quinta-feira, 22 de novembro de 2018

A esquerda e a síndrome de Procrusto.



Antes de tudo, mergulhemos a fundo na sábia mitologia grega. Lá encontraremos Procrusto, bandido que habitava a montanha Elêusis e aterrorizava a polis de Coridalos. Narra o mito que Procrusto convidava os viajantes a repousarem em sua casa, em sua cama. Acontece que a cama deveria ter exatamente o tamanho do anfitrião. Se os hóspedes tivessem altura maior que a cama, ele amputava parte de seus membros para ajustá-los à cama; se fossem menor que a cama, Procrusto esticava seus membros até que ficassem na medida exata do leito referência. Aqui, longe de fazer piada, poder-se-ia dizer que a cama de Procrusto era, de fato, um leito de morte.

Como a fama do assassino espalhara-se por toda a Hélade, Palas Atena, deusa guerreira e símbolo da sabedoria, resolveu investigar. Em lá chegando, ouviu do celerado a justificativa de que agia conforme a justiça e a razão, pois que as diferenças eram injustas e permitiam que uns se sobressaíssem e subjugassem os demais.  Aqui abro um parêntese na narrativa mítica, com intuito de chamar vossa atenção para o fato de que as argumentações dos cínicos têm sido as mesmas, haja vista a retórica esbanjada pelos acusados na “Operação Lava Jato”. Bem, de volta ao mito, encontramos um Procrusto bem à vontade, pois que findou sua declaração à deusa com o argumento de que sua cama acabava com a diferença, igualando todos os homens. Não obstante, deparamo-nos com o inusitado, pois Palas Atena, diante da justificativa do pária, emudecera. E mais uma vez vejo-me obrigado a abandonar o mito para tecer breve comentário: a atitude de Palas Atena remeteu-me celeremente ao nosso STF, pois nossos ministros se vergam e se mostram apáticos, senão omissos, frente às mais esdrúxulas alegações realizadas pelos acusados e seus advogados. Racionalidade?

Na tentativa de absorver o logos - a explicação - referente ao mito, devemos ter em mente que a questão da igualdade era tema recorrente dentre os povos da antiguidade. No entanto, Aristóteles pode vir em nosso socorro quando nos fala de sua Justiça Distributiva, isto é, o tratamento isonômico implica tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, na exata medida de suas desigualdades. Aristóteles e depois Nelson Rodrigues ainda nos prega: “a igualdade é burra”. Mas por que Palas Atena emudecera? Por que a Sabedoria omitira-se? Simples: questões como igualdade não são tratadas unicamente pela razão, muito pelo contrário, a razão tem participação mínima; esses temas são do orbe da paixão. Seres humanos são seres eminentemente piegas, passionais e não racionais; a razão é nada mais que um artifício da própria paixão.

Neste momento seria pertinente vossa pergunta: “E o que a esquerda tem a ver com isso?” Calma, muita calma nessa hora! De fato, o apelo à igualdade experimenta sua retomada e conhece grande impulso na Revolução Francesa. Não devemos esquecer o lema: Liberté, Egalité, Fraternité, pois isso seria uma grosseria com nossos amigos franceses. Contudo, percebeis vós que tais princípios se excluem? Sim, a liberdade proposta é uma liberdade de propriedade, para se colocar contra a exploração e a expropriação dos bens do povo. Como, pergunto-vos, esta liberdade pensará em igualdade e fraternidade? Como um mesmo tratamento imposto a iguais e a desiguais pode se revelar fraterno? Não, de fato houve grave equívoco na assertiva, o que talvez explique o fracasso das propostas da modernidade.

Sim, e vós ainda insistis na pergunta: “E a esquerda?” E eu vos respondo: Quem mais dissemina o culto à igualdade senão a esquerda? Ela, a esquerda, para atingir seus objetivos, traveste-se de “politicamente correto”, de “direitos humanos”, de “democracia”, de “liberdade de expressão”, de “respeito às diferenças”, e evidentemente, fala todo o tempo em igualdade. Bem, aqui peço desculpas e pratico uma espécie de mea culpa, pois devo retornar ao mito para complementá-lo, e isso graças à esquerda. Procrusto não tinha só uma cama; a outra cama ficava oculta. Quando alguém se ajustava perfeitamente a uma delas, ele lançava mão da outra, e isso com o fino propósito de mutilar, de afastar os que a ele se equiparava. Eis, enfim a esquerda: não há apenas um padrão, mas pesos e medidas diferentes para se tratar não os desiguais, mas os assemelhados que não partilham de seus hábitos, de seus afazeres, de suas preocupações, de suas vilezas.

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