacobinos, biltres, girondinos.

Lancemos nossas mãos às armas,
e que não nos cansemos das refregas.
Cuida que nada se nos torne pífio,
e que nos empenhemos sem reservas.

Amém!

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Sade redivivo



De fato, não estamos mais no século XVIII, se bem que o cenário francês de então ressurge-nos de modo ofensivo. À modernidade sucedeu algo ainda mais ultrajante: a pós-modernidade, e esta com a justificativa de corrigir os “erros” daquela. Nosso restaurado e suscitado personagem, Donatien Alphonse Françoise de Sade, pode hoje exibir várias alcunhas: Queermuseu, por exemplo, e isto porque a dita exposição nada mais faz do que manifestar todas as características da obra do famoso marques. Vejamos! O Queermuseu, com seu subtítulo pomposo, “Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, traz temáticas LGBT, questões de gênero, diversidade sexual e pedofilia. Mas o que subjaz em todo o projeto são ideias eminentemente materialistas. Podeis perceber que o leit motiv que orienta referido pensamento desafia a concepção de mundo proposta não só pela religião, mas também pela racionalidade. Sem qualquer contestação, podemos afirmar que o pensamento é ateu e a proposta é nada vaga, pois carrega a pretensão de oficializar a libertinagem. Exposições como a do Queermuseu, apesar de todo o discurso em defesa da arte e da liberdade de expressão, faz uso do grotesco para tecer críticas à sociedade.

Atentai para um detalhe: a dita preocupação de pôr em pauta uma discussão visando tratar da temática da diversidade sexual e respeito pelas múltiplas orientações, nada mais é do que uma tentativa de aniquilar com a moralidade. Os valores colocados em cheque são aqueles adotados pelas relações familiares tradicionais e que tanto incomodam a grande parte da sociedade autodeclarada de esquerda. A “casta” de intelectuais e artistas, do alto de sua soberba, não consegue perceber que, através de sofismas, foi aliciada, cooptada e desempenha de modo inconsciente, o papel do rebanho que vem realizando a hegemonia cultural de Antônio Gramsci. Aos incautos, que ainda não se depararam com a obra de Sade, recomendo a leitura de “120 dias de Sodoma”, onde estão descritas cenas bizarras com o abuso de crianças, bem como uma aberrante panssexualidade.

Todavia, voltemos nosso olhar a uma segunda alcunha de Sade: a Ideologia de Gênero. Parece que estamos às voltas com um processo lento e protocolar, pois, de início lembramo-nos das primeiras paradas gays. Depois surgiu o lobby. Por que? Afinal, depois da aceitação da sociedade e, inclusive o amparo das leis, por que exercer tal pressão? Michel Foucault dizia que a normalidade era algo imposto pela sociedade dominante e seus respectivos valores. Ora, parece-me que, apesar de se respaldarem no pensamento de Foucault, querem criar uma nova normalidade para igualmente impô-la. Mas a coisa vai bem mais longe: além do psicologismo exorbitado, defendido pelos sequazes freudianos, que usam a sexualidade como um reducionismo irresponsável, soma-se o sociologismo messiânico, que carrega a pretensão de tudo equacionar. E, como pedra de toque, percebe-se o ranço da filosofia comunista que revela empenho por destruir qualquer resquício de moralidade.

Outrossim, acredito que por se tratar de uma ideologia, isto é, um conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas que pretendem justificar o interesse e ações de um indivíduo ou grupo, estas colocam-se até mesmo contra ciências naturais como biologia e genética, ou seja, contra o pensamento racional. O grande problema que identifico em qualquer ideologia é justamente na sua base de sustentação, pois que amiúde constroem seus argumentos sobre os pilares da retórica, da sofística, o que nos leva a também entender ideologia como instrumento de dominação, que faz uso da persuasão, tendo como objetivo alienar a consciência humana.

A ideologia de gênero declara que gêneros são simplesmente construções sociais; que não existe apenas o masculino e o feminino, mas um espectro a ser escolhido pelo indivíduo. A ideologia de gênero vem representar o conceito que sustenta a identidade de gênero. Ora, gênero é nada mais que o sexo. Todavia, sustenta a referida ideologia, que o fato de uma pessoa nascer com determinados órgãos sexuais, não faz com que este se identifique com o gênero que exibe tais órgãos. Masculino e feminino, portanto, seriam produto histórico-cultural desenvolvido pela sociedade.

Aqui, se permitis, sinto-me na obrigação de fazer alguns comentários: Gêneros, os sexos em si, não são construções sociais, pois a sociedade, por mais organizada e desenvolvida que seja, não anda por aí implantando pênis ou vagina em nenhum de seus cidadãos. O que se pode entender é que, a partir da diferenciação sexual, fenômeno da alçada da biologia ou genética, a sociedade cria estereótipos para lidar com tais gêneros. Quanto à identidade de gênero, de modo histórico-cultural, a sociedade vê no macho aquele que tem por obrigação possuir força física, trabalhar para sustentar a família, etc., bem como vê na fêmea alguém de compleição frágil, que tem por destino ser mãe, recatada, etc. Todavia, as pessoas tem o direito, segundo suas próprias convicções - liberdade - em atenderem ou não o papel que a sociedade lhes destinou. Importante frisar que a sociedade também criou estereótipos para a beleza, para a honestidade, para a saúde, para a felicidade, etc.

A parte mais repulsiva da proposta, contudo, parece-me, antes de mais nada, incoerente e contraditória. Explico-me: os meios de comunicação, bem como as instituições - Conselhos Tutelares, por exemplo - demonstram enorme preocupação com as crianças, sua formação, proteção, educação, etc. Ora, fica difícil, senão impossível, entender este insano empenho em despertar precocemente o interesse sexual nas crianças. Atentemos para as estruturas cognitivas de Piaget, pois o interesse pelo conhecimento vai surgir em momento oportuno. Abandonemos, portanto, a psicologia cultural-histórica de Vygotsky, pois que na primeira infância as “interações sociais” certamente servirão de manipulação comportamental, de alienação, senão de aliciamento.

Quanto à orientação sexual, devo dizer que entendo orientação como impulso, como direção. Acontece que, paralelamente a isso temos a liberdade, a racionalidade, e que se atendermos simplesmente a impulsos, estaremos decretando o fim de qualquer sociedade. Não nego que os impulsos existam e ferreteiem nossas vidas, mas isso não nos torna presas dos mesmos. De fato há o impulso, mas ceder ao impulso é uma opção deliberada. Com isso, retomo minha contundente argumentação de que a teoria que procura dar sustentação à Ideologia de Gênero é, por sua vez, calcada em retórica falaciosa. O que está por trás desta construção nociva é simplesmente a desconstrução e, por conseguinte, a destruição do conceito de família.

Desde meados do século passado percebemos o lento discorrer de um processo modelador: o sexo livre, o uso de anticonceptivos, de preservativos, o que culminou com a banalização do ato sexual e, dessarte, com a banalização do amor. As paradas gays eclodiram em todo o globo; alguns países já legalizaram o aborto, em outros o casamento entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil temos, além do lobby, a tentativa de oficializar o aborto e de implantar, via legal, a Ideologia de Gênero. Percebei, a cada passo o que está em cheque é a estrutura familiar, é a banalização das relações, a estiolação dos valores. Então, pergunto-me: qual será o próximo passo? A legalização do incesto, baseada na retórica fastidiosa de que se trata de um mito? Quando alguma outra exposição de arte ou projeto de lei tentará nos enfiar goela abaixo a normalidade e moralidade do incesto? Certos estamos, via ciência, que tal relação intensifica exponencialmente a probabilidade de anomalias genéticas, porque aumenta o grau de homozigose das raças. E já que expostos à depravação de Íncubos e Súcubos pós-modernos, quem sabe, amanhã ou depois, em presença de uma ilimitada perversão, não observaríamos a tentativa desvairada de justificar o “apimentar” das relações através de uma coprofagia? Tal recurso não se mostrando suficiente, algo nos leva a crer que o desfecho seria apelar para a instância da zoofilia.

Neste momento vós me inquiris: Qual seria o objetivo? Com certa tristeza, recordo-me das palavras proféticas do poeta Cazuza: “... transformar um país inteiro num puteiro.” Envidemos esforços, portanto, no sentido de não permitir que o Estado se torne um imenso lupanar, onde crianças e jovens sejam conduzidas à condição de barregãs informais. A perversão psicológica, o messianismo sociológico e a filosofia comunista devem ser obstaculizadas. Trata-se de teoria espúria, de preceito insidioso, de uma ideologia que visa animalizar e manipular o ser humano através de sua ruína moral e ausência de valores. Ao revisitar o Marques de Sade, muito embora em presença do mundo hodierno, sinto falta de apenas dois detalhes: a Bastilha e a guilhotina!    

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Filosofia de fancaria



De início, podeis vos sentir atordoados, pois que a filosofia, ou seja, esse exercício no qual a razão debruça-se sobre si mesma, a lapidar-se, a burilar-se, a expurgar de si a cizânia imiscuída, venha revelar-se como trabalho pouco esmerado, algo tão frágil que sem tardança percebe-se a corrosão em seus fundamentos. Podeis, no entanto, perceber igualmente que tal filosofia não foi construída de modo apressado, o que não a torna menos vil e nociva, pois o que orientou o pensamento do pretenso filósofo foi a utilidade, a repercussão, os resultados práticos, resultados estes que tinham por objeto apenas justificar sua própria conduta imoral, antissocial, anticlerical, ociosa, ignominiosa e de acerba vaidade. Sua filosofia de fancaria contemplou e enalteceu o conceito de ideologia, esta farsa borboleteante pautada na tão conhecida sofística, e que apoia-se no discurso que busca justificar interesses, sejam estes particulares ou de grupos.

Outra característica desta torpe filosofia é um único método sobre o qual se constrói todo e qualquer argumento, pondo por baixo, inclusive, o princípio que deve orientar a Metodologia da Pesquisa, ou seja, para cada problema, um método específico. O que a puída filosofia faz é embutir todo e qualquer problema em seu único método, algo imposto e do qual jamais qualquer um de seus sequazes pode abdicar: o Materialismo Histórico-Dialético. É claro, eu falo na filosofia comunista, sim comunista, ou se muito marxista; socialista é apenas um arremedo, um eufemismo para se mascarar o espectro de Karl Marx, ou deveria chamá-lo Moses Mordecai Marx Levi? Este sujeito, péssimo filho, péssimo pai, um fracasso como chefe de família, de origem judia e burguesa, com familiares vinculados à nobreza, extremamente preguiçoso e, na verdade, o gigolô da esposa que morreu à míngua, tanto quanto a maioria dos filhos, fez-se filósofo e viveu às custas de Engels.

O pensamento do pária envolvia, dentre outras coisas: o execrar da religião, pois que sua aversão pela fé advinha do desprezo que seus confrades religiosos, e não sem razão, nutriam por ele; a extinção dos laços familiares, haja vista o ódio que ele nutria por sua família que se lhe negava qualquer ajuda, pois que sua fama de esbanjador e perdulário transcendia os domínios familiares; reivindicar o direito a tudo conseguir sem trabalho, até porque nunca exerceu qualquer atividade produtiva para seu sustento ou da família. Para isto construiu uma filosofia espúria, tendo como base o trabalhador, o homem humilde que facilmente tornou-se objeto de manipulação do canalha. Com isso, todo e qualquer preguiçoso, oportunista, vagabundo, carente de talento e mau-caráter, quando incomodado, declara-se marxista, ou comunista, ou socialista.

O pensamento filosófico - se é que tal pensamento teratóide deva ser considerado filosofia - na intenção de fazer proselitismo, busca, de início, identificar minorias e as vitimizar. Ora, seres humanos, normalmente tão deficientes e de uma carência inescrupulosa, com facilidade permitem-se conduzir. É esta filosofia que melhor faz uso do conceito de rebanho aplicado aos seres humanos. Os adeptos e vítimas desta monstruosidade dizem-se esquerda; por se dizerem esquerda, julgam-se superiores moral e intelectualmente, e ipso facto, não buscam ler, não se informam, apenas repetem ipsis litteris todos os jargões criados para cada vez mais emburrecer, imbecilizar e manipular o povo. Dentre este existem aqueles que dizem-se intelectualizados, educados, “antenados”, mas, em se analisando um pouco mais, perceber-se-á que apenas tentam mascarar algum “pecadilho” inconfessado.

A partir desta filosofia de araque, que de certa forma conquistou corações e mentes em torno do mundo, outros epifenômenos se sucederam, ou melhor, o câncer deu origem às metástases. São os pensamentos dos que fizeram parte da Escola de Frankfurt, bem como o de Sartre, o de Antônio Gramsci, Vygotsky, Habermas, Sloterdjik, Althusser, Foucault, Deleuze, Guatari e tantos outros fiéis escudeiros, como Paulo Freire no Brasil. O que temos, afinal? Uma filosofia que apenas finge ocupar-se em resolver problemas sociais - até porque não é atribuição da filosofia resolver qualquer problema - e para consumar tal intento, apela não para a razão, mas para as emoções, para o patético, para o piegas. Em suma, uma filosofia que enaltece o fracasso e avilta o mérito. Resumindo: uma obra de fancaria!

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O Projeto psicografado



Em face do envio à Câmara dos Deputados do polêmico projeto que visa anistiar políticos que se valeram do recurso do Caixa 2, foi aberta uma sindicância interna no sentido de descobrir seu autor. Acontece que nenhum Sherlock Holmes, detetive Murdoch, Hercule Poirot, CSI ou até mesmo o FBI ou a CIA foram capazes de identificar o autor de tal manobra escabrosa.

Do alto de toda minha inexperiência posso então especular que tal projeto tenha sido psicografado. Não obstante, tem de haver uma afinidade entre o espírito elaborador do projeto e o médium que recebeu a comunicação. A investigação, portanto, deve se voltar para a identificação do referido médium. E, tendo em conta meus parcos conhecimentos jurídicos, devo adiantar que, nesse caso, o médium é responsavelmente solidário.

Então, aqueles que exacerbam os princípios jurídicos fundamentados numa manca hermenêutica, por certo argumentarão que o médium não pode ser responsabilizado, porque sua condição de médium o coloca numa posição totalmente passiva. Desse modo, deve-se redirecionar a investigação em busca do espírito elaborador do esdrúxulo projeto.

No caso de se encontrar o tal espírito, arrogar-me-ei em seu defensor incondicional e vou trabalhar Pro Bono. Exigirei que lhe seja concedido o benefício da dúvida; instarei pela presunção de inocência. Não é por tratar-se de uma entidade metafísica que não lhe devemos atribuir cidadania. Quererei que tudo transcorra dentro do devido processo legal. Meu possível cliente terá assegurada ampla defesa e o contraditório. Vamos ouvir testemunhas, vamos intimar São Pedro, São Paulo, Chico Xavier ou até mesmo Mephisto.

Mas esperem! Acaba de me ocorrer que meu suposto cliente, por se tratar de entidade metafísica, teria direito a foro privilegiado. Deus nos livre das garras do Sérgio Moro! Podemos ter a sorte de o processo cair nas mãos do Ministro Marco Aurélio Mello ou Gilmar Mendes ou Toffoli ou Lewandowski ou... Se por acaso o privilégio de foro for recusado e o processo cair nas mãos do Janot, posso adiantar que entrarei com recurso. E não me venham com essa história de penalização a partir de uma segunda instância.

Eis no que se resumem as instituições no Brasil: à piada, ao escárnio, ao motejo. Mas tal banalização teve origem nas próprias instituições, na atitude irresponsável dos legisladores, nos desmandos do executivo, na arrogância do judiciário, no conhecimento tendencioso e fragmentado dos próprios operadores do direito; eles se empenharam em desacreditar suas instituições, sua ciência, e, destarte, mutilaram o autorrespeito. Processem-me!