De início, devo confessar, já faz
algum tempo, alimento certa vontadezinha em tornar-me político. Não obstante,
antevejo algumas dificuldades, como por exemplo a falta de recursos financeiros
e minha baixa popularidade. Contudo, o desejo fez-me atento observador e
estudioso de casos. Percebi que a primeira coisa a ser providenciada seria o de
identificar uma parte da sociedade que carecesse de alguma representatividade.
Em seguida, após estudar sua idiossincrasia, torná-la-ia vítima desta mesma
sociedade, apontando, se possível, potenciais algozes. Feito isso, eu deveria
construir um discurso ideológico, exaltando as qualidades das ideadas vítimas,
o tratamento desigual a elas dispensado, o modo preconceituoso no trato com as
mesmas, apesar do inegável prestígio, influência e importância dentre alguns de
seus membros.
Bem, e assim o fiz. Próximo passo
seria o vincular-me a um partido político. Sim, mas a que vertente filiar-me?
Ainda pautado em meras observações, convenci-me de que as ditas minorias,
depois de identificadas, tornadas moedas de troca e massas de manobra, devem se
converter à esquerda. Sim, os negros, por serem negros, devem ser de esquerda,
porque existe alguém que se diz líder, ou há grupos que vomitam a rodos os mesmos
clichês, ou seja, a vitimização, o preconceito, os inimigos, os direitos a
serem preservados, etc. E o mesmo se dá com os homossexuais, com as mulheres,
com os descendentes indígenas e outros. Importante frisar é que, se algum
representante dessas ditas minorias pensar de modo diferenciado tornar-se-á um
pária, pois a esquerda exerce uma espécie de policiamento ideológico.
Como a vontade de enveredar pelos
escaninhos da política era imensa, solicitei não só minha filiação em partido
de esquerda, bem como meu desejo de sair candidato ao cargo de vereador na
eleição que se mostrava próxima. Pois bem, e lá estava eu às voltas com a
esquerda. Aqui registro fato curioso: não saberia vos dizer, se acaso me
perguntásseis, o que diferençava meu partido dos demais que ostentavam o rótulo
de centro, de centro esquerda, liberal, sócio liberal, direita (existe, de
fato????), democrata, etc. Todos manifestavam o mesmo desleixo, a mesma
indiferença para com o povo que os elege e que diziam respeitar. Todos, sem
exceção, adoram ter poder e deste usufruir; todos cultuam o dinheiro e a boa
vida; todos colocam os interesses individuais acima do da coletividade. Mas
afinal isso é política, quem sou eu para modificá-la?
E a data da eleição fazia-se
próxima. Fui orientado no sentido de criar uma plataforma única, algo peculiar.
E assim o fiz: saí em defesa dos carecas. No entanto, de início sofri certa
admoestação pelo uso do termo “careca”, pois havia ainda o óbice criado pelo
discurso do politicamente correto. A palavra a ser usada seria calvo. Portanto,
saí em defesa dos calvos. E, para tal, pus-me a estudar a calvície. Sabeis vós
que 20% da população masculina no Brasil apresenta calvície? 20% dos mais de
210 milhões de habitantes fazem dos calvos, de fato, um número expressivo.
Focado em meu discurso
ideológico, voltei-me para as relações que envolvem os calvos, isto é, como são
tratados em seus dia-a-dias, as piadas, etc. Apeguei-me mais exatamente às
chacotas, onde pude aumentar sobremaneira meu repertório particular. Um dos
meus auxiliares aconselhou-me no sentido de combater quaisquer referências a
carecas, fossem em conversas informais, entrevistas e até mesmo em músicas.
Aqui rogo perdão ao compositor Roberto Roberti, apesar do sucesso de “Nós, os
carecas”, lançado em 1942, quando grande parte dos carecas - perdão, calvos -
ainda não era nascida.
Todavia, gostaria de chamar vossa
atenção para o todo do meu arcabouço de campanha. Em meus discursos, além de
citar diversas personalidades históricas que careceram de pelos no alto da
cabeça, tornei-os alvos de piadas, muito embora sem saber se as mesmas se deram
de fato. Empenhei-me junto ao eleitorado, declarando que não mediria esforços
para criar uma Secretaria específica para tratar dos calvos, ciente de que esta
secretaria serviria como “cabide de emprego”; falei em Projeto de Lei junto ao
município, visando tornar crime qualquer referência mordaz aos desprovidos de
cabelos; prometi atuar junto ao Prefeito e ao Governo do Estado, no sentido de
pressionar o Ministério da Saúde e/ou da Previdência, obrigando o SUS a custear
procedimentos de implante; se necessário fosse, que nossos legisladores
votassem uma PEC, ou até mesmo que o executivo lançasse mão de mais uma de suas
MPs. Aventei a possibilidade de criar uma espécie de incentivo fiscal para as
clínicas estéticas e salões de beleza que se dispusessem a tratar da calvície.
Outrossim, profissionais de psicologia poderiam dedicar-se ao acompanhamento
dos traumas causados pela falta de cabelos e do bullying sofrido pelos calvos, tendo como contrapartida merecido
desconto no recolhimento do Imposto de Renda. Um primo meu, com verba da sobra
de campanha, desempregado há algum tempo, criaria uma ONG bem atípica: “Amigos
dos Pouca Telhas”, na qual o calvo seria ouvido, acolhido e teria sua dignidade
resgatada. O lema dessa ONG - que receberia repasse do Governo Federal - seria
dizer NÃO às elites de bastos cabelos, NÃO às oligarquias que fazem uso do
Botox capilar e da hidratação, NÃO à classe média maldita que abusa das escovas
progressivas, dos frisos e dos cacheados.
Enfim, fui eleito. E cá entre
nós: torço para que a cada dia seres humanos nasçam ou tornem-se carecas. As
mulheres, segundo o compositor da marchinha, na hora do aperto gostam mais dos
carecas; eu, de minha parte, não passo aperto graças a eles.
Cada um que escolha a sua minoria e seja feliz com a sua massa de manobra na mais pura hipocrisia vivendo um mundo politicamente incorreto.
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