terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Uma nova Gotham City


Acredito que o termo Gotham, antes um substantivo próprio, designante de uma cidade, esta por sua vez fruto da criação, uma abstração portanto, tenha se transformado em conceito. Gotham City, a princípio, seria uma cidade envolta em trevas (e aqui o termo trevas pode ser entendido de modo abrangente), habitada por um sem número de marginais, repleta de punguistas e desocupados. Fato curioso é que dentre a marginalidade típica de Gotham, emergem sempre “líderes” que se valem de recursos os mais sofisticados, inclusive tecnológicos, para realizarem seus intentos.
A autoridade policial - em Gotham, evidentemente - mostra-se amiúde incapaz, pois não desfruta dos mesmos requintados aparatos de que se valem os transgressores. Então, em face da impotência desta ineficaz e ruidosa autoridade, surge o herói: destemido, acusador, litigante. Mas este herói mostra-se sempre mascarado (a máscara aqui pode ser amplamente interpretada); por trás deste herói há um homem de sociedade, igualmente “sociabilizado”, e, por conseguinte, eivado de torpezas e recursos. Não é uma heroicidade espontânea, standard, original, surgida como algo arrebatador; é um heroísmo construído, moldado, forjado, esculpido, trajado de um altruísmo casuísta. E justamente por ser casuísta, este herói, em bem pouco tempo, perde seu valor, entorpece suas proezas e decepciona, originando a indiferença e a revolta em seus antigos tutelados hipossuficientes. Antigos heróis cedem lugar a outros; por mais que se queira descartá-los, nós ainda por eles instamos. Este foi o legado do grego Homero e de outras civilizações: heróis nos servem de esteio, de leimotiv. E na falta de verdadeiros heróis, tornamo-nos amoucos mesmo de qualquer arremedo.
Nosso país em muito se assemelha a Gotham, seja no aspecto social, seja na estrutura organizacional, seja nas circunstâncias políticas. Gotham agora se nos revela como síndrome. Heróis, ou melhor, arremedos de heróis abundam nossa história desde os primórdios da nação, surgidos eles do esporte, do executivo ou do legislativo. E o que temos agora? Uma nova classe de heróis: heróis de toga negra - trajes semelhantes ao do herói morcego de Gotham - que surgem como vestais e propõem extirpar o câncer disseminado pelos heróis de ontem. Preocupa-me não o fato de serem novos os heróis, mas sim o alto preço que se deve pagar para resgatar a credibilidade do sistema judiciário. E como em resposta ao surgimento desta nova classe, vincula-se-nos a malfadada esperança, o que nos torna condescendentes e rotos reféns, simplesmente, de uma inexplicável, imponderável e ignota fé. Louvemos, então, a nova classe heroicizada. Não obstante, contrariando o legado homérico, podemos afirmar: “Triste da nação que precisa de heróis”!  

sábado, 24 de novembro de 2012

Mentira & Verdade



Em geral, a mentira é dita com a precípua intenção de enganar. E o engano, neste caso, não se originaria de uma antífrase nem da ironia. Então nos perguntamos: porque a intenção de enganar? Ou melhor: por que as pessoas mentem? Mentir, assim me parece, seria um mecanismo desenvolvido pela condição mesma da sociabilidade. Isto porque as pessoas digerem mais facilmente a mentira do que a verdade. Seres humanos têm com a mentira uma relação de cumplicidade; há como que uma parceria, uma tácita aceitação da mendacidade. A mentira torna as relações possíveis; ela as pacifica. Todavia, e não raramente, elas - as relações - mostram-se superficiais. Eis o porquê da instabilidade nas mesmas.
E a verdade? Por que seres humanos evitam um maior “contágio” com a verdade? A verdade cria êmulos; a verdade revela, expõe, desoculta, despe e se manifesta como algoz. A verdade não é para ser dita; a verdade, então, se reveste de inefabilidade. A verdade faz da mentira algo necessário. A verdade ficaria, por conseguinte, restrita à evidência. O evidente é o que se revela por si, e prescinde da palavra, do verbo, do logos. A verdade é silêncio, é mística, é um mergulhar em si. Nada mais.
Dizem por aí que a verdade deve corresponder aos fatos. Bem, neste caso, todo fato deveria ser verdadeiro. Fato verdadeiro, portanto, seria uma redundância. Não obstante, fatos, verdadeiros ou não, são inexistentes. Pois que a narrativa de qualquer fato, ao ter a pretensão (ou não) de versar sobre o verdadeiro, assimila valores (e por vezes os mais espúrios); estes arrebanhariam uma gama de controvérsias, de contraditores, de contraditórios. Como dizia Nietzsche: “Não existem fatos; existem interpretações”. E eu, do alto de minha humilde pretensão, posso lhes afiançar: verdades quando narradas beiram a fabulações.
Como a verdade é silêncio, é um voltar-se a si, percebo que é hora de calar. 

domingo, 18 de novembro de 2012

Do sentido da vida




Não raro perguntamo-nos pelo sentido da vida. A meu ver, dependendo do interesse do questionador, tal questão seria do orbe da psicologia ou da teleologia ou então da teologia. Mas não nos furtemos ao desafio. Então uma outra pergunta faz-se mister: a vida tem sentido? De que sentido falamos? De um intento, um objetivo? De uma direção? De um aspecto? Os pragmáticos entenderam que tal questão deveria ser respondida por algum tipo de ciência, e para tal, criaram a teleonomia. O que nos remete a um tipo de teologia teleológica, pois tal construção exprime uma pré-determinação, um destino, ou algo que o valha.
E a resposta: parece-me que o simples fato de buscarmos um sentido para a vida, estamos dando sentido à vida. É um sentido filosófico, claro, mas é o melhor que se pode fazer. Contudo, fica aqui uma sugestão sine pecunia: apesar de bastante louvável essa tentativa de apreensão, não nos preocupemos em buscar um sentido para a vida. Sêneca, distante da teleonomia, disse-nos: “Aquele que quer, o destino o conduz; aquele que não quer, o destino o arrasta”.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Dilema



O simples exercício do viver nos torna presas de situações embaraçosas. A elas, contudo, se solidarizam um leque de soluções possíveis. Em geral, dentre estas, duas se nos apresentam como viáveis, se bem que ambas com consequências difíceis e/ou penosas. Neste caso, não se observa a eterna disputa entre o apolíneo e o dionisíaco; não há razão opondo-se ao prazer. Tudo é razão. Eu diria até um racionalismo exacerbado e insensato. E como corolário teremos: uma solução deverá ser tomada em detrimento a outra. São dilemas!
Dilemas pervagam nossa existência e nos conduzem, inexoravelmente, à insegurança. Todavia, seres humanos costumam lançar mão de alguns recursos. Uns optam pelo aconselhamento, outros para o divã, alguns recorrem aos amigos. Existem aqueles que se voltam para a religião, onde fé, orações e promessas se mostram como ingredientes fundamentais. Em verdade, queremos não só fugir dos maus resultados de nossas decisões, mas também transferir ao outro a responsabilidade por possíveis malogros. Esquecemos, entretanto, que em se tratando de dilemas, os insucessos não serão meras possibilidades, mas algo efetivo, concreto.
Em face dos dilemas, seres humanos, em geral, revelam-se como incipientes; manifestam toda a sua meninice, toda a sua infantil evolução. Parecem esquecer que esta dualidade é bem-vinda e que serve de suporte às decisões futuras. A dúvida é sempre benéfica.

domingo, 11 de novembro de 2012

Do complexo de Peter Pan ou da Ingenuidade




Surpreendo-me, e não raramente, dentre muitos dos meus solilóquios, questionando o porquê de certas pessoas - pelo menos assim me parece - negarem-se a crescer. Reformulando: por que algumas pessoas teimam em permanecer crianças? Esse questionamento conduz-me a outra questão: O que é ser criança? O que existe de tão atrativo na infância? Tais perguntas me soam intrigantes. Pesquisemos, pois!
Crianças são seres que primam pela simplicidade. E quando falo em simplicidade reporto-me ao caráter originário, genuíno, o natural. Crianças manifestam sinceridade, desafetação, ou seja, carecem de vaidade, de pedantismo, de verniz social. Não obstante, as crianças estão inseridas no convívio social, estão no mundo, no mundo da vida - no Lebenswelt. E o que a vida lhes fornece em retribuição? Brinda-as com a hipocrisia, com a mentira, coma arrogância, com a ganância, com a mesquinhez. Mas o fato de brindar não é suficiente, pois as cobranças são insaciáveis. Há como que uma exigência social - e o processo tem início na educação doméstica - de perverter o caráter originário, de aniquilar o natural. Toda a educação no lar visa, estritamente, moldar, modelar, superar, romper o caráter genuíno dos rebentos, de modo a criar seres que atendam exemplarmente às expectativas sociais. E essa “linha de montagem” acaba por criar “máscaras”, por onde pessoas, já adultas, respiram, transpiram, gritam, sorriem, choram, amam, sofrem, desempenhando seu papel no teatro da vida. (melhor seria falar em burlesca comédia).
No entanto, há aqueles - acredito serem pouquíssimos - que se negam a desempenhar tal papel, muito embora a educação social ter-lhes sido apresentada. Como a sociedade não se conforma em abrigar atores que lhes contesta o roteiro preestabelecido, ela os retribui com o adjetivo ingênuo. E o que seria a ingenuidade? A ingenuidade só pode ser atribuída a alguém que contraria - contrariar aqui deve ser entendido como não ter apreço - os valores sociais; àquele que quebra, ou tenta romper paradigmas sociais. Ser ingênuo é viver em uma dimensão similar a uma bolha, é optar pelo autismo, isto é, tornar-se autista por espontânea vontade e permanecer fiel a seu caráter natural, o que exige extrema capacidade, tenacidade, dom. A ingenuidade é, em si, um eufemismo para se falar do pária, ou seja, daquele que a sociedade exclui. O adjetivo ingênuo é uma criação descortês, fruto do ressentimento social, e atribuído a todo aquele que quer permanecer em sua naturalidade, em sua genuinidade. O ingênuo é o que se opõe ao genuíno.
Portanto, presto aqui minha invejosa solidariedade àqueles que demonstram a devida coragem para se voltarem a si mesmos e optar pela “Terra do Nunca” - Neverland - em detrimento à farsa social.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Palavra de ordem: Esterilização!



Há não muito, circulou pelo Congresso Nacional, assim soube, um projeto de lei que visava esterilizar todos os cães da raça Pit Bull. A sustentação fundamental de tal projeto seria o já badalado argumento da agressividade, periculosidade, nocividade e outras “dades” que transitam pelo linguajar dos seres humanos.
Bem, parto do princípio que, se para nos livrar de certos perigos - mesmo aqueles que envolvem de perto a vida humana - usássemos o recurso da esterilização, algumas perguntas ficariam sem respostas. Por exemplo: a quantidade de vítimas fatais no trânsito é aterradora. Que fazer? Esterilizar os automóveis? Ou a raça de motoristas irresponsáveis que exibem uma habilitação para conduzi-los? Talvez devamos nos ocupar das autoridades que fornecem sem quaisquer critérios as habilitações.
Mas falemos em animais. Devemos esterilizar as baleias Orca Orcinus  para que não mais matem e/ou afoguem seus treinadores. E olha que o nome Orcinus é bem sugestivo: significa “do Inferno”.
Neste ponto posso ser acusado de retórico. Solicitando vênia, retomo minha argumentação com um acento mais pragmático. O que fazer com o sem número de assassinos que cresce em proporção geométrica numa sociedade onde a violência é banalizada? Esterilizá-los? De certo que não.
E os envolvidos na guerra do tráfico que acumulam vítimas sobre vítimas e exibem com soberba seus feitos na mídia e na sociedade? Também esteriliza-los?
Certamente existem males bem piores na sociedade do que cães, agressivos ou não. Existem males que estão além do fazer mal ao dono: são aqueles nocivos a toda uma sociedade; são aqueles que, pautados no cinismo e na hipocrisia, dissimulam sua própria nocividade; são aqueles que, sob a égide de uma pseudoautoridade, usam do recurso de uma imunidade parlamentar, de um foro privilegiado. Eles matam, quando embriagados ou não; eles usurpam e não de modo inconsciente; eles extorquem, e para tal fazem uso da racionalidade. Eles preterem, discriminam, molestam.
Neste caso, já que a palavra de ordem é esterilizar, esterilizemos, portanto, a classe política! Quem sabe uma geração alheia a esta raça anômala possa nos agraciar com a dignidade?

domingo, 28 de outubro de 2012

Brevíssimo ensaio sobre a cegueira



Antes mesmo que especulem se a cegueira de que falo vem tratar de obscurecimento da razão, da falta de discernimento ou algo que o valha, posso vos afiançar, com muita pretensão e sem muita modéstia, que até o presente momento não apresentei quadro grave de qualquer transtorno de raciocínio.
Ainda que se pretenda que a cegueira em questão refira-se à extrema afeição a algo ou a alguém; adianto-vos que não dispenso a objetos importância maior do que realmente têm. Quanto a pessoas, - a essas dispenso uma importância menor ainda - dado a procedimentos vistos por mim como inconvenientes, optei por certo autoemasculamento.
A cegueira de que falo está na capacidade, ou falta dela, de deixar de perceber detalhes nas imagens que se nos apresentam. Em verdade, essa minha metafórica cegueira, esse não ver o todo, envolve a parte aprazível do ver, ou seja, envolve o deixar de ver indesejáveis detalhes que a acuidade visual proporciona. Em suma, seria regalar-se com a imperfeição do fenômeno. O fato de enxergar o todo cria embaraços, pois com o auxílio de lentes - um recurso, antes saudosista, para tentar resgatar o que fora uma perfeita visão - eu vejo o tempo que se revela nos rostos cansados, nas rugas e dobras de peles outrora aveludadas, em paredes desbotadas, em cãs prateadas. Com o olhar perscrutador podemos desvelar a falta de asseio nos utensílios, a roupa enodoada, o crime que horroriza, a cena que constrange, a vaidade que ensoberbece. Por que primar por uma visão aguçada no simples intuito de contemplar a forma, a exterioridade, apanágio desta pós-mediocridade, em detrimento do conteúdo, ou seja, da essência? Cultuar meramente a forma é fazer-se ente; é prescindir da condição de Ser, e a tecnologia em muito tem contribuído para isso.
Enfim, qual a utilidade prática de uma perfeita visão? Copérnico já nos alertara: o que vemos não é como vemos. Em termos científicos, nossa visão é falha. O simples ver não auxilia muito o conhecimento. Não somos deuses ou deusas para conhecer a partir do tudo ver. Parece-me que a visão só tem finalidade estética, ou seja, o agradável que carece de conceito e busca por universalização. Se o fundamento estético reside no agradável, para que tamanha acuidade visual? A agudeza no olhar certamente dificulta o prazer estético. Bem aventurados, portanto, os de limitada visão!
Não tenciono cometer um suicídio oftálmico ou aviar receitas fundamentalistas. Logo, se meus olhos forem motivos de escândalos não pretendo arrancá-los e lançá-los distantes de mim; quero tê-los por perto, ainda que neste meu presumido enceguecimento. Minha desatenção conforta-me; meu alheamento priva-me de escândalos. Na verdade o estar alheio é minha única, constante e providencial lente.
Dirão, e eu o sei, que esta minha estranha apologética encontra explicação na covardia, na insegurança; quem sabe num idealismo retrógrado, ou num existencialismo rude, ou até mesmo num empirismo insipiente. Mas basta, basta-me o rótulo da ingerência.   

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Último desejo




Meu suicídio é iminente. E todos, todas, e eu também me pergunto porquê. O vetusto semanário entre as mãos me leva a estabelecer uma primeira verdade: a notícia é uma necessidade, mas é igualmente um desmande insano e incoerente.
A estupefação leva-me a optar por ouvir música; de modo apressado escolho aleatoriamente um CD, introduzo-o naquele estreito receptáculo e cerro a tampa, pressiono alguns poucos botões e Judy Garland canta “Over the Rainbow”. Meus olhos voltam-se ao semanário, percorrem-no um tanto aflitos, um tanto aturdidos. Discordo de imediato de Platão, pois minha realidade não está dentro, nem está fora da caverna: está no surreal.
Barak Obama mata um inseto diante das câmaras e faz questão de apontar para o moribundo numa atitude simbolicamente eufêmica. Recebe críticas de uma organização pró-animais! Eu já não sei mais o que é absurdo. Invejo Kafka. Mas continuemos: o mesmo Obama indica Lula para a presidência do Banco Mundial, num preito ilimitado ao apedeutismo.
Agora estou certo do que quero: um suicídio intelectual, se é que algum dia da intelectualidade me fiz portador. E quero o que quero, por saber o que não quero: jazer compactuado com a ideologia que dá suporte a uma cínica ignorância. Mas quero um suicídio diferente, algo passível de tornar-se ditoso; eu quero a comicidade do suicídio, algo de fazer inveja a Frederico Fellini. E por falar em absurdo, o CD player agora reproduz os últimos acordes de “Moon River”.
Meu suicídio intelectual terá como ponto de partida o silêncio, mas não um silêncio passivo ou calado ou submisso. Não! Meu silêncio será aviltante, ofensivo, escarnecedor; caracterizar-se-á pela insolência do silenciar. O CD player, depois de um breve silenciar, permite que Tony Bennett cante “Days of Wine and Roses”. Que contradição! A contradição é nossa cotidianidade.
Como todo suicida, deixo por escrito meu último desejo: Não quero homenagens, encômios nem prantos. Sem a alegria profana preferiria ficar insepulto - e decerto ficaria, pois não tenho Antígona por irmã. Não quero missas de corpos ausentes e presentes. Eu quero um churrasco, algo bem brasileiro e tupiniquim. Eu quero a farofa, o pagode, a “pelada” depois da bebedeira. Eu quero a presença de mulheres lúbricas e seminuas; eu quero a sistêmica e institucional baixaria. Enfim, eu quero uma confraternização tipo – e digna – da “Granja do Torto”. Que convidem políticos, corruptos, inimigos; em suma: a canalha! Quero sorrisos em demasia. Posso vos garantir: no evento não haverá prantos nem ranger de dentes!
Testamento?! Não, nem mesmo um legado. A meus filhos - gerados quando ainda havia crença no amor - o pedido expresso de perdão por tê-los lançado na cômica, insensata e desprezível dimensão a que chamam mundo. Que meus livros sejam queimados e suas cinzas se tornem pigmentos de tintas baratas que pintam os muros de terrenos baldios.
Um último pensamento absurdo ainda passa pela minha confusa e dementada cabeça: ouvir o réquiem de Mozart. Qual nada! Deixemos Mozart fora disso, dessa torpe bizarria. O CD player reproduz agora “What a Wonderful World” na voz de Louis Armstrong.  

domingo, 21 de outubro de 2012

Lulear



Sim, estou enviando projeto à ABL - Academia Brasileira de Letras - no sentido de incorporar um novo verbete ao nosso idioma. Em verdade se trata de um verbo defectível; talvez esteja mais para anômalo. Mas isso veremos mais tarde.
Trata-se do verbo LULEAR. Etimologicamente tem sua origem em lula, molusco marinho da ordem dos cefalópodes, ou seja, que tem os pés na cabeça. Por ilação deduzimos: ora, se da cabeça brotam os pés, não sobra lugar para o cérebro. Então seria alguém ou alguma coisa que pensa com os pés. Enfim: um andarilho anencéfalo.
Mas o verbo é bem parecido com viajar, só que com algumas diferenças. Seriam elas: viajar com o dinheiro do contribuinte, visitando outros países e, imerso numa total arrogância, falar um monte de besteiras em nome de um povo que, por ser naturalmente imbecilizado, o elegeu como representante.
Mas por que defectível? Porque seria suscetível de enganos, ou seja, nem toda a “casta” política teria como conjugá-lo de fato. Importante: conjugar de fato seria praticar a ação proposta pelo verbo. Mas anômalo? Sim, pela sua irregularidade; poucos cidadãos poderiam conjugá-lo. Eis a característica marcante do verbo LULEAR: a discriminação. Nem todos nós podemos ou queremos LULEAR. Um verbo a ser conjugado pela banalidocracia (um novo verbete a ser objeto de estudos e, quiçá, futuro projeto junto a ABL), ou seja, o poder da banalidade, do recrudescimento, da desmesura.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Meu pequeno Zacarias ou parodiando E.T.A. Hoffmann




Nossa história tem origem num lugar qualquer, entre o aqui e o nada, desde que seja abaixo do equador e num ambiente similar ao agreste pernambucano.
Certa feita, uma senhora sentou-se à sombra da algarobeira visando descansar do sol inclemente; era uma tarde mormacenta, de ar pesado, parado, sufocante. Ao lado depositou seu pequeno fardo: um menino de quase três anos, mirrado, extremamente feio, que mal balbuciava uma meia dúzia de palavras. Seu cabelo era espigado e de cor negra, os olhos grandes e astuciosos, a cabeça disforme e com feições rústicas. Enfim: uma monstruosidade. E à sombra do vegetal a pobre mulher murmurou algo como que uma prece rancorosa. Queixou-se da família já numerosa, da pobreza, do marido desempregado e sumido, e agora aquele pequeno gnomo raquítico. A prece ainda se alongou por alguns minutos de lamúria até que mãe e filho adormecessem.
Uma fada (fada!?) entendeu de passar exatamente pela margem do caminho onde ambos repousavam. A fada estacou apavorada. Mas o que era aquilo? – Pobre mãe! – exclamou a fadinha – como alguém pode acalentar e amar tal aberração? De tão incomodada, resolveu aspergir suas últimas gotas de poção mágica sobre a cabeça do menino. Acariciou seus cabelos, que instantaneamente tornaram-se encaracolados. Girou sobre os calcanhares e seguiu seu caminho de fada.
Algum tempo depois a mãe despertou experimentando um inexplicável consolo; procurou pelo filho, e Zacarias Luis (este era seu nome) não estava a seu lado; estava mais adiante pulando, dando cambalhotas, soltando gargalhadas. Estupefata a mãe se interrogava: - Mas o que acontecera? O filho não andava, era um moleirão, preguiçoso, só fazia comer e dormir... E agora aquela atividade... Gritou: - Zula! (Zula seria um substantivo composto por aglutinação). E o menino voltou-se e veio correndo a responder: - Sim, mamãe! Sua voz era rouca, gutural, quase uma agressão. Outra surpresa, pois o menino pouco falava; eram poucos os vocábulos resmungados. A mãe exultou: - Então meu filho fala! Quis ouvir outra vez sua voz. E num tom de súplica solicitou: - Fala alguma coisa para a mamãe, filho, fala... E o filho falou: - Nunca antes nesse país... A mãe soltou uma gargalhada e uma imprecação.
O vigário do lugarejo passava neste instante e parou para interrogar: – Por que tanto riso? A mulher apontou para o filho. – Ali seu padre, aquele monstrinho, meu filho, mal começou a falar e já está a mentir. O padre explodiu: - Cala-te mulher! Como podes dizer isto de teu filho? E o menino é tão lindo. Ao dizer isso passou a acariciar a cabeça de Zula, que sorria debochado. Constrangida, a mãe conseguiu balbuciar: - Pois o leve, crie-o! O padre com Zula nos braços concluiu: - Vou criá-lo e dar-lhe uma profissão digna; será torneiro mecânico!     
Mas Zula cresceu indiferente a tudo. Ele queria vencer na vida e não sabia como. Enquanto torneiro mecânico foi um fracasso, haja vista ter perdido um dedo na máquina. Mas aproveitou a oportunidade para receber o seguro, filiar-se a um sindicato e fazer política, tornando-se porta-voz dos metalúrgicos quando o país vivia sob o regime ditatorial.
Mas a ditadura acabou, e Zula, conseguindo arrebatar as massas com o carisma fabricado do encantamento da fada, chegou a Presidente da República. O país vai bem - economicamente - e graças à “herança maldita”. Hoje Zula é personalidade internacional, muito embora não tenha aprendido a falar e seu governo ser eivado de escândalos e de trapaças. O escrúpulo foi banido do léxico. Zula lançou a ética, a coerência e a sensatez aos porcos, seus iguais, politiqueiros.
Mês passado encontrei a fadinha ... coitada. Confessou-me seu arrependimento. Está doente, desempregada; está recebendo vale gás e bolsa família. Uma lástima.    

domingo, 14 de outubro de 2012

Brasil, 512 anos.


Comemorando o 22 de abril de 1500


Parabéns pra você!

Para você Brasil, que trás no corpo a grandeza; que tem nos filhos servis heróis e abatidos guerreiros; que se cobre de máculas e estigmas; que se veste de noiva ultrajada, corrompida, violada; que tenta sacudir o jugo da tirania imposta por outros filhos bastardos; que se torna ditoso em pequeninas realizações e se ufana em quimeras de improbidades veladas.
Parabéns Brasil pelo teu grande poder de acomodação; que aceita passivo “cármicos” desmandos; que se perde em questiúnculas intestinas, deixando ao léu objetivos essenciais. Bravo Brasil, que favorece a tão poucos e excluiu a tantos; que despreza o suor de teus filhos, heróis anônimos, e enaltece o poder daqueles que te não amam.

Nesta data querida!

É nesta data, querida mãe, que ensejamos um maior empenho; empenho em banir aqueles que primam pelo descaso, que se locupletam nas torpezas, que buscam os próprios interesses ou os dos poderosos, não-filhos, dos quais se tornam súditos e arautos. Nesta data, rogamos para que teu lábaro tremule e te revele a verdadeira face, não esta face que te mostra fleumática, quando na verdade sentes na carne o vitupério dos filhos ingratos.

Muitas felicidades!

Felicidades, Ó Pátria Amada, é tudo que desejamos. Que possas sorrir o longo sorriso de uma felicidade austera e não mais fingir uma alegria de pálidos lábios; que possas cicatrizar em breve das chagas que tantos vilipêndios causaram; que balsâmicos ares te envolvam e protejam, e não o odor repulsivo de falsos ideais; que tua cultura se alastre e frutifique e não mais assimiles os hábitos e valores de culturas outras, tão bizarras quanto hediondas; que tuas “vilas, filas, favelas” se livrem da barbárie e, então, juntos possamos partilhar desta felicidade. 

Muitos anos de vida!


Que outros 512 anos possamos comemorar, mas que fiquem no passado, hoje presente: a miséria, a fome, o desemprego, a saúde em irreversível estado terminal, o analfabetismo imposto e igualmente funcional, a imensurável exclusão social, a corrupção institucionalizada, o arbítrio, o nepotismo, a falta de vontade política, o caráter mesquinho de sua ditadura social travestida em sócio democracia. Que outros cinco séculos te sejam suficientes para expurgar os vícios e imposturas. Que tua síndrome, malgrado o disfarce de crise econômica, mas que sabemos ter seus fundamentos numa carência ética, seja enfim sarada. Que declares desta feita uma nova e veraz independência, objetivando o banimento da apatia e subserviência. Que repenses os critérios de delegar teu poder àqueles que de fato o mereça, para que a soberania seja exercida com justiça, lisura e temperança.
Instamos para que saias de teu íntimo exílio, e sejas para “os filhos deste solo”, enfim, a “Mãe Gentil”.


Parabéns Brasil

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Em defesa dos insensatos

(acerca da conquista do pentacampeonato de futebol)


“Brava gente brasileira”; somos pentacampeões! Bravíssimo! E temos heróis; e mais de vinte. Heróis de sobra; pra dar e vender. Isso é que é uma nação!
A Força Aérea os escolta e saúda em pleno voo. E pousam os heróis; a multidão acotovela-se para poder contemplá-los. São pessoas simples; dispensam o carro do Corpo de Bombeiros, algo muito formal, e postam-se sobre o pedestal de um trio elétrico para se sentirem mais próximos do povão.
O cortejo em festa segue pelas ruas da capital apinhadas de gente e estaca na rampa do Palácio do Planalto. Os expoentes do governo os aguardam; são heróis. O Excelentíssimo Sr. Presidente da República recebe das mãos de nosso humilde capitão o cobiçado troféu já tão osculado. Medalhas de Honra ao Mérito são colocadas em peitos inflados de soberba; delírios de um povo. Honras dispensadas a chefes de Estado. Nossos heróis são simulacros de estadistas.
E tem início a festa. Uma primitiva orquestra acompanha o Hino Nacional. Vozes se somam e se agigantam; lágrimas. Vem o desfile em carro aberto acompanhado de uma singela, torpe e mística canção: seria um novo hino? “E vai rolar a festa; vai rolar. O povo do gueto mandou avisar”.
De fato, este país é um enorme gueto. O gueto, segundo a visão histórica, seria o bairro onde judeus foram obrigados a viver. Mas não se trata da Áustria, nem da Polônia; estamos no Brasil: um imenso gueto.
Reconheço minhas raízes: sou filho deste gueto; essa é minha nacionalidade. Triste sina ter um gueto como pátria. Não, não sou judeu, mas deveria sê-lo. Acabo por invejá-los. Os judeus passaram por maus pedaços, mas saíram dos guetos e construíram uma nação. Devo rebelar-me. Onde está minha nação? Pra que tantos heróis se não temos nação? Heróis de um gueto?!
Mas o “gueto” está em festa. Os heróis, além do troféu, agora exibem medalhas de honra. É um merecido reconhecimento, mas onde está o reconhecimento àqueles que tentaram erguer, que contribuem e ainda tentam erguer este “gueto”? São professores, são cientistas, são intelectuais, homens que dedicam toda uma vida tentando melhorar a vida do “gueto”. São insensatos! A sensatez agora repousa no semianalfabetismo que conquista glórias efêmeras. A efemeridade é a nova tônica. A sensatez está na insensatez.
Há, e não poucos, os que afirmam que esta “glória” vem arrefecer os sofrimentos, mitigar as dores; faz que, mesmo por um instante, tudo seja esquecido: o povo imerso na miséria, no desemprego, na violência, na corrupção, na injustiça social, na instabilidade, na má distribuição de renda, na ineficácia do sistema de saúde, na falta de moradia, de terras, de escolas, de comida,... Ufa! Bem, mas se esse for o objetivo de tal “glória”, percebo que o povo do “gueto” gosta de viver de ilusão. A “família Scolari”, portanto, conseguiu transformar o “gueto” em o “País das Maravilhas”. Leibniz declarou: “esse é o melhor dos mundos possíveis”. Eu gostaria de acrescentar: “o melhor lugar do mundo é aqui”; este imenso “gueto”; o “Sítio do Pica-pau amarelo”, onde tudo é faz de conta.
Estamos em festa! Que interessa o risco Brasil? Qual a importância da alta do dólar? Que diferença faz se há fuga de capital neste “gueto globalizado?” Pra que tanta preocupação com a sucessão presidencial? É festa! Deixemos de lado o PIB, a dívida externa e interna. Somos penta! Aproveitemos a festa!
Não, não questiono de modo algum a conquista. Afinal é a felicidade geral e irrestrita; é a conquista dos insensatos. Não me queiram mal, pois também sou insensato. Insensato quando assisto inerme tais cenas pela TV; insensato quando creio que mais alguém partilha comigo desta inócua revolta; insensato quando escrevo estas apressadas linhas; insensato quando penso. É isso, meu problema, minha insensatez está em pensar. Até para viver em um “gueto” é preciso pensar. Talvez Descartes estivesse certo: “Cogito, ergo sum”. O existir advém do pensar. Acredito que Descartes estabeleceu o projeto ideal: para que o Estado exista de fato, faz-se mister que seus cidadãos pensem.
Descubro atônito que, além de insensato e nascido em um “gueto”, este sequer tem existência real, pois meus concidadãos prescindem e esnobam a capacidade de pensar. Pobre “gueto” meu!

domingo, 7 de outubro de 2012

Do decoro parlamentar



Por vezes, algumas expressões me incomodam sobremodo, e justamente por se tornarem expressões. Uma dessas é o já decantado decoro parlamentar.
Se falássemos apenas em decoro, estaríamos nos reportando à dignidade, à nobreza, à honradez, a alguém de moral ilibada, à pessoa de extrema decência. Mas quando unimos tal verbete a outro, que, por sua vez envolve tantas imposturas, a coisa não só não soa de modo agradável, bem como parece perverter a própria morfologia. Os conceitos teimam por se excluírem mutuamente.
Parlamentar é o membro de um parlamento, que, no exercício de sua função, entra em negociações. Ora, parece-me que o simples fato de negociar envolve o muito falar, o tagarelar, uma certa irreverência, a tergiversação. E porque não impudência? A tagarelice em si já demonstra sinais de falta de honradez, de falta de nobreza, pois recende a vaidade, a dissimulação, a emulação. Enfim, falamos do parlapatão.
E como se misturar água ao óleo? Ou melhor, como entender o decoro parlamentar? Um tagarela negociador que tem como característica ser digno e honrado! Sim, mas então o que seria a falta de decoro parlamentar? Utilizar-se da mendacidade enquanto exercer a atividade de parlamentar, isto é, de negociador. Mas qual é a novidade? O parlapatão não demonstra nenhum traço de dignidade, decência, ou algo que o valha. Em perfunctória análise etimológica, parlamentares não devem demonstrar nobreza, honradez etc. Quando o fazem, fogem a regra, e então manifestam decoro parlamentar. Falta de decoro parlamentar, em si, é apenas redundância. Portanto, deixemos os rapazes à vontade; são ossos do ofício.  

sábado, 6 de outubro de 2012

A Paixão e o Tempo



O tempo traz em si a característica ímpar da incomensurabilidade.  Santo Agostinho assim o demonstrara: como medir algo que não mais existe, o já decorrido, que atravessa o que não tem extensão, o presente, e chega ao que ainda não aconteceu, o porvir? O tempo é uma dimensão puramente perceptual, pois que implica movimento. Para cada um de nós o tempo decorre de modo diferenciado. Todavia, insistimos em mensurá-lo, e isso só e possível através de convenções. Na verdade, nós espacializamos o tempo.
Mas muito embora não possa ser medido, nós com ele travamos uma relação. Ora, longe de qualquer jocosidade, podemos afirmar que o tempo é filho de seu tempo. Houve uma época em que o tempo nos era parceiro, companheiro; podíamos passear ao longo das alamedas e observar detalhes, avisos, letreiros, outdoors. Hoje o tempo nos precede; já não mais desfrutamos de sua companhia, já não mais passeamos. Atualmente, corremos atrás do tempo, pois as coisas se transformam em velocidade vertiginosa. E, ipso facto, abandonamos detalhes, porque as transformações assim o exigem.
Isso nos leva a uma “corrida contra o tempo”. Aproveitamos sempre o momento presente, porque “o tempo voa; escorre pelas mãos”. Nós adensamos todas as nossas relações porque o tempo fluente - a transformação sistêmica - assim o requer. E não é diferente quando se trata da paixão. A fluidez do tempo nos torna apaixonados. A paixão aqui é totalmente abrangente, mas inegavelmente efêmera. Tratamos de tudo - não só as relações amorosas - intensamente, mas também momentaneamente. Somos súditos do império da efemeridade. Carpe Diem! 
Amamos (?) intensamente porque o momento presente é o único que acreditamos ser acessível; amanhã a pessoa, o amor, a paixão, todas as relações, enfim, podem estar indisponíveis. Nada cômoda essa situação. Não obstante, o ser humano a tudo se amolda, se adequa, se acomoda. Então seguimos nossa vidinha agitada, confusa, carente, sorrindo na tentativa de demonstrar bem estar. Não esqueçamos, no entanto, que o fugaz, exatamente por ser fugaz, banaliza as relações, sejam elas de companheirismo, de amizade, de família, de amor e sexo.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Um novo Canudos?



Pergunto-me pelo fenômeno social divulgado largamente pela imprensa nos dias atuais. Afinal, o que está acontecendo no Rio de Janeiro? E em São Paulo? A que se deve os shows de barbarismo?
Temperamentos instáveis advindo de uma súbita esquizofrenia? Parece-me que estes fenômenos representam exteriorizações de um grande conflito; algo interior travado entre impulsos e instintos que buscam a satisfação de outros desejos.
Creio que neste estado já não há mais a dita e afamada “personalidade”. Esta perdeu suas regras e se torna conflitante com as reações tidas por “normais” em face de solicitações exógenas. O “eu” desaparece, desintegra-se, e com ele todo controle mental - self control -; não há mais escrúpulos e inibições; a moral social se esgota.
E onde fica a consciência? Apaga-se diante do conflito do instinto e outros interesses. É o que Sorokin chamava de “a lei da diversificação e polarização dos efeitos”. Surgem então as psicopatias de faces distintas: os bandidos e os santos – sinners and saints. Podemos perceber sem muito esforço a quantidade de agremiações religiosas que a cada dia se tornam mais numerosas e com elas um certo grau de fanatismo. Podemos perceber também que nos dias de hoje não é o crime que nos causa espécie, mas o requinte de crueldade com que estes são praticados. No primeiro caso há uma exaltação moral instando por conjurar os instintos; no último uma crise de loucura sanguinária; a personificação de Amok.
Seria no mínimo inocente declarar que tal fato somente é observado na mancha periférica dos grandes centros urbanos; o fenômeno transcendeu aos “guetos”. Contudo, é dentre os aglomerados da população carente que se percebe o surgimento de líderes tribais. Afinal, numa esdrúxula lição de cidadania, os líderes tribais, os “Antonios Conselheiros” dos tempos modernos, distribuem alimentos, remédios, empregos, assistência médica e, como foi publicado recentemente, bolsas de estudo para cursos superiores. A educação não esteve sempre a serviço do Estado? Esse é o Estado paralelo que o Estado oficial teima em negar realidade.
 Mas qual seria a origem de tal fenômeno? Seria simplista demais falar unicamente em desemprego, fome, exclusão social e adjacências. Há ainda fatores como: a tecnologia que visa à satisfação individual prometendo um abstrato status quo; uma mídia que vende a idéia consumista estimulando a expectativa de fazer de cada jovem um Ronaldinho, um Leonardo De Caprio, uma Gisele Bündchen; o paraíso dos shoppings; a griffe renomada; o carrão importado etc.
Hoje se faz uma apologética negativa das drogas, como se estas fossem unicamente responsáveis pelas ações praticadas. Mas as drogas mais não fazem do que potencializar essas forças latentes; essa desorganização adquirida que desorienta e desajusta as relações sociais e familiares.
Seria muito cômodo colocar a educação como solução ao problema, mas a educação é ainda parte do problema. Falar em emprego como solução seria uma outra ingênua proposta, pois o emprego deve, além de atender às expectativas do profissional, fornecer condições dignas para o desempenho de tal função. Rogamos, além de uma reforma fiscal, da previdência, das instituições, que a sociedade pensante - não aquela que se acotovela diante da tv para “fofocar” e manter-se informado de tudo o que acontece no “Big Brother” - preconize aos mais jovens a necessidade de “colocar os pés no chão”. Caso contrário, a cada dia que passa, estaremos nos deparando com um novo “Canudos” e com novos “Antonios Conselheiros”.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Dos Princípios de Prazer e Realidade



A princípio o “eu” ilimitado, totalmente desembaraçado, totalmente desimpedido: o prazer que desconhece limites. Mas surge o “outro”, a realidade, aquilo que obsta, que faz oposição. O “eu” é prazer; o “outro” realidade. De Jean Paul Sartre a declaração: “o inferno são os outros”. Tem lugar o embate, a necessidade da convivência, da adequação à presença do “não-eu”. Desenvolvem-se os costumes, faz-se mister a lei, porque em face do “outro”, a realidade, o “eu” pode delinquir. Então justificam-se as sanções.
A realidade mostra-se-nos contundente, agressiva. Quando esta, ou seja, o “outro”, revela-se perversa, o “eu” busca uma fuga. O “eu” em-si é trânsfuga. E sobrevêm os delírios; delírios são nada mais que recursos utilizados por um “eu” em fuga, o que talvez explique nossas neuroses. É impossível não ser neurótico; a neurose é um fato.
A paixão, aqui entendida como inclinação afetiva, algo intenso e incontrolável, é quem governa o princípio de prazer. E a paixão, apesar do “outro”, tenta saciar-se, enriquecer-se, repletar-se. O prazer continua a não querer conhecer limites. E de que recurso pode o prazer valer-se para dar azo a seu desideratum? Da razão. A razão nada mais é do que um expediente da paixão; é construção tipicamente abstrata, uma hipóstase. Em verdade, não há divergência entre o apolíneo e o dionisíaco. Dionísio ainda governa; Apolo, mesmo sem o saber, ou fingindo não sabê-lo, dá continuidade a obra de Dionísio. A estupidez humana reside na pretensão de colocar a razão em patamar superior a paixão. E dessa vez me reporto a Nietsche: eis “A Origem da Tragédia”.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Do amor dos filhos




Devo começar esclarecendo que, de início, não falo do amor como manifestação, mas sim como sentimento; falo da profunda afeição, bem como do objeto dessa afeição; falo do afeto a pessoas. Não se trata de ágape (a caridade), nem mesmo de qualquer relação onde se revela a dissimetria, a desigualdade, algo que estabeleça distinção entre ativos e passivos. Falo de uma filia, ou seja, do amor de amizade, uma relação de igualdade que encerra uma passível comensurabilidade.
Mas como falar de sentimentos desvinculando-os de sua expressão? Justamente por ser comensurável, a ausência de expressões, quando não percebidas por aquele que dele se pretende objeto, conduze-o a um brando agastamento. Falo em brando agastamento porque, apesar da irritação, o que busca ser amado - o demandante - sufoca qualquer afecção. Em se tratando de filia, nenhuma das partes da relação permite-se uma posição passiva. O amor, neste caso, exige reciprocidade com igual intensidade. O amor, quando não percebido, transforma-se em mera expectativa. E a expectativa é cáustica, aberrante, cria um tempo que se revela como sofrimento. O interessante é que, quando, nesta relação, uma das partes reconhece-se como pivô da falta de intensidade recíproca, passa a experimentar certo mal estar, o que deságua no arrependimento, na crise de consciência, na culpa.
Vejamos: quando viajava pelo mundo, em conversa com um amigo, confessei que tinha em mente presentear meu pai com um objeto qualquer. Como esse amigo já perdera seu pai, eu o interroguei acerca do melhor presente que um pai gostaria de receber. Então ele respondeu-me, deixando patente enorme pesar: “O melhor presente que um pai quer receber é a atenção dos filhos. Converse com teu pai em toda oportunidade que tiver; ela ficará extremamente feliz”. E continuou, demonstrando remorso: “Quando estudante de medicina, nunca tinha tempo para conversar com meu pai, embora ele também fosse médico. Hoje sinto vontades de com ele conversar, mas já não posso desfrutar de sua companhia”. E rematou solene: “Converse com teu pai o mais que puder!”
Mas eu era um cosmopolita, um errante, um aventureiro: apanágio da juventude. E a vida seguiu seu rumo de modo implacável. Hoje sinto falta de conversar com meu pai. Meu pai se foi: outra dimensão, outra existência, outro lugar, outro patamar, outra vida, outra das tantas moradas da casa do Pai. Talvez no limbo, quem sabe ao certo? Mas ainda quero encontrá-lo.
Percebo, e não a contragosto, que o amor, o sentimento, necessita ser expresso. Sem a expressão o amor se evola, faz-se mudo, faz-se deficitário, inócuo, sem sentido, faz-se anômalo, parco, pífio, estúpido, despido de qualquer conteúdo, e, portanto, indiferente. E a indiferença já não é amor. 

domingo, 30 de setembro de 2012

Vanitas vanitatum




Uma das características mais marcantes da pós-modernidade é a luta inescrupulosa do ser humano para se tornar celebridade. Tal proceder não implica necessariamente a conquista da riqueza, mas o reconhecimento em si. Platão nos fala do conceito de thimo: algo intrínseco à natureza humana; um querer ser e permanecer em si; a vontade de dominar os semelhantes e sentir-se superior a estes.
Muito embora todo meu esforço para entender antropológica e filosoficamente esta faceta da natureza humana, os dias de hoje me extenuam, pois se nos apresentam como uma exacerbação desta concepção, até porque o conceito de thimo não se confunde com o de vaidade. Não me arriscaria em falar que chegamos ao limiar da vaidade humana, pois que o ser humano continua sendo uma incógnita, ou melhor, o inapreensível. Em todo o caso, permito-me declarar que atingimos um nível de vaidade já bem próxima do insuportável, do intolerável.  Mas a vaidade, o querer tornar-se celebridade, tão bem recepcionado pela pós-modernidade, trouxe em seu encalço a sua própria negação - uma dialética necessária tipicamente hegeliana. Refiro-me àqueles que buscam as celebridades, não com intuito de cultuá-las, de promovê-las, mas com o único propósito de expô-las ao ridículo, de fragilizá-las, constrangê-las. O que não deixa de ser também uma enorme vaidade.
Aqui me parece crucial estabelecer a diferença fundamental entre tornar-se celebridade e ser celebridade. Estas últimas parecem ser alvos preferidos dos ditos paparazzi. A família real inglesa, por exemplo, vem se mostrando presa fácil desta modalidade que mescla arte, técnica, labor e mexerico.  Sem pudor, sem caráter, e igualmente sem escrúpulos, fotógrafos perseguem os famosos para surpreendê-los em alguma gafe, aleivosia, algum tropeço. Os assédios são invasivos, olvidam a privacidade, conspurcam a intimidade, invadem propriedades. Todavia, tais “profissionais”, além de afirmarem-se como seres humanos, satisfazendo suas vaidades pessoais, são recompensados financeiramente por tabloides sensacionalistas. Quem diria! Tabloides sensacionalistas ingleses: a terra do politicamente correto. Mas tais tabloides subsistem porque de certo modo alimentam o doentio arcabouço da existência humana e sua típica vaidade.
Fechado o ciclo, infiro a perspicácia de Heráclito de Éfeso, ao declarar em seu fragmento que “o início e o fim é uma e a mesma coisa”. Ainda atônito, percebo também que posso corroborar as palavras do Eclesiastes: Vaidade de vaidades; tudo é vaidade embaixo do céu!  

sábado, 29 de setembro de 2012

Minha escatologia enfim justificada




Se perguntássemos à malta em constante ebulição por Ptolomeu, Copérnico, Isaac Newton, Einstein, Albert Sabin, Fulton, Gutemberg, Rudolf Diesel, o casal Curie, e tantos outros nomes que se dedicaram a acrescentar algo de positivo à humanidade, por certo teríamos como resposta um sorriso amarelo, e logo em seguida a piada grosseira, apanágio da caterva que se entende como “antenada”.
Em contrapartida, a súcia, talvez explicada pelo inconsciente coletivo de Jung - e aqui me exponho por discorrer sobre uma ciência extremamente complexa - se projeta em nível mundial, ensaiando um holístico e apocalíptico ballet ao som de “call me, maybe”, ballet este “criado” - e aqui opto por manter o verbete entre aspas, até porque, na falta de melhor verbete me valho da “criação” - por um jogador de futebol (football, ou melhor, soccer).
O problema não está no jogador de futebol, nem mesma na sua capacidade “criadora”; o problema reside simplesmente em tal personagem conseguir despertar a atenção em nível mundial, atestando com isso a degradação, a degeneração, o abastardamento de toda uma espécie.
Mais uma vez me vejo impelido a recorrer aos clássicos, pois historicamente percebe-se o declínio de uma sociedade, quando esta se volta ao cultivo da forma, execrando o conteúdo, o espírito, a essência. Em suma, a espécie humana olvida seus verdadeiros benfeitores, contemplando o efêmero, o banal, o vulgar, posto que, num extremado culto ao apedeutismo, enquanto promove à condição de celebridade um semianalfabeto, relega ao ostracismo grandes vultos da humanidade.
O que nos resta afinal? Torçamos para que alguém, distraidamente, sabiamente, ousadamente, temerariamente, bem intencionadamente aperte um botão, dando origem a uma guerra nuclear. Este seria nosso último grande benfeitor. É disso que precisamos: um visionário! O anjo apocalíptico que dê início a nossa solução escatológica. Alguns poucos exemplares da raça humana restariam para reiniciar o processo de desenvolvimento. Estaríamos livres de tal abastardamento? Não sei.

A nova versão do Malleus Maleficarum




O texto não versa acerca de uma nova caça às bruxas, isto é, mulheres que espontaneamente se colocavam num patamar superior ao universo masculino, até porque isto é extemporâneo.  Não!  O texto discorre, e de modo quase cômico, pois que o assunto beira ao burlesco, sobre uma nova e nefasta neurose que, não satisfeita em analisar todos os problemas pelo viés único de uma teoria-padrão, volta-se à crítica daqueles que, antanho, defendiam posições hoje superadas pela sociedade.
Vejamos: há não muito, José de Alencar, escritor de renome e digno representante da literatura brasileira, foi vítima de certa perseguição, acusado de disseminar o ideal escravocrata. É pertinente ressaltar que o pensamento é filho de seu tempo. Então a pergunta: em que circunstâncias viveu José de Alencar? Parece-me que banir a leitura dos textos do referido escritor seria, no mínimo, um expediente inócuo e pautado meramente no ressentimento. O que devemos fazer é aprender a ler José de Alencar, que, como toda leitura, exige do leitor espírito crítico. Como já o disse em outras oportunidades, citando Wittgenstein, “a crítica pressupõe o conhecimento”.
Não sei se é pertinente, mas, neste caso, procurem inteirar-se de uma ciência que atende pelo nome de hermenêutica. Se assim não o fizermos, deixemos de lado os textos bíblicos, Platão, Aristóteles, Maquiavel, Hobbes e o próprio Karl Marx.
Hoje estamos às voltas com o veto a Monteiro Lobato, outro exímio escritor, esteio e farol de tantas gerações, que se vê enredado em acusações de racismo e sexismo. Meu Deus, tantos “ismos”! Algo me sugere de que as minorias se valem dos “ismos” para construir seus arrebatadores discursos retóricos, onde o ressentimento, assim acredito, serve de supedâneo. Devo ainda falar em critérios para se ler Monteiro Lobato? Devo ainda falar em circunstâncias? Devo ainda falar em hermenêutica? Não, não desejo me tonar fastidioso e repetitivo tanto quanto àqueles que vociferam na busca de reconhecimento público.
Todavia, e com alguma audácia, devo lembrar-vos de que os negros não são mais minoria, as mulheres nunca foram minoria, e, arriscadamente declaro que os homossexuais também o deixaram de ser.  O que se me afigura é que estamos diante de uma insólita situação: pseudominorias melindradas por fatos passados, que, a qualquer custo, desejam não só afirmar-se, mas também impor-nos goela abaixo seus valores de forma grotesca, envolvendo-nos em sofismas fundados em preconceitos e em pré-conceitos. 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Universidade não é para todos!



Parece-me que a tônica dos governos da pós-modernidade é administrar por chavões; ou seria um cabalístico dejá vu? A máxima em questão - Universidade para Todos - já desgastada, assume proporções sobremodo inconsequentes e irresponsáveis, olvidando a meritocracia tão necessária ao desenvolvimento de uma nação que tem a pretensão de dizer-se séria.
Não sei ao certo se tal postulado é refém de outra bizarrice inglesa que apregoa o “politicamente correto”. Mas em todo o caso, a primeira soa como complemento da segunda, criando, evidentemente, uma expectativa na população, que carece de um ensino rigoroso e sistemático, ensino este que tem como supedâneo o aporte insidioso de uma didática que exibe o epíteto de “construtivismo”.
Aqui, e a título de esclarecimento aos incautos, segue uma sintética explicação: o construtivismo de Piaget trata tão somente da estrutura cognitiva. A teoria levada a efeito pelo estudioso genebrino volta-se às etapas de aprendizado, mostrando a aptidão para assimilar o conhecimento vinculado a cada fase do desenvolvimento infantil. Como as etapas se mostram de modo cumulativo, Jean Piaget chamou tal estrutura de construtivismo, isto porque a faculdade de assimilar conhecimentos revela-se como uma construção. Não se trata, de modo algum, em atribuir ao aluno a responsabilidade de aprender o que quiser e quando quiser. Pelo exposto, pode-se presumir a torpe interpretação dada à teoria do filósofo suíço.
Mas, como se isso não bastasse, a ela - a torpe interpretação do construtivismo piagetiano - se une uma ideologia caquética e igualmente espúria, que proclama com acinte uma educação que tem como finalidade precípua a “formação de cidadãos com espírito crítico”. Inadvertidamente ou não, desprezam os “novos didatas” que - e a frase não é minha, mas de Ludwig Wittgenstein -“a crítica pressupõe conhecimento”. Trocando em miúdos: para criticar faz-se mister conhecimento para fazê-lo; não se critica a partir do nada, sem embasamento, sem conteúdo. Estamos diante, portanto, de uma capenga fabulação.
Mas a educação (?) segue seu curso normal (?) formando cidadãos com espírito crítico (?). Todavia, esses cidadãos não conseguem realizar um simples cálculo aditivo ou subtrativo sem auxílio de uma calculadora, - quando sabem usar uma calculadora - pois não leem o manual de instruções porque não sabem fazê-lo. Mas são cidadãos e possuem espírito crítico (?). E é com esse “vigor literário e científico” que tais cidadãos adentram as universidades.
Neste ínterim cabem algumas perguntas: porque todos na universidade? A frase sugere uma nação composta apenas por profissionais liberais. É isso? E os técnicos? E os serviços? E as atividades primárias? Olvidam os ilustres “condutores” desta nação que tal proposta, se realizada, pode desembocar numa inversão social, haja vista alguns exemplos de países da extinta Cortina de Ferro. Não! Há somente uma patente preocupação com índices; e só. Como decorrência desta comédia, percebe-se a aleivosia do Estado, pois cria em seus cidadãos a expectativa de torná-los “doutores”, esquecendo premeditadamente que o mercado de trabalho é seletivo. O princípio darwiniano não seria mais bem empregado como no mercado de trabalho: “only the strong survive”. Então observamos placidamente a banalização das profissões liberais, onde os conhecimentos se mostram pífios e os salários se mostram parcos. 
Bem, mas as universidades tiveram que se adaptar às exigências sociais. As instituições privadas aboliram o vestibular, afinal toda e qualquer empresa privada visa, antes de tudo, o lucro. Então vêm as facilitações, as condutas permissivas, a esfera dúctil nos critérios do aprendizado.  E as universidades públicas? Essas se vergaram aos desmandos e aos chavões do estado-providência, franqueando suas portas para as cotas, realizando assim a expectativa de um governo reconhecido por sua ingerência, mas que tenta reparar, e do modo mais escabroso, as estultícias deslavadas levadas a termo nos ensinos fundamental e médio. Todavia, as universidades públicas ainda impõe critérios “rígidos”(?) para aqueles que nela pretendem ingressar (entenda-se por critérios rígidos o fato de estudar para ter acesso às mesmas). Então, o governo cria programas de financiamento para que os “discriminados” pelas instituições públicas conquistem “seu lugar ao Sol” nas instituições particulares. O citado programa - vale a pena frisar - é bancado com o dinheiro dos contribuintes.
Campeia pelos abstrusos corredores do poder a ideia de que a política de cotas seria a solução exemplar para se reverter as gritantes diferenças sociais no país. Aqui fazem-se necessárias algumas desmistificações: a primeira delas é de o governo se dedica com afinco às distorções sociais. Bobagem! Se tal acontecesse, a primeira coisa a ser feita seria uma reforma fiscal, buscando uma melhor distribuição de rendas. A segunda é de que, com o discurso recheado de um sociologismo ultrapassado e canhestro, declara que “alguns não tiveram oportunidades”. Acabemos também com essa falácia. Todos nós temos oportunidades! O que há é uma acomodação do povo, originada nos vetustos e seguidos governos populistas que, além dos programas de “facilitação”, evidentemente em busca de apoio, agora se valem de mais um chavão, jogando a responsabilidade nos braços daqueles que, com seus impostos, custeiam os programas acima referidos. Mais uma vez o governo lança o mérito no ostracismo. A facilitação e os favores anulam quaisquer estímulos, aniquilam quaisquer iniciativas, estabelecendo destarte, uma demente forma de persecução a objetivos.
Ainda como sucedâneo desta inaudita chocarrice, encontro professores formados em “linhas de montagem” e com títulos de bacharéis em pedagogia, com o fito de alfabetizar os “excluídos”. Mais um pertinente questionamento se nos afronta: “professores” que não cultivam o hábito da leitura, justamente por não gostarem ou saberem fazê-lo, podem incentivar seus pupilos à leitura? E neste quadro dantesco, como ficam as pesquisas? E o desenvolvimento científico desta nação? Para ser sucinto: água abaixo!
Inconteste o fato de que tornamo-nos reféns do tempo. Não ensejando ser elitista, mas com a necessidade de sê-lo, outra vez cito Wittgenstein: “Os limites do meu mundo são os limites do meu conhecimento”. Que horizontes limitados tem essa nação! Infelizmente. Acredito que, pelo menos, nos próximos quarenta anos vindouros, o Brasil ressentir-se-á desta anomalia sócio-político-educacional epidêmica. 

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Soneto da paixão e do descaramento


(Eis o risco que se corre ao se tentar fazer poeta)

Mulher

De início um olhar, um cismar, um pensar.
Depois o sonho, a quimera, a fantasia;
A embaraçada cobiça, a lúdica ousadia:
O pudico desejo do verbo que diz amar.

Então vieram os afagos, os afetos, carícias,
De corpos não frios, talvez tíbios, dolentes,
De almas que relutavam em se fazer ardentes,
De seres comuns que mascaravam malícias.

E veio o oportuno, o conflito, o abraço,
A vida que eleva, que exige, reclama;
Um clamor exaltado, que grita, que quer.

Ó Eros que fustiga, fere e embaraça,
Que constrange, pune e conclama, mas
Que permite, enfim, chamar-te mulher!

domingo, 1 de julho de 2012

As novas bem-aventuranças ou uma teologia pós-moderna bem brasileira




Podem não acreditar, mas eu, o não ungido, olho para as multidões e me sinto consternado. Já percorri lugares, aqui, acolá, algures... e o abatimento é o mesmo. Curioso: parece que a apatia acaba por fazer proselitismo.
Permito-me, então, acompanhar de discípulos. E como se não bastasse, sou instado a ensiná-los. Mas não há montes onde eu possa subir; não há multidões a conduzir. Assim, contento-me com a cadeira acolchoada que o conforto burguês oferece. O mais afoito pupilo questiona: - Como podemos ser felizes no mundo de hoje? Eu pigarreio (um sintoma de minha dúbia intelectualidade), cutuco disfarçadamente o nariz, e passo a esbanjar descarado conhecimento ao discorrer sobre as bem-aventuranças da nossa pós-modernidade.
Bem-aventurados os pobres de espírito, leigos, estúpidos e vazios, pois haverá discursos a favor, lançando-os na esfera dos discriminados, incitando-os a assim se perpetuarem, relegando todo esforço do conhecimento à esfera do inútil.
Bem-aventurados os que choram o choro da hipocrisia e se arrogam em vítimas – quando na verdade são contumazes velhacos – pois serão consolados pelo sensacionalismo da mídia que realiza a pieguice do populacho.
Bem-aventurados os que cometem de modo farto a injustiça, pois que são amparados pela leniência de seus pares que desfilam pelas vacâncias do poder da polis.
Bem-aventurados os desocupados, ex-presidiários, arruaceiros e vândalos pós-modernos que se reúnem em grupos organizados com o quilate do MST, pois que serão perdoados enquanto se travestirem de “movimento social”.
Bem-aventurados os violentos, criminosos, réprobos em geral, pois serão protegidos pelo discurso afetado e com ranço ideológico de uma esquerda ressentida, que ostenta o título de “Direitos Humanos”.
Bem-aventurados a casta política, independente se pertencente às oligarquias regionais, quando furta, desvia, nega, dissimula, mente, humilha e insulta os eleitores, pois terá direito a foro privilegiado e a imunidade parlamentar.
Bem-aventurados os fúteis, os superficiais, os vaidosos, quando disserem todo o mal contra vós, pois que a futilidade, a superficialidade e a vaidade arrebatam corações e mentes dos mais empedernidos.
Bem-aventurados os de mentalidade tacanha, os obtusos e limitados porque chegarão à faculdade e de lá sairão “um monte de DOTÔ”, graças ao Prouni, Reuni e outras desastrosas barganhas.
Bem-aventurados os analfabetos ou semianalfabetos, pois poderão alcançar o cargo de Presidente da República, transformando republiquetas de bananas em imensos sindicatos.

...

Mas onde estão meus discípulos?

domingo, 10 de junho de 2012

Panem et Circenses ou da Angústia



Recomenda-se amiúde e com obstinação o otimismo; preconiza-se de modo insano a alegria. A única pergunta cabível nesta oportunidade seria: Em que circunstâncias? Parece-me que tal recomendação não só tem origem, como também se dirige àqueles cuja vida se resume a pão e circo. Estruturas sociais são disponibilizadas para facultar Questa bella vita. Então a vida discorre - pelo menos na visão deste pragmatismo forjado - ou escorre tranquila e macia em um onírico clima de banalidade, onde todos os problemas são irrelevantes, as dificuldades são aparências e, portanto, igualmente irrisórias.
Neste caso, a arte mesma perde todo seu significado, pois que esta vem servir-nos de alento frente às dificuldades que se nos impõe. No entanto, caíram por terra o entusiasmo e a inspiração. O comedimento esvaiu-se, o excesso insurgiu-se.
Bem, como este texto-desabafo e não trânsfuga não pretende versar sobre imposturas de uma autoajuda, então, se me permitem, gostaria de falar um pouco sobre angústia. Sim, a angústia que se me afronta quando ouço as tolas recomendações, quando testemunho os sorrisos vagos de seres apascentados, quando constato a peregrina vulgaridade. Torno-me presa de intensa aflição ao perceber a arte amesquinhar-se, promiscuir-se, desconstruir-se; e tudo em nome de uma ruptura conceitual necessária e indolente. Tudo desemboca no leviano, no sofrível, na degenerescência. Mas o que ainda mais me apavora é o fato de não mais ser surpreendido.
Acredito que grande parte das pessoas desconhece o que seja sentir-se inútil. Como a ignorância torna os seres humanos felizes! Como o banal oblitera o raciocínio e obsta a sensibilidade humana! Em verdade eu os invejo. O quanto eu gostaria de assimilar o inútil, o torpe, o obsceno, o infame,... Mas é tarde. Fiz oferendas à Minerva; a Apolo ofereci libações de sangue; meu repasto está em Sofia. Então se justifica meu desespero e meu clamor. Angústia é isso: é o viver uma vida que se revela ácida, estreita, agônica em toda a sua extensão. O desespero é despertar e perceber que se vive, muita embora não se possa chamar viver o que há muito descaracterizou-se como vida.    

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Da obviedade do óbvio


  
“Quando você perceber que, para produzir, precisa obter autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada”.                                                          
                                                                                                                     Ayn Rand

De início, minha intenção fora comentar as declarações da filósofa russo-americana, mas... Comentar o que? Parece que nada há para comentar diante do óbvio. A obviedade cala-nos. Não é um calar advindo do temor; não! Tampouco um calar que se funda na insipiência. É somente um calar originado no constrangimento; constrangimento de saber-nos falhos, cúmplices. O emudecimento não é uma reação, mas a convicção de nossa vil, parca e insossa participação na sociedade. Criamos uma estrutura social maquiada pela comodidade; inventamos padrões de comportamento com promessa de felicidade, permitindo que interesses outros nos tornem cegos, broncos e gananciosos.
Então deparamo-nos com os que pensam e lançam, malgrado nossa vontade, uma gradativa e carrasca verdade. Nosso egoísmo é tanto que negamo-nos a enxergá-lo, bem como a sua gênese; nosso egoísmo é cultivado e alia-se à vaidade. E o que pode se opor a esse egoísmo? Não o altruísmo, mas aquilo que de fato é: o óbvio. O óbvio, nesse caso, tem por fito mostrar nossa pequenez e indiferença ante aquilo que mais “prezamos”: a vida em sociedade. Benvinda seja, portanto, a obviedade!

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Eu e minha esquizofrenia



Parece que o rótulo tornou-se uma exigência da pós-modernidade. Todos nós, queiramos ou não, gostemos ou não, somos instados a exibi-los. E estes – os rótulos – variam dos mais soberbos – quando exibem minúcias detalhistas de pseudo intelectualizados – aos de criatividade mais chula. Com certa contrariedade, mas parte integrante desta malta em eterna efervescência, acabei por assimilar um novo título; – em breve o estarei elencando em meu Lattes – o de esquizofrênico.
Fazendo jus ao novo rótulo, passo agora a discorrer acerca desta minha recém-descoberta psicopatia, se é que tal epígrafe deva ser levada a sério.
Mas vejamos. Diz-se, dentre tantos apanágios da esquizofrenia, que:
a) “perda das relações sociais que mantinha”. Parece-me que as pessoas devem perpetuar todas as relações sociais, muito embora sabendo que todas as relações deterioram-se com o tempo, sejam elas entre pais e filhos, entre irmãos, sócios, vida matrimonial, etc.
b) “dificuldade de tomar decisões e de resolver problemas comuns”. Como se a pós-modernidade tivesse a menor intenção em resolver alguma coisa. A geração pós-moderna, e com muita razão, culpa as gerações passadas pelo caos instalado, a partir da pretensão da mentalidade iluminista em estabelecer padrões de comportamento com a promessa de tornar a humanidade feliz. Deu no que deu!
c) “hostilidade, desconfiança e medos injustificáveis”. Aqui me permito responder colocando uma nova questão: Qual o legado da “modernidade líquida”?
d) “sensibilidade excessiva a barulhos e luzes”. O que me ocorre é a imposição em nos adequar à sonoridade aviltante das festas raves e ao uso costumeiro de óculos escuros para mitigar a luminosidade feérica e sempre festiva do mundo hodierno.
e) “rostos inexpressivos”. A inexpressão de um semblante sempre exprime algo. Inexpressão é um conceito vazio. Eu me solidarizo àqueles que, em face de tantos desenganos e decepções, mantêm os semblantes inexpressivos.
f) “afirmações irracionais”. Observem, por favor, discursos políticos, declarações de autoridades, CPIs do Congresso, votos de relatores e me apontem afirmações racionais. As afirmações irracionais advêm de um processo de assimilação/imitação.
g) “abandono das atividades usuais”. Sofremos um massacre midiático diário, no sentido de inovar comportamentos, fincados em pesquisas e experiências as mais torpes e estapafúrdias. E ainda se justifica tal absurdo com a retórica de uma necessária ruptura conceitual histórica.
h) “incapacidade de expressar prazer, de chorar ou chorar demais injustificadamente, risos imotivados”. Devemos ser capazes de demonstrar prazer, mesmo diante das aberrações que toma lugar no palco do mundo; devemos ser capazes de chorar quando nosso ídolo for desclassificado no “reality show”; devemos ser incapazes de chorar quando Barak Obama e o povo norte americano festejam nas ruas a morte de um extremista islâmico. Em que diferem uns dos outros? Só devemos sorrir diante das câmeras, expressando aquela felicidade dos muares. Mostremo-nos felizes como o gado que caminha plácido e sereno rumo aos abatedouros.

Estou pensando seriamente em usar a alcunha de: “o esquizofrênico”. O que acham?